Audiências Virtuais

Desde o início do isolamento social o Poder Judiciário (acertadamente) vêm operando em regime de teletrabalho e as audiências não estão sendo realizadas, com base no que determinam as Resoluções CNJ nº 313/2020, nº 314/2020 e nº 318/2020, bem como da recente Portaria CNJ nº 79/2020.

Assim, um tema que ganha relevo no debate jurídico atual diz respeito a realização de audiências virtuais por videoconferência.3

Como era de se esperar argumentos favoráveis e contrários a realização do ato por meios tecnológicos afloram.

No meio desta celeuma temos que ter em mente que a tecnologia deve ser usada como aliada, especialmente em momentos tão excepcionais como o que vivemos. Contudo, não podemos perder de vista que em um processo judicial, em última análise, está se tratando da vida de pessoas e, justamente por esse motivo, não se pode atropelar normas, princípios e valores legais e constitucionais.

Aqui buscaremos analisar alguns aspectos dessa nova modalidade de realização de audiências, sem, contudo, por óbvio, querer esgotar o tema.

 

Princípio da Razoável Duração do Processo.

O inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 leciona que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Com base nesta norma é que se busca legitimar a realização das audiências virtuais.

Basta acompanharmos os noticiários para chegar à conclusão de que a única certeza que temos sobre a duração dos efeitos do COVID-19 é que, infelizmente, não temos certeza nenhuma.

Trata-se uma doença nova e que a ciência ainda não possui meios efetivos de controlá-la.

Neste contexto, parece óbvio que os processos não podem ficar parados por tempo indeterminado. Até mesmo porque, em algumas situações, a demora pode implicar em perda total da prova, como por exemplo uma gravação que pode ser descartada.

Cabe trazer à lume que a realização de audiências virtuais não são novidades em nosso ordenamento jurídico. O §3º do art. 236 do Código de Processo Civil traz disposição expressa acerca do tema.

Ocorre que a maioria dos Tribunais nunca se ocupou de implementar tal medida.

A realização desta modalidade de audiência se dava pela ação isolada de alguns juízes, em processos específicos.

Com a pandemia do COVID-19 isso vem sendo repensado.

Tal medida é salutar e de interesse público!

Contudo, é necessário que a regulamentação de tais atos se dê de maneira consensuada com os diversos atores do processo (advogados, magistrados, membros do Ministério Público e servidores da ponta), evitando-se assim violações a normas de natureza processual ou princípios/valores constitucionais.

A prestação jurisdicional é dever do Estado.

A confirmação desta afirmação está no art. 5º, XXXV da Constituição Federal que consagra o acesso universal à justiça. Ocorre que esse acesso não pode ser apenas proforma. Deve ser efetivo.

Assim, os Tribunais que desejem implementar audiências virtuais devem prover os meios necessários para que tais atos ocorram.

Não se pode, de forma nenhuma, transferir tal responsabilidade para os patronos nem para as partes.

Ainda mais em se tratando de um ato que necessitará de acesso a um serviço de internet, que no Brasil é precário.

Concordância expressa das partes.

Não houve um tempo para a implementação das audiências virtuais.

Fomos surpreendidos com a necessidade de realizar atos processuais por meio de plataformas tecnológicas.

Novidades como essas requerem uma fase de adaptação de todos os sujeitos do processo tanto do ponto de vista instrumental (equipamentos adequados) como do ponto de vista comportamental (novos hábitos de conduzir o processo).

Assim sendo, nesta fase de adaptação o melhor caminho é que seja imprescindível a concordância das partes e de seus patronos para que a audiência seja realizada de forma virtual.

É contraproducente exigir que uma parte ou seu patrono pratique um ato que possui consequências jurídicas se este não possui os meios adequados para realiza-lo.

Ninguém melhor que o advogado e seu cliente para dizer se aquele ato tem condições ou não de ser realizado daquela forma.

Afinal, o magistrado possui a prerrogativa de adiar a audiência caso encontre algum problema de ordem técnica. Já a parte e o advogado não. Sendo intimado deve comparecer ao ato.

Agir desse modo só irá fazer crescer arguições de nulidades por cerceamento ao direito do contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente consagrados no art. 5º, LV da CF/88. Nulidades estas que, certamente, serão reconhecidas e comprometerão a razoável duração do processo.

Não aplicação de sanções processuais.

Como dito, o momento é excepcional e de adaptações de todos.

Mais do que nunca é necessário ter bom senso.

Entendo que o não comparecimento das partes, neste momento, não deve importar em sanções de natureza processual, como revelia, confissão, arquivamento ou extinção do processo.

Cabe destacar que em muitas audiências a participação das partes na audiência é meramente proforma, como se observa nas audiências de processos que envolvam apenas matérias de direito ou que naturalmente serão adiadas para realização de alguma diligência necessária (perícias, por exemplo).

Mesmo nas audiências em que a participação das partes é imprescindível entendo que manifestando a parte a impossibilidade ainda momentânea (problemas de conexão, de saúde, ou qualquer outro justificado) o mais prudente é que se adie o ato, evitando-se assim prejuízo para o contraditório e para a ampla defesa.

Audiências de Instrução e Julgamento.

Eis aqui o grande entrave!

Audiências de Instrução e Julgamento, a grosso modo, são aquelas em que é produzida toda a prova oral (depoimento das partes e testemunhas).

Deixo, de antemão, minha posição contrária a realização de tais atos, neste momento.

Estamos na fase inicial de implementação desta modalidade de audiências. Neste momento, as audiências virtuais devem se restringir a atos de natureza mais simples, como audiências de conciliação, demandas que tratem integralmente de matérias de direito, processos que serão adiados para realização de diligências como perícias, ou mesmo tutelas de urgências e evidência.

Obviamente, mesmo nos casos acima relatados é necessário que haja concordância das partes e não aplicação de sanções processuais, como acima relatado.

No que diz respeito a realização de Audiências de Instrução e Julgamento entendo que se tratam de atos complexos e que não possuímos expertisse e segurança suficientes.

O primeiro e maior fato complicador é a questão relativa ao acesso a internet. Se não há como garantir que a parte (interessada no processo) terá condições de ingressar na videoconferência, como garantir que as testemunhas (que comparecem ao processo mediante convite, na maior parte das vezes) o façam?

Além disso, como garantir a lisura e transparência no depoimento?

Alguns argumentarão: Mas a boa-fé se presume!

Certamente! Mas não podemos fechar os olhos para a tentação que isso provocará!

Em um ambiente tradicional (audiências presenciais) já observamos maus exemplos diários. Imagine em um ambiente sem nenhum tipo de olhar externo?

Obviamente, se as partes cooperando decidem por realizar o ato nestas condições alegações futuras de nulidade restarão prejudicadas, vez que sabiam dos riscos a que estavam sujeitos.

Em suma: acredito não ser o momento de realização de Audiências de Instrução e Julgamento virtuais. As videoconferências devem se restringir a processos e/ou momentos processuais de menor complexidade.