Perspectivas da democracia na América Latina.
Resumo: Para avaliar a evolução política da democracia na América Latina nos obriga a rever o legado histórico que tanto lhe tolhe os progressos em direção a uma democracia plena e duradoura. Afinal, para haver plenitude democrática deve existir o pluralismo, a competição, a alternância no poder, o funcionamento sem quebras de continuidade, a prevalência de valores democráticos na cultura popular e nas políticas públicas. Desse modo, é peculiar a perspectiva da democracia na América Latina.
Palavras-chave: Democracia. América Latina. Venezuela. Geopolítica. Poder Judiciário.
Desde 2007 os pesquisadores do Departamento de Sociologia e do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac) da UnB, organizaram seminários a respeito do tema e produziram três obras sobre a mesma temática.
A importância dessa análise justifica-se por serem considerados países estratégicos na América Latina. Apesar das especificidades dos países envolvidos, as novas democracias latinas tenderam a um relativo insulamento da política, enfocando sobremaneira sua dimensão administrativa e procedimental.
Conclui-se que as democracias latino-americanas são, em sua maioria, ainda caracterizadas pela ausência de correspondência entre as instituições e as práticas sociais, entre a legalidade e a legitimidade e, entre a política e a cultura.
Ademais a identidade histórico-cultural existente entre os direitos constitucionalmente previstos e os direitos realmente vivenciados e eficazes traça um abismo ainda enorme. Seja pelo legado colonial agravado pelo imperialismo e pela globalização capitalista neoliberal, o quadro contemporâneo apresenta graves desafios para que as forças políticas conhecem verdadeiramente a democracia.
A democracia sofre sério risco na América Latina dotada de diversos países autoritários e com relevantes regimes democráticos enfraquecidos ou quase mortos. Entre os territórios afetados temos Nicarágua, Cuba, Venezuela e Bolívia.
Mesmo a Argentina se mostra frágil e com parca credibilidade popular além de um crescente movimento antissistêmico. Também o Peru oferece outro exemplo de democracia frágil, com constantes trocas de presidentes e constantes acusações de corrupção.
Nosso país, igualmente, se apresenta emblemático, basta recordar que o Presidente da República anterior atacou constantemente o Poder Judiciário, além de contestar a legitimidade das eleições e, ainda, o que é alarmante para quem se preocupa com a consolidação da democracia e com a existência de eleições limpas e honestas.
O avassalador crescimento do populismo na “América Latrina”[1], digo, Latina, seja o de direito ou esquerda é antipluralista e avesso às instituições, além de ser clientelista, traçando um estilo que coloca em risco a democracia com o autoritarismo, isto é, autocracia, quando apenas um pode realmente governar.
Cabe ressaltar que a democracia serve como meio de preservação do direito das minorias, com possibilidade saudável de alternância de poder.
Observa-se que na América Latina, do ponto de vista de mudanças, segue um padrão onde mudanças econômicas, políticas e sociais ocorrem dentro de uma continuidade de um modelo político que não se altera significativamente, independente da ideologia do governo incumbente, uma vez que coexistem de forma inercial com ingredientes preexistentes.
Tal situação possibilita que as políticas sociais e econômicas sigam um padrão que pouco se modifica. Se num contexto de mudanças as coisas precisam mudar para que fiquem iguais, então se pode esperar que num contexto de (re)democratização com inércia as instituições mudem, sem, no entanto, alterar, numa direção positiva, as normas, valores e crenças normativas da população em relação à democracia.
As democracias contemporâneas surgiram com condições iniciais complexas e muito desafiadoras, sendo as mais significativas: a expansão da pobreza e da desigualdade, a dependência econômica num pequeno número de commodities, os elevados níveis de fragmentação política, a falta de efetividade das instituições políticas em prover mensura política e a continuação de práticas de corrupção.
De fato, a construção da democracia é adversa e uma de suas principais consequências é a centralização do poder político-econômico. Há sincero consenso de que os benefícios da democracia e a coexistência democrática superam em muito os custos, assim, a expansão da democracia deve ser promovida e não desencorajada.
Frise-se que a situação da perda de credibilidade das instituições políticas não é privilégio de democracias emergentes e, as pesquisas demonstram que na maioria dos países latinos, os cidadãos se tornaram céticos em relação aos políticos, partidos políticos e as instituições políticas.
Cumpre apontar para a ineficiência da democracia representativa contemporânea, inclusive nos países considerados consolidados, é ilustrada pelos Estados Unidos. E, o processo de tomada de decisões tem sido usurpado por diversas gerações de autoridades eleitas que agem apenas em benefício próprio.
E, o resultado de tal usurpação tem propiciado a estagnação da economia, com forte queda de salários e do poder aquisitivo. Afinal, nos derradeiros momentos, a democracia passou a ser pré-requisito para ter legitimidade no mundo globalizado.
A Venezuela, segundo alguns, é regime autoritário por trás de instrumentos democráticos. Aliás, Maduro prometeu um banho de sangue no caso de não ser reeleito.
A história recente da Venezuela, que poucos conhecem, mas todos insistem em manifestar sua opinião. Por mais de três décadas, um pacto de alternância de poderes entre partidos de centro-direita (Pacto de punto Figo[2]) garantiu uma falsa estabilidade institucional no país, ao tempo em que se incrementava a exploração do principal produto de rendimentos de divisas nacionais, o petróleo.
Embora o país tenha, comprovadamente, as maiores reservas do planeta (mais de 300 bilhões de barris não explorados), durante toda rotatividade de poder estabelecida, a desigualdade social apenas aumentou.
O país enriquecia em créditos de exportação, mas aumentava espetacularmente mais em números de favelas. Quase 90% da população venezuelana era literalmente pobre, e as classes A e B oscilavam em não mais que 4% do conjunto nacional. Se havia divergência popular era rapidamente oprimida pelo governo.
Em 1989, porém, a bolha social estourou, aconteceu o histórico Caracazo, uma onda única e violenta de levante popular inconformada, com epicentro em Caracas e arredores, que resultou em dias de extremo terror na Venezuela, com saques no comércio, ônibus queimados, invasões de shoppings, enfrentamentos entre civis, dentre outros fatos dramáticos e cujo tratamento concedido pelo governo foi um rechaço fortemente belicista, que resultou em, pelo menos, duas centenas de mortes declaradas, e, até hoje, milhares de desaparecidos, afora as incontáveis prisões e execuções sumárias.
A Crise da Venezuela atualmente nos remete a dois presidentes. Grande parte da dificuldade Venezuela é devido a sua dependência histórica do petróleo que é responsável por noventa e seis por cento das exportações venezuelanas, o que torna sua economia muito vulnerável à variação do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
Cumpre lembrar que a Venezuela recebe sanções econômicas por parte dos EUA, grande opositor do governo de Maduro, tornando difícil a recuperação econômica em curto prazo.
Há países como países como México, Cuba, Irã, Turquia, África do Sul, Coreia do Norte, Nicarágua e Bolívia também manifestaram apoio a Maduro.
Há ainda aqueles que não apoiam diretamente nenhum dos dois “presidentes”: A União Europeia: A União Europeia pede pela realização de novas eleições, que respeitem os padrões democráticos internacionalmente aceitos.
Itália e Grécia: fragmentada internamente em seu governo entre os que apoiam Guaidó e os que apoiam Maduro, a Itália prefere se manter neutra. Já a Grécia, por sua vez, se coloca contrária à intervenção em assuntos internos de outros países. México e Uruguai: países que se oferecem como possíveis mediadores na situação, ambos optam pela neutralidade.
O fechamento das fronteiras com o Brasil e com a Colômbia demonstra um clima de inimizade que há muito não acontecia na América do Sul – até pouco tempo considerada uma zona de paz.
Além disso, a pressão estadunidense sobre a região cresce. Questionado sobre uma possível intervenção militar na Venezuela.
Infelizmente, a crise da Venezuela só se agrava. Sendo um país que faz fronteira com o Brasil, é fundamental acompanhar atentamente o desenrolar desse conflito.
Referências
ADALTO, José. América Latrina. ebook Kindle. Disponível em: https://www.amazon.com.br/AM%C3%89RICA-LATRINA-JOS%C3%89-ADALTO-ebook/dp/B08T6G1Y65 Acesso em 30.7.2024.
ALMAO, Valia Pereira. A consistência democrática na Venezuela em tempos de mudança política. Disponível em: https://www.scielo.br/j/op/a/txpWMgkpPGVVdF5djXrS9cM/# Acesso em 30.7.2024.
DE MIRANDA, José Alberto Antunes. Venezuela, Democracia e Militarismo: Uma Análise Crítica. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rdp/article/view/13350/7581 Acesso em 30.7.2024.
HORTA, Célio Augusto da Cunha: América Latina: conceito e limites. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. V. 15, n.2. 2021. DOI 10.21057/10.21057/repamv15n2.2021.33121
UCHÔA, Marcelo. Há democracia na Venezuela? Testemunho de um observador. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2019/02/01/ha-democracia-na-venezuela-testemunho-de-um-obsevador-internacional/ Acesso em 30.7.2024.
[1] América Latrina é uma crônica muito bem-humorada sobre a política mal-comportada praticada geralmente em cidadezinhas do interior do Brasil. O comportamento nada exemplar dos políticos destas cidades é colocado em destaque na narrativa do livro. Tramas, tratos escusos, composições nada republicanas, jogos de interesse são componentes. Dona América Segantini, cuidadora do banheiro público que, por via de circunstâncias acaba se metendo na política e, sem cultura, sem dinheiro, sem eira nem beira, se candidata a cargo majoritário. É um romance envolvente, engraçado e divertido e certamente despertará a curiosidade do leitor, que vai querer ler tudo numa sentada só. A obra é de autoria de José Adalton. A expressão “América Latina” é de origem francesa e surgiu impregnada de sofismas. E, tem cunho culturalista e etnocêntrico da época, quando se proclamava a latinidade e contribuía para dissimular os interesses geopolíticos e econômicos da França de Napoleão III. A denominação América Latina já traz profundos antagonismos típicos dos séculos XIX e XX e foram adquiridos à expressão novos sentidos e significados, sempre com cunho pejorativo. A utilização do termo “América Latina” esteve sempre associada a críticas, observações e refutações. Há três posições possíveis: Em primeiro lugar, há quem defenda o termo como uma forma de identidade e unidade face à “América anglo-saxónica”. Defendem o ponto de vista crioulo, longe da coroa espanhola, livre e independente. Que nasceu da crise de raças e da Independência; Em segundo lugar, temos os detratores, que defendem que o termo nasceu com a França de Napoleão III e as suas intenções em relação às antigas colónias espanholas e em “modo de guerra” contra a potência americana nascente e a sua Doutrina Monroe (1823). Michel Chevalier é referido como o criador do conceito de América Latina, pois no seu livro “Des intérêts matériels en France” sublinha a importância de criar uma “América Latina” que contraponha o termo “América Hispânica”, até então amplamente aceite e difundido. No entanto, antes de avançarmos, vale a pena perguntarmo-nos: Será que o conceito de América Latina é realmente uma ideia formada, forjada e produzida por ideólogos imperialistas de Napoleão II, com Michel Chevalier à cabeça?
[2] O Pacto de Punto Fijo foi um acordo político firmado em 31 de outubro de 1958 entre os três principais partidos políticos da Venezuela à época: a Ação Democrática (AD), de ideologia social-democrata e posicionado à centro-esquerda, o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), de ideologia democrata cristã e posicionado à centro-direita e a União Republicana Democrática (URD), de ideologia social-liberal e posicionado ao centro do espectro político. O propósito do acordo era assegurar a estabilidade política do país após a derrocada do governo ditatorial do general Marcos Pérez Jiménez a alguns meses das eleições, marcadas para dezembro do mesmo ano.[1] Seus efeitos se fizeram sentir até o início dos anos 1990.