Plataformas de streaming

Você provavelmente usa alguma (ou mais de uma) dessas plataformas de streaming: Netflix, Spotify, Amazon Prime Video, HBO Go, Globoplay, dentre outros. Trata-se da distribuição de dados e de materiais (com destaque especial para conteúdos de entretenimento – filmes, músicas, séries, etc.) através da rede de internet, sem que seja realizado o armazenamento da mídia (download) no computador, na televisão ou no celular.

O que talvez você não saiba é que existe discussão quanto ao regime de tributação deste modo de transmissão de conteúdos multimídia.

A problemática tem suas raízes no advento da Lei Complementar nº 157/2016, que incluiu a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet (…)” na Lista de Serviços que compõem os fatos geradores do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN (Anexa à LC nº 116/03, que regulamenta este imposto).

A respeito do tributo em comento, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, a sua aplicação pressupõe uma prestação de serviços de qualquer natureza (obrigação de fazer), que não estejam compreendidos no ICMS e que sejam definidos em lei complementar (art. 156, III, da Constituição Federal). Isto é, envolve sempre uma obrigação de fazer algo a alguém, sendo esta relação de interpessoalidade marcada pela onerosidade, já que o fazer exige, neste caso, uma contraprestação.

Partindo-se dessa premissa, resta a reflexão: pode ser enquadrado o streaming como serviço e, assim, constituir fato gerador para a incidência de tributação via ISSQN?

Vejamos. O que as empresas como a Netflix fazem, efetivamente, consiste em comprar os direitos autorais de determinado material, com autorização de sua reprodução, via rede de dados, a terceiros.

Dessa forma, ao consumirmos o conteúdo através dos programas de streaming, estamos também obtendo o seu direito de uso, ainda que de forma não definitiva.

Portanto, ao revés de prestação de serviço, cuida-se, em verdade, de um empréstimo ou uma cessão do direito de uso do material cujos direitos autorais foram adquiridos pela plataforma distribuidora.

Lembram-se das locadoras de filmes em VHS ou DVD’s? Pois os aplicativos de streaming se assemelham muito mais a elas do que a alguma empresa prestadora de serviço suscetível de tributação pelo ISSQN.

O entendimento pela aproximação do streaming à locação de bens móveis é defendido pelo advogado Evandro Gilli, ao relembrar que o fundamento de que locação não configura prestação de serviço foi utilizado pelo Supremo Tribunal Federal ao editar a Súmula Vinculante 31, que preleciona que “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. Nas palavras do advogado, “Se o STF usar a mesma premissa, caso seja provocado a decidir a questão, pode ser que também o ISS sobre streamings seja considerado inconstitucional”1.

Inclusive, o tema da legalidade da incidência de ISSQN sobre os contratos de licenciamento e cessão de direito de uso de programas de computador (softwares) desenvolvidos para clientes de forma personalizada) teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 590 do STF) e ainda se encontra pendente de julgamento. O posicionamento a ser adotado pelo STF neste caso será crucial para a definição da constitucionalidade (ou não) da tributação de ISSQN sobre as plataformas de streaming.

E, assumindo-se a compreensão de que o streaming não pode ser enquadrado como serviço, eis que não se revela em obrigação de fazer, mas de dar (assim como em casos de locação de bens móveis), o entendimento pela inconstitucionalidade da cobrança de ISSQN sobre tais aplicativos revela-se mais sensato e condizente com o ordenamento jurídico vigente.

1 Citado em https://www.migalhas.com.br/quentes/252903/e-legitima-a-cobranca-de-iss-para-servicos-como-netflix-e-spotify-veja-opiniao-de-tributaristas