Resumo: O filósofo revolucionário e genial, talvez, tenha sofrido pelas convicções ideológicas de sua irmã, herdeira de seus manuscritos e organizadora de toda sua obra para publicação. Porém, como pensador original e contundente nos revelou conhecimentos muitos úteis para entender a sociedade contemporânea.

Palavras-Chave: Filosofia. Nietzsche. Niilismo. Sociedade contemporânea. História da Filosofia.

 

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX.

Escreveu muitos textos criticando a religião, a moral, a cultura humana, filosofia e ciência, exibindo franca predileção pelas metáforas, ironia e aforismos. Sua ideia-chave inclui a crítica a dicotomia apolíneo/dionisíaca[1], o perspectivismo, a vontade de poder, a morte de Deus[2], o Super-Homem e o eterno retorno.

A sua filosofia central é a noção de afirmação da vida que envolve o questionamento de qualquer doutrina que drene a expansão de energias, não importando o quão socialmente sejam predominantes.

E, seu questionamento principal sobre o valor e objetividade, na verdade, tem sido o foco de extenso comentário e sua influência

continua a ser substancial, especialmente, na tradição

filosófica europeia compreendendo o existencialismo, o pós-modernismo e pós-estruturalismo.

As suas ideias de superação individual e transcendência além da estrutura e contexto tiveram grande impacto sobre os pensadores no final dos séculos XIX e início do século XX, que usaram estes conceitos como premissas para o desenvolvimento de suas filosofias.

Recentemente, as reflexões de Nietzsche foram recebidas em várias abordagens filosóficas que se movem além do humanismo, por exemplo, o transumanismo[3]. Começou sua carreira acadêmica como filólogo clássico, e se tornou um estudioso da crítica textual grega e romana,

antes mesmo de se devotar a filosofia.  Aos vinte e quatro anos foi nomeado para ser professor da cadeira de Filologia Clássica na Universidade da Basileia, sendo a pessoa mais jovem a galgar o referido cargo. Com quarenta e quatro anos. sofreu um colapso e perda completa das faculdades mentais.

Provavelmente, tal fato se deve a sífilis terciária, mas esse diagnóstico é questionável. Viveu seus derradeiros anos sob os cuidados de sua mãe e depois de sua morte, passou aos cuidados de sua irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche, até morrer em 1900.

Como sua cuidadora, sua irmã assumiu o papel de curadora e editora de seus manuscritos. Förster-Nietzsche era casada com um proeminente nacionalista e antissemita alemão, Bernhard Förster, e retrabalhou escritos inéditos de Nietzsche para se adequar à ideologia de seu marido, muitas vezes de maneiras contrárias às suas opiniões expressas, que estavam fortemente e explicitamente opostas ao antissemitismo e nacionalismo.

Através de edições de Förster-Nietzsche, o nome de Friedrich tornou-se associado com o militarismo alemão e o nazismo, mas estudiosos posteriores do século XX vêm tentando neutralizar esse equívoco de suas ideias.

Sofreu influências dos pensadores como Heráclito, Epicuro, Platão, Montaigne, Dostoiévski. Spinoza, Kant, Goethe, Schiller, Stirner, Schopenhauer, Heine, Emerson, Poe e Wagner[4]. E, influenciou os pensadores como: Adorno, Batialle, Camus, Cioran, Deleuze, Derrida, Foucault, Freud, Deyerrabend, Carl Schmitt, Evola, Heidegger, Iqbal, Jung, Mencken, Rorty, Rand, Rilke, Sartre, Spengler, Strauss, Williams e Kazantzakis.

Nietzsche dedicou-se a estudar a moral judaico-cristã e operou uma espécie de comparação das sociedades antes e depois do cristianismo, tendo classificado este como o fator central do enfraquecimento do ser humano na era moderna. Nietzsche pode ser considerado um autor cuja vida e biografia influenciaram a produção e recepção de sua obra.

Em 1878, o filósofo publicou “Humano, demasiado humano”[5], a sua primeira obra escrita em aforismos, estilo que marcou a escrita nietzschiana. Os aforismos[6] são sentenças curtas que possuem um significado próprio em seu interior, dispensando grandes argumentações.

O estilo aforismático era o que Nietzsche podia fazer devido à sua doença, pois não requeria muitas horas de grande esforço intelectual, sendo uma escrita fácil para o autor, que podia interromper a atividade a qualquer momento sem grandes prejuízos.

Em 1881 Nietzsche publicou “Aurora”, e um ano depois publicou “A gaia ciência”, ambos escritos em aforismos. Essas obras de escrita aforismática produzidas entre 1878 e 1882 compreendem a “fase intermediária do pensamento de Nietzsche”. Nesse momento, o filósofo defronta-se com a questão do nacionalismo[7], posição política a que ele se colocou absolutamente contrário.

Também em 1882, conheceu o psicólogo Paul Rée, amigo que o apresentou à intelectual feminista russa Lou Andreas Salomé. Nietzsche apaixona-se por Salomé e pede-a em casamento.

O pedido foi negado por três vezes, e Nietzsche sofre emocionalmente. Ainda no mesmo ano, ele corta as relações com Salomé[8] e Rée. Além disso, o filósofo começa a redigir a obra que seria mais lida e comentada pelo seu público, o livro “Assim falou Zaratustra”. Em 1885, Nietzsche inicia o projeto da escrita do que ele chamou de Vontade de poder, que seria a sua obra magna.

O filósofo, em 1886, escreve e publica o seu primeiro grande estudo acerca da moralidade, o livro “Além do bem e do mal”. No ano seguinte, aprofundando no tema sobre a moralidade, o filósofo escreve “Genealogia da moral”[9].

Ainda em 1887, ele começa a redação de “O anticristo”, texto publicado em 1888, mesmo ano de publicação de Crepúsculo dos ídolos e Ecce homo. Nessas últimas publicações, Nietzsche já se encontrava afetado pela doença mental, tendo surtos, fortes dores e problemas diversos.

No ano de 1889, em Turim, Nietzsche teve um ataque de nervos ao ver um cavalo ser chicoteado por seu dono, correndo para proteger o animal. A partir daí, começaria um colapso mental que o impossibilitaria de levar a vida intelectual que tinha até a sua morte. Hoje, as especulações de biógrafos apontam que os sintomas vividos por Nietzsche eram resultado de uma sífilis não tratada, que atingiu o sistema nervoso central e, que pode ter sido agravada pela dieta pobre e pelo uso de haxixe e ópio.

Nesse mesmo ano, o filósofo ficou completamente incapacitado para qualquer atividade, tendo vivido sob os cuidados de sua mãe e de sua irmã.

A irmã de Nietzsche, Elisabeth Föster Nietzsche, era assumidamente antissemita. Casada com um propagador dos ideais antissemitas, ela passou a tomar conta dos manuscritos e da produção intelectual de seu irmão. Elizabeth Nietzsche editou arbitrariamente os manuscritos de seu irmão, e publicou por conta própria uma versão montada por ela da obra “Vontade de poder”.

A obra editada pela irmã possuía caráter antissemita, algo que Nietzsche achava horrível quando ainda estava bem de saúde. Mais tarde, Elisabeth[10] conheceu Hitler pessoalmente e passou a ele várias informações acerca da obra de seu irmão, quando este já estava morto.

Por uma interpretação marcada pelas fraudes de sua irmã, Nietzsche tornou-se uma espécie de mentor intelectual do nazismo, imagem que somente foi desconstruída quase meio século depois, com os estudos de Giorgio Colli e Mazinno Montinari, que resultaram na edição e publicação da obra completa do filósofo alemão.

Nietzsche foi um pensador original, radical, além de profético, poético e feroz crítico da filosofia de seu tempo. Sua filosofia representou um ataque a crença pela qual existiria uma estrutura objetiva de mundo independente de qualquer apreensão humana. O seu estilo impactante e sedutor tornou suas ideias bastante atraentes para o público em geral, muitas vezes, leigo, e, em razão disto a qualidade intelectual de sua filosofia é, algumas vezes, omitida e, até incompreendida.

Nascido numa família luterana de Rocken, próximo a Leipzig em 15 de outubro de 1844, tendo estudado na famosa escola estabelecida no monastério Cisterciano que era renomada por sua excelente qualidade de ensino. Foi aluno exemplar, seguindo em 1864 para Leipzig e, foi muito influenciado por Arthur Schopenhauer e pela obra “O mundo como vontade e representação”. Na mesma época, tornou-se amigo íntimo de Richard Wagner e de sua esposa.

Por longos anos, admirou Wagner[11] que tanto elevou a cultura germânico. Porém, pouco a pouco, desiludiu-se e, em seu derradeiro desgosto foi em relação ao nacionalismo do compositor, ao seu antissemitismo e arrogância. E, o resultado foi que em 1888 publicou a obra “Nietzsche contra Wagner”.

Nietzsche contra Wagner é um ensaio crítico de Friedrich Nietzsche, escrito em seu último ano de lucidez (1888-1889). O filósofo atacou as visões de Wagner neste seu ensaio, expressando desapontamento e frustração nas escolhas pessoais de Wagner (como a sua conversão ao cristianismo, vistos como um sinal de fraqueza).

Esse trabalho é importante por várias razões, pois ilustra a evolução de Nietzsche a partir de um jovem filósofo.  Ele também desmentiu aqueles que rotulam Nietzsche como antissemita, como muitas vezes lhe é atribuído; em vez disso Nietzsche fez oposição clara dessas ideias como no fragmento: “Wagner condescendeu passo a passo para tudo o que eu desprezo – até para o antissemitismo”.

Cumpre esclarecer que a saúde de Nietzsche sempre foi frágil e, em 1878, renunciou ao cargo de professor na Universidade da Basileia e, durante dez anos, seguintes escreveu copiosamente lutando contra o progressivo comprometimento de sua saúde e uma sensível infelicidade. Em 1889, tornou-se insano e, ficou aos cuidados de sua irmã Elisabeth que assumiu a tarefa de organizar seus escritos e foi publicando conforme a sua escolha e, frequentemente foi distorcendo as ênfases e os significados originalmente estabelecidos pelo filósofo.

Quando do falecimento de Nietzsche, em 1900, sua reputação estava plenamente consolidada e sua imagem era de um homem que advogava a busca de um poder impiedoso e passional. No entanto, em sua vida privada, era um homem gentil, cortês e atencioso.

Foi frequentemente associado em razão de suas concepções populares construídas sobre seu pensamento ao nazismo e ao hitlerismo, não existindo dúvidas que muitas dessas ideologias facilitara tal tipo de exploração por parte destes movimentos.

Elisabeth, sur irmã, já em idade avançada, considerava Hitler como a própria encarnação do Super-Homem[12], que fora enaltecido por Nietzsche.

O termo Ünermensch foi criado para designar um ser superior aos demais, e segundo o filósofo era o modelo ideal para elevar a humanidade. Segundo o pensador, a meta do esforço humano não deveria ser a elevação de todos, mas o desenvolvimento de indivíduos mais dotados e mais fortes.

De acordo com o filósofo especialista em Nietzsche, Oswaldo Giacóia, o Super-Homem ou Além do homem poderia ser representado por aquele que encara a vida sem as muletas que o homem usou até hoje para suportar a existência, como a religião, ou a moral, por exemplo. Aliás, é tentador relacionar o Super-Homem do filósofo com o Super-Homem da DC.

Apesar de que Henry Cavill responder aos quesitos estéticos da sociedade moderna, este nada tem a ver com as ideias nietzschianas. O homem liberto das muletas resultaria numa negação da morte. E, por causa dessa negação que as pessoas acreditariam em falsas promessas como o paraíso.

Portanto, o Super-Homem seria um ser superior, uma ideia aperfeiçoada de nós mesmos, não em força física, mas sim, no âmbito psicológico. Foi por parte da má interpretação de alguns estudiosos é que Nietzsche foi relacionado ao nazismo e a ideia de eugenia, principalmente, quando calcada na superioridade da raça[13] ariana[14].

A oposição de Nietzsche à visão de que há um objetivo subjacente a uma realidade imutável gera grandes problemas filosóficos. E, no lugar da crença numa realidade profunda, ele incita a confiança no senso e, no senso comum como um dos meios eficazes de um entendimento de mundo. Não é certo, assegura o filósofo que o senso comum forneça a versão correta de como as coisas são meramente vistos que não existe tal coisa que possa ser entendida como coisa correta.

Entretanto, o senso comum subsidia a perspectiva pela qual vivemos e não é meramente uma superestrutura omitindo uma realidade verdadeira subjacente.

Nietzsche enfatizou que serão necessárias muitas definições conceituais para tirar as palavras “ação”, “comodidade”, “prática”, “vida” da imprecisão e, que também a palavra “verdade” pode se desdobrar em verdades religiosas, sociais, geométricas, científicas e de senso comum. Para Nietzsche as verdades do senso comum são ficções, pois veem o mundo imóvel, feito de objeto separados, com duração, ligados por relações de causalidade e reunidos em gêneros por identidade.

Isto é, o senso comum fragmenta, generaliza, imobiliza e organiza o mundo real. O senso comum cria, portanto, um mundo ilusório, no intuito de podermos agir sobre o mundo real, de lutarmos contra os muitos perigos que nos ameaçam.

Nietzsche chamou de “erros” estas diversas simplificações do mundo realizadas pelo senso comum para possibilitar a sobrevivência humana no mundo, de erros fecundos, erros que, com o passar do tempo, se tornaram critérios de verdade do conhecimento humano.

Neste ponto, pode-se citar aforismos de sua obra “A Gaia Ciência”. O aforismo 110 vem para expor estes erros fecundos do intelecto humano, erros fundamentais do senso comum.  O aforismo 111 é trazido para tratar da lógica do senso comum que opera com as noções de identidade e de substância, e também para expor a necessidade de velocidade para avaliar as situações práticas de perigo e tomar decisões tendo por objetivo a preservação do ser humano.

O aforismo 112 questiona a causalidade com o argumento de que lidamos com um continuum, que nós parcelamos segundo nossa conveniência.

Concluindo sobre as verdades do senso comum: “As crenças fundamentais do senso comum são (…) criações do instinto vital, de início casuais, que, em razão de sua utilidade, incorporaram-se ao organismo.”

Já analisando as verdades científicas, examinando primeiro a geometria e a mecânica, no aforismo 112, de “A Gaia Ciência” em que é desfeita a suposta superioridade das ciências contemporâneas sobre as ciências anteriores.

Pois, aquelas pretendem explicar o que essas só descreviam, mas apenas descrevem melhor e sempre com o concurso de abstrações humanas. Basta considerar a ciência como uma humanização das coisas tão fiel quanto possível.

Tais como os matemáticos e, no mesmo intuito de sobrevivência e de ação sobre o mundo, os físicos e os químicos raciocinam com fulcro em um mundo simplificado e, onde há coisas duráveis.

Por outro viés, a noção de evolução universal, expressa a mudança incessante do universo e contraria qualquer pretensão à enunciação de leis ou propriedades naturais eternas e idênticas. Há sempre uma margem, por menor que seja, de mudança em todos os acontecimentos.

Situa-se exatamente nessa margem a eterna transformação. Assim, a noção de identidade é colocada em xeque, e a proposta de Nietzsche é substituí-la pela ideia de analogia. Assim, conclui0se que todas as verdades científicas também não passam de interpretações e simplificações humanos do mundo.

Deixa-nos a lição Nietzsche ao revelar in litteris:

“O mundo aparente é o único, o mundo real é meramente uma mentira”. Não somos aptos a subtrair nossas interpretações. Portanto, o senso comum deve ser defendido não por conta de ser verdadeiro, mas pelo fato de que temos que dispor de um modo de lidar com o mundo”.

E, adiante ainda elucida:

“Armamos para nós um mundo no qual podemos viver, ao admitirmos corpos, linhas, superfícies, causas e efeitos, movimento e repouso, forma e conteúdo: sem esses artigos de fé, ninguém toleraria viver. Mas com isso não está nada demonstrado. Avida não é argumento. Entre as condições da vida poderia estar o erro”.

Realmente, os problemas tornam-se progressivamente aparentes quando ponderamos sobre a seguinte questão: – Se não há uma realidade subjacente e fixa, e se a visão do senso comum, embora útil, é sempre falsa. Como poderemos de modo inteligível prover a investigação sobre o mundo?

O filósofo condenou toda conceituação e organização linguística da experiência, e, todavia, utiliza essa mesma linguagem par articular a condenação, implicando assim que existe de fato, um estado verdadeiro das coisas que são, ou deveriam ser, discerníveis uma vez que estejamos libertos de todos os modos conhecidos de discernimentos.

Outro estudioso de Nietzsche, Arthur C. Danto[15], prossegue no questionamento: “Como podemos entender uma teoria quando da estrutura de nosso entendimento é colocada em questão por esta mesma teoria? E quando conseguimos compreendê-la nos nossos termos, disto se seguiria automaticamente que nós a entendemos mal, visto que nossos próprios termos são errados”.

Nietzsche foi radicalmente crítico em relação à ideia do “eu” enquanto uma entidade ou substância. Argumentou que nós inferirmos erroneamente por meio de noção geral de causalidade de ação, que deve existir um agente que exercite sua vontade de modo a realizar as ações.

Mas, isto, segundo o filósofo, é “falsa causalidade”, o pensamento vem quando ele deseja, não quando eu desejo. Aqui, a vontade não corresponde àquele conceito claro e simples que é frequentemente assumido por outros filósofos.

Uma vez mais, ele insiste que nossas crenças a respeito de leis tais como a causalidade e da necessidade constituem simplesmente um instrumental útil para fornecer um relato geral e não-refinado do mundo, nos capacitando a comunicarmo-nos e, nos entendermos uns aos outros, mas não informando nada a respeito como a matéria se apresenta na realidade.

Existe grande afinidade entre algumas ideias de Nietzsche e as do existencialismo. A filosofia de Nietzsche é oposta à tradição filosófica clássica e moderna que buscava uma verdade única e total sobre as coisas. Segundo ele, filosofar nada tem a ver com buscar “verdades”, mas questionar as supostas “verdades” e ampliar possibilidades de interpretação.

Sua filosofia influenciou diversos autores existencialistas[16], entre eles Martin Buber, Karl Jaspers, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Emil Cioran e Albert Camus[17], além de promover uma abertura para muitas das tendências contemporâneas na filosofia que se desenvolveram do século XX em diante.

Em suas declarações que “Não há verdade, apenas interpretações” ou que “Deus está morto”[18], ele descreve que não há mais um modelo único e absoluto para entender o mundo, mas uma multiplicidade de caminhos e possibilidades de se interpretar o que temos por “mundo”[19]. Além disso, as coisas se transformam, e o ser humano também, portanto há diversas potencialidades em jogo.

“Nosso mundo é muito mais o incerto, o cambiante, o variável, o equívoco, um mundo perigoso talvez, certamente mais perigoso do que o simples, o imutável, o previsível, o fixo, tudo aquilo que os filósofos anteriores, herdeiros das necessidades do rebanho e das angústias do rebanho, honraram acima de tudo.” (Nietzsche).

Em meados do século XIX, o filósofo dinamarquês Soren Kierkgaard[20] afirmava que a essência do homem é existir, não havendo nada anterior a isso.  A importância do pensamento que Kierkegaard inaugura está no fato de defender que só depois que uma pessoa nasce a sua história realmente se inicia.

E, esse pensador contrapõe tentativas de definir o homem pelos fatores históricos, culturais, políticos e, etc., afirmando que esse tipo de visão retira do próprio homem a possibilidade de enxergar-se como um ser único, que também escolhe ser quem ele é. O existencialismo enquanto doutrina nasceu também no século XIX e, expandiu suas raízes ao longo do século seguinte.

Foi uma filosofia, mas também se inseriu em dramas humanos reais, quer seja nas trajetórias peculiares de seus doutrinadores, quer em suas produções escritas.  E, que transpuseram os limites da filosofia, ampliando suas reverberações na literatura onde puderam encontrar maior correspondência com a vida humana em si, em toda sua complexidade. Para o existencialismo não é um Deus quem escolhe a trajetória humana, tampouco a sociedade pode traçar seu destino. É doutrina ancorada na responsabilidade do próprio homem sobre seus atos[21].

Em Friedrich Nietzsche, a verdade é uma ilusão, é uma enganação que tomamos como valor de verdade e serve para manter nossos corpos adestrados, já que ela é aquilo que trava nossas ações, que pontua nossos julgamentos e que define o que vale à pena ser levado à sério. O autor diz, no ensaio “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral”, que a verdade é aquilo que nasce para evitar a tese hobbesiana da convivência humana no estado natural (a guerra de todos contra todos). Ela se faz, primeiramente, como uma imposição geral: a linguagem.

Verdade como linguagem: “[…] é descoberta uma designação uniformemente válida e obrigatória das coisas, e a legislação da linguagem dá também as primeiras leis da verdade:  pois surge aqui pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira”.

Mentiroso é aquele que utiliza as palavras para dizer que a realidade é aquilo que ela não é. Por exemplo, ele afirma “‘sou rico’, quando para seu estado seria precisamente “pobre” a designação correta. Ele faz mau uso das firmes convenções por meio de trocas arbitrárias ou mesmo inversões dos nomes. Se ele o faz de maneira egoísta e de resto prejudicial, a sociedade não confiará mais nele e com isso o excluirá de si”.

Verdade como negação da vivência primitiva: a linguagem é composta por palavras, que são figurações de estímulos nervoso, segundo o pensador alemão.

Estes estímulos são traduzidos em imagens (as palavras) que são classificadas arbitrariamente em gêneros diferentes (masculino, feminino e etc.).

O nascimento da palavra, da imagem, é a primeira metáfora, a imagem é, depois, “modelada em um som”, e aqui acontece a segunda metáfora na produção da linguagem.

Verdade como ilusão massificante: “O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”.

O valor da verdade[22] nasce, então, das oposições que se formam entre as diferentes classificações e as valorações que se dá para cada classificação.

Por exemplo, o sujeito quer ser honesto em oposição ao mentiroso, como já dito acima, não porque a honestidade é boa em si, mas porque ser honesto (ser verdadeiro) carrega consigo uma série de vantagens em relação a ser mentiroso.

Nietzsche descreve que no mundo, antes da necessidade coletiva de comunicação e sociabilização, o intelecto, “como um meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças mestras no disfarce: pois este é o meio pelo qual os indivíduos mais fracos, menos robustos, se conservam, aqueles aos quais está vedado travar uma luta pela existência com chifres ou presas aguçadas”.

A realidade que o fraco expõe é composta por dissimulações criadas por seu intelecto.  Ele dissimula para sobreviver, o intelecto é uma maneira de conservar a própria vida. (In: NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. São Paulo: Hedra, 2007).

Da mesma forma, que os existencialistas, o filósofo afirmou que nós fazemos, mais do que descobrir valores e significados, e que esta descoberta é realizada por meio de ações, as quais, em última análise, não são e nem pode ser justificada ou fundamentada nas razões, sendo as ações expressões autênticas da personalidade.

Para Nietzsche, devemos nos separar do fluxo sem significado das coisas e requerer de nós mesmos que criemos novos ideais e novos valores, pela rejeição de concepções existentes e “verdades” aceitas pelo exercício de uma vontade de potência[23] que abarca o sofrimento enquanto meio para enriquecer a experiência e satisfazer as ansiedades do coração, mais do que dos ditames da razão.

No entanto, isto não quer dizer que Nietzsche não possua respeito pela razão, pelo fato, ele a estima e, muito. Porém, o filósofo observa o trabalho da razão, bem como a aquisição do conhecimento científico, como meio para a questão de suma importância a relacionada às atribuições de valores e criação de novas perspectivas.

O filósofo incita seus leitores a trabalharem no sentido de entender o modo de como os valores são aceitos, e tornam-se firmemente estabelecidos. Por exemplo, a prática de jejum e do celibato tornam-se muito importante no cristianismo e, como a transvaloração desses mesmos valores surge das ações das pessoas cuja vontade de potência as capacita a dirigir estas mudanças simplesmente com as palavras: “Eu devo ser assim”.

Tais pessoas estão além do seu próprio estão além do seu próprio tempo e, portanto, apesar da sua retidão serão sós, insultadas e mal-entendidas por muitos. Elas entendem que não há Deus algum, mas afirmarão a existência abrangendo e acolhendo cada uma de suas dores bem como seus prazeres.

A afirmação da existência conecta-se com a teoria do eterno retorno[24] que estabelece que tudo que ocorre, já ocorreu infinitas vezes continuará ocorrer infinitamente da mesma maneira que ocorre agora.

Os problemas suscitados por essa teoria são diversos, principalmente, quanto à luz da rejeição de Nietzsche para a explicação para todas as explicações da realidade que fazem referências as leis? O que está em questão ao se advogar o esforço sobre-humano de vontade, se o que se coloca é simplesmente uma repetição exata do que ocorreu antes de um infinito números vezes? Não fica claro como tais questões podem ser respondidas.

Algumas frases deixadas por Nietzsche são cruciais para elucidar o tema sobre a verdade: Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.  As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras. Temos a arte para não morrer da verdade.  O verdadeiro homem quer duas coisas: perigo e jogo. Querer a verdade é confessar-se incapaz de a criar.

Entretanto, é certo que a teoria do eterno retorno é fundamentalmente relevante no pensamento do filósofo alemão. Para ele, isto significava que a vida uma vez conhecida é a única vida que se tem, e a possuímos para sempre.

Assim, Nietzsche afirmou literalmente:

“Eu volto eternamente para esta mesma vida, no que ela é de melhor e de pior, e ensino novamente o eterno retorno de todas as coisas”.

Nietzsche retorna a Heráclito[25] para cogitar sobre o mundo como fogo eterno que se consome e se recria, mas sempre aqui, neste mundo. Toda a história do pensamento ocidental, desde Platão, está contaminada pelo pensamento transcendente.

É preciso retornar aos pré-socráticos, junto à Heráclito e, relembrar o rio que flui eternamente sem nunca parar, e no qual nunca podemos entrar duas vezes. Trabalhou arduamente para trazer a eternidade novamente para este mundo e o eterno retorno é uma de suas ferramentas conceituais para tanto. Há duas concepções em conflito: a eternidade temporal versus eternidade atemporal.

O maior representante da segunda tese é Platão que pensa a eternidade fora da existência, no mundo das ideias, mas existem inúmeros outros pensadores que seguiram sua filosofia, como Aristóteles, como motor imóvel, Plotino, negando a eternidade para a natureza sensível, Santo Agostinho, trazendo o platonismo para cristianismo e pensando um Deus eterno e atemporal criador de tudo a partir do nada; São Tomás de Aquino, passando por Descartes, entre outros, até chegarmos em a Immanuel Kant e à modernidade.

Observemos a citação em Ecce Homo[26]: “Naquele dia eu caminhava pelos bosques, ao longo do lado Silvaplana; detive-me junto a um imponente bloco de pedra que se ergue na forma de pirâmide, pouco distante de Surlie. Então veio-me esse pensamento.”.

Adiante em Ecce Homo:

“Quem quer que tu sejas, amado estranho, a quem eu encontro aqui pela primeira vez, aproveita esta hora feliz e a quietude que nos rodeia e acima de nós, e deixa-me dizer-te algo do pensamento que subitamente surgiu diante de mim como uma estrela que fracamente lançaria raios sobre ti e sobre cada um, como convém à natureza da luz. – Companheiro! Toda a sua vida, como uma ampulheta, sempre será revertida e se esgotará novamente – um longo minuto transcorrerá até que todas as condições das quais você evoluiu retornem na roda do processo cósmico. E então você encontrará toda dor e todo prazer, todo amigo e todo inimigo, toda esperança e todo erro, toda folha de grama e todo raio de sol mais uma vez, e todo o tecido das coisas que compõem sua vida. Esse anel em que você é apenas um grão brilhará novamente para sempre. E, em todos esses ciclos da vida humana, haverá uma hora em que, pela primeira vez, um homem, e então muitos, perceberão o poderoso pensamento da eterna recorrência de todas as coisas: e para a humanidade, essa é sempre a hora do meio-dia”.

No Ecce Homo, Nietzsche afirmou que a concepção básica de “Assim falava Zaratustra” consiste no “pensamento do eterno retorno, essa fórmula suprema de afirmação a que se pode chegar”.

Tomando como ponto de partida a análise das diferentes partes desse livro, contamos antes de mais nada definir o lugar que o pensamento do eterno retorno nele ocupa.

Estabelecendo a relação desse pensamento com a noção de além-do-homem, o conceito de vontade de potência[27], o projeto de transvaloração de todos os valores e a ideia de amor fati[28], pretendemos examinar a maneira pela qual Nietzsche o concebe em “Assim falava Zaratustra”[29].

A primeira obra de Nietzsche foi intitulada “O nascimento da tragédia grega”[30] e também contém sua famosa oposição existente entre apolíneo e dionisíaco[31]. O filósofo contrastou o espírito dionisíaco de abandono ao excesso, ao frenesi e à selvageria com o espírito apolíneo de restrição, ordem e harmonia, assinalando que na tragédia grega o poderoso caos dionisíaco é magnificamente ordenado e disponibilizado pelas qualidades apolíneas.

Entre 1873 a 1876, o filósofo publicou as quatro meditações atemporais e, depois, cinco obras no seu melhor estilo aforístico. E, o derradeiro livro foi “Assim falou Zaratustra”[32] reconhecido como sua obra prima, apesar de haver poucos argumentos sustentáveis.

Em 1886, na obra “Para além do Bem do Mal”, também manteve o estilo aforístico, salvo o poema de sua conclusão, trata-se de um conjunto de interesses filosóficos de Nietzsche. Este foi seguido, em 1878 pela obra “Para a genealogia da Moral” e, em 1888, por mais cinco livros curtos. Também escreveu uma crítica cínica do seu trabalho, na obra intitulada Ecce Homo que esteve guardada por sua irmã até 1908.

“Genealogia da moral”, “Além do bem e do mal”, “O anticristo e Crepúsculo dos ídolos”: são livros escritos na fase em que Nietzsche pretendia compor a sua grande obra intitulada “Vontade de poder”. Todos eles adentram no assunto da moral e da crítica à moral cristã como meio de levar o ser humano a reconhecer o seu processo de autodesvalorização, para que ele mesmo pudesse recompor-se e chegar a um novo estado de desenvolvimento pessoal.

O último livro do filósofo foi “Nietzsche contra Wagner” um curto trabalho na qual rompia sua relação de amizade com Richard Wagner. Outros escritos também foram publicados, mas, a devida extensão das alterações, tornou-se hercúlea sua compreensão.

O conceito übermensch ou super-homem permeia grande parte da obra do filósofo. Tal pessoa tanto poderia ser homem como mulher, não é tanto de alguém superior de alguma forma em criação e talentos, mas sim, de uma pessoa que confronta todos os terrores e desventuras da vida e, ainda, a afirma prazerosamente.

Nietzsche advogava uma rigorosa autodisciplina e uma exposição voluntária ao sofrimento, a fim de se exercitar a vontade de potência, que poderia superar o tipo de mediocridade submissa que via como característica da vida da maioria das pessoas.

Ele observava a vontade de potência enquanto a essência mesma da existência humana, a origem de todos os nossos esforços e da crueldade, que é necessária, embora esta não seja entendida por Nietzsche como um componente admirável para nenhuma vida.

A verdade de potência quando exercida pelo Super-Homem, não é simplesmente impermeabilidade de alguém contra a habilidade de alguém contra a dor e a amargura da vida, mas um esforço para vencer adversidade e realizar continuamente uma nova e mais alta resistência em si mesmo.

No universo de Nietzsche talvez tenha sido responsável pela sua fama as suas sentenças sintéticas e impactantes que possuem forte intensidade poética e que prende nossa atenção e uma vitalidade que é quase como se fosse uma presença física em cada página. É reconhecido como o filósofo dos filósofos assim como o filósofo não-filósofo e sua influência na literatura europeia é profunda.

Ele se propôs a realizar uma crítica dos valores morais que compunha a cultura de sua época. E, propôs a transformá-los completamente. Enfim, a filosofia nietzschiana constitui a exaltação de todos os valores vitais e uma crítica da cultural, especialmente, da tradição filosófica e do cristianismo e, segundo ele, levaram o homem à submissão e, impediram-no de se desenvolver como um autêntico espírito livre.

Centralizou, portanto, em quatro pontos fundamentais toda sua filosofia, a saber: a vontade de potência, o Super-Homem, a autossuperação[33] da moral e o eterno retorno.

Allan Percy, em sua obra intitulada “Nietzsche para Estressados” utiliza

o pensamento filosófico do alemão para solucionar problemas pessoais e profissionais, trata-se de um livro de autoajuda. O que não me mata, me fortalece. A proposta é justamente encarar as dores, sofrimentos, ou mesmo a tristeza, aprenda com esses sentimentos.

A tragédia compõe todas as vidas humanas e, que não se pode evitar a todas, mas deve aprender a conviver com tais tragédias e, retirar aprendizado como saldo positivo. Da escola de guerra da vida – o que não me mata, me torna mais forte.” (no original “Was mich nicht umbringt, macht mich stärker”), Tal máxima é comprovada, contemporaneamente, até mesmo cientificamente.

 

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[1] O Apolíneo e Dionisíaco é um conceito filosófico e literário ou dicotomia, com base em certas características da antiga mitologia grega. … O Apolíneo é o lado da razão e do raciocínio lógico. Por outro lado, o Dionisíaco é o lado do caos e apela para as emoções e instintos.

[2] A ideia é expressa em Nietzsche da seguinte forma: “Deus está morto. Deus permanece morto. E nós o matamos. Como devemos nos consolar, os assassinos de todos os assassinos?  O que foi mais sagrado e mais poderoso de tudo o que o mundo já possuiu sangrou até a morte sob nossas facas: quem vai limpar esse sangue de nós?  Que água existe para nos limparmos? Que festivais de expiação, que jogos sagrados teremos de inventar? Não é a grandeza deste feito grande demais para nós?  Não devemos nos tornar deuses simplesmente para parecer dignos disso?”.

[3] O transumanismo ou visão transumanista é movimento filosófico intelectual que objetiva transformar

a condução humano com o uso de tecnologias emergentes, alcançando as máximas potencialidades no sentido da evolução humana, deixando em segundo plano a evolução biológica, alcançando o patamar de pós-humano. Majorando consideravelmente as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas podendo até superar as limitações humanas fundamentais, impelindo a erradicação do sofrimento causado por doenças e a obtenção de imunidade aos efeitos do tempo, como o envelhecimento e a morte, e a capacidade de se transformar em diferentes seres com habilidades altamente expandidas a partir da condição natural. Tais pensadores estudam os potenciais benefícios e perigos de tecnologias emergentes bem como a ética no uso de tais tecnologias, como o biochaking. Uma corrente filosófica emergente chamada transumanismo, representada pelo símbolo H+, defende a aplicação da tecnologia avançada na superação dos limites impostos pela condição humana. Limitações intelectuais, físicas e psicológicas podem e devem, de acordo com os transumanistas, ser ultrapassadas com o apoio de biotecnologia, nanotecnologia e neurotecnologia. Uma das vertentes mais ativas, digamos assim, do transumanismo é o chamado biochaking. Misturando biologia com ética hacker, os biohackers podem apresentar diferentes pontos de vista sobre ciborgues e a forma como isso deve ser alcançado. Contudo, eles comumente são adeptos da filosofia transumanista. Eles podem variar entre “grinders”, os que desenvolvem implantes cibernéticos a fim de aprimorar suas capacidades, e biólogos que conduzem experimentos genéticos em laboratórios caseiros. Tudo sempre no melhor estilo da filosofia punk “faça você mesmo” (ou DIY, na sigla em inglês).

[4] O laço estreito com Wagner mantém-se a ponto de o filósofo frequentar a casa do amigo e manter uma relação estreita com o músico e sua esposa, Cosima Wagner. Em 1876, no entanto, Nietzsche rompe a amizade por discordâncias intelectuais, políticas e musicais que vieram à tona após a organização de Wagner de um evento em celebração de sua obra, o Festival de Bayreuth. Nietzsche achou o projeto wagneriano demasiadamente nacionalista e uma espécie de massificação cultural da música, que Nietzsche sempre considerou, até então, a expressão mais genuína da cultura alemã. Nesse período, ele também abandona a leitura de Arthur Schopenhauer por considerá-lo demasiadamente pessimista e negador da vida que, quando fortalecida, levaria o ser humano à sua plenitude, segundo Nietzsche.

[5]  Humano, demasiado humano, A gaia ciência e Aurora: são obras aforismáticas que tratam de temas variados, impossíveis de serem resumidos. Aqui Nietzsche reúne uma mistura de ideias que têm sobre a filosofia, estabelece diversos pontos de sua crítica à filosofia desde Sócrates, e intensifica a sua crítica à cultura e à moral cristã ocidental.

[6] O aforismo ou máxima, ou sentença que, em poucas palavras, explicita regras e princípios de alcance moral. É texto curto e suscinto no estilo fragmentário e assistemático na escrita filosófica e nos traz reflexão prática ou moral. A palavra aforismo tem origem no grego aphorismós, cujo significado é limitação, definição breve, sentença.  Embora condensem conceitos amplos em poucas palavras, os aforismos nem sempre têm intenção de ser uma verdade absoluta, encerrada em si e para si: podem, muitas vezes, ser uma metodologia de expressão de pensar.

[7] As principais influências ao pensamento filosófico vêm da política bismarckista de unificação alemã (a Alemanha consistia em vários impérios diferentes e o estadista Otto von Bismarck foi o responsável por unificar todo o território germânico). Nietzsche era contra a formação de um Estado-nação alemão, pois, para ele, somente a cultura garantiria o desenvolvimento humano, e não a força de um Estado e da guerra. Nietzsche mostra-se nesse momento como um antinacionalista.

[8] Queria viver a vida segundo as suas próprias ideias sem se importar com aquilo que os outros poderiam pensar. Tal não a impediu, no entanto, de se casar mais tarde com Friedrich-Carl Andreas, ter os seus amantes e travar conhecimento com aqueles que faziam parte da elite cultural de então. Conheceu Tolstói, Freud (o que nos vai interessar), e teve uma relação com Rainer Maria Rilke. Esse vínculo, que começou quando a autora tinha 36 anos, foi bastante profícuo e inspirador a nível literário para o poeta: o seu nome verdadeiro era René e foi Lou quem o rebatizou como Rainer. Uma mulher que apenas queria ser ela mesma e “descobrir a força secreta que comanda o universo e comanda o seu curso”. Foi a autora dos primeiros artigos sobre a obra de Nietzsche, compilados no volume ‘Friedrich Nietzsche nas suas Obras’, foi poetisa, romancista, ensaísta e, o mais interessante, também psicanalista: é por essa razão que a sua amizade com Freud importa.

[9] Genealogia da moral, Além do bem e do mal, O anticristo e Crepúsculo dos ídolos: são livros escritos na fase em que Nietzsche pretendia compor a sua grande obra intitulada Vontade de poder. Todos eles adentram no assunto da moral e da crítica à moral cristã como meio de levar o ser humano a reconhecer o seu processo de autodesvalorização, para que ele mesmo pudesse recompor-se e chegar a um novo estado de desenvolvimento pessoal.

[10] Após a morte de Elisabeth, especialistas reeditaram os escritos de Nietzsche e encontraram as versões distorcidas pela irmã: ela forjou quase 30 cartas e reescreveu várias passagens da obra. E foi assim que essa utopia ariana racista fracassou. “Nueva Germania não fracassou como colônia, pois continua existindo até hoje. O que fracassou foi o sonho racista de Förster”, observa Kurzwelly. “O que devemos ter em mente é que o sonho racista era dele, de Elisabeth e talvez de uma ou duas outras famílias.” In: PICHEL, Mar. Nueva Germania: A tentativa fracassada da irmã de Nietzsche de criar utopia racista no Paraguai. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59197538 Acesso em 23.1.2022.

[11] A respeito de Wagner registrou o seguinte comentário: “Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito que não tenha encontrado secretamente abrigo na sua arte, ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo instinto niilista e embeleza-o com sua música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência. (In: NIETZSCHE. Os pensadores. São Paulo. Abril Cultural, 1978).

[12] Para Nietzsche esta pessoa seria capaz de superar os valores de uma cultura decadente, seria o Super-Homem. Sendo que a moral do Super-Homem tem or valores a luta permanente e o perigo constante, estando exatamente em oposição aos valores morais do cristianismo de amor ao próximo, bondade, piedade, humildade.

[13] Interessante afirmar que em nível genético todo conceito de raça é equivocado. Em verdade, quando decidiram reconstituir o primeiro genoma humano completo, tomando como base genes de vários indivíduos, os cientistas coletaram amostras de pessoas que se autodefiniam como membros de raças distintas.  Em junho de 2000, quando anunciados os resultados do projeto em cerimônia na Casa Branca nos EUA, Craig Benter, um pioneiro na técnica de sequenciamento do DNA, fez questão de frisar que o conceito de raça não tem a menor base genética ou científica. A nossa espécie, Homo Sapiens evoluiu na África, apesar de que ninguém possa afirma com exatidão em qual época e região. E, o achado fóssil mais recente, localizado no Marrocos, indica que os traços anatômicos dos seres humanos modernos apareceram por volta de trezentos mil anos atrás. Nos seres humanos, assim como em todas as espécies no planeta, as mudanças genéticas são resultantes de mutações aleatórias, isto é, de ínfimas alterações no DNA, o código da vida.

[14] O conceito da superioridade racial germânica, exaltado pelo nazismo através da associação com a raça ariana, segundo Phillip Wayne Powell (Tree Of Hate, 1985), teve início na Alemanha do século XV, quando os germânicos começaram a se ressentir do fato milenar dos italianos olharem para eles com desdém, como um povo. A raça ariana é conceito surgido no século XIX e que está atualmente totalmente desacreditado. Seria supostamente a linhagem mais pura dos seres humanos, constituída apenas por indivíduos altos, fortes, brancos, inteligentes e, representando assim, de acordo com arbitrários critérios, uma raça superior às demais. Aliás, a palavra “ariano” deriva de arya que em sânscrito significa nobre e serviu para denominar um povo de origem controversa. Em verdade, os arianos não são uma raça e, sim, um grupo linguístico, mais conhecido como indo-europeu.  Em meados do século XIX, o diplomata e escritor francês conde de Gobineau propôs o conceito de “raça ariana”, defendendo a superioridade dos brancos sobre negros, amarelos e semitas.  In: Redação Mundo Estranho. O que é a raça ariana? Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-raca-ariana/ Acesso em 23.1.2021.

[15] Arthur Coleman Danto (1924-2013) foi um filósofo e crítico de arte americano. Professor emérito de filosofia da Universidade de Columbia (Nova York) desde 1951 foi, também crítico de arte da revista The Nation. Sua visão do desenvolvimento da arte inspirava-se na dialética histórica de Hegel. Foi autor de numerosos artigos e livros de crítica de arte, mas também de filosofia. The Artword (O mundo da arte) publicado em 1964 no The Journal of Philosophy é um dos meus seus mais importantes artigos. É neste que Danto cunha a expressão “mundo da arte”, que, pro ser mal interpretada, teria levado o filósofo George Dickie a elaborar sua teoria institucional da arte. Posteriormente, Danto postula a diferença entre a sua interpretação e a de Dickie, esclarecendo seu pensamento em A transfiguração do lugar comum.

[16] Ele valorizou a existência humana em sua plenitude e em seu caos, por meio da afirmação da vida e das potencialidades existenciais. É considerado por diversos historiadores um filósofo pré-existencialista, pois muitos de seus conceitos influenciaram os pensadores existencialistas.

[17] Albert Camus (1913-1960) foi um escritor, jornalista, romancista, dramaturgo e filósofo argelino. Recebeu o Prêmio Nobre de Literatura em 1957 por sua importante produção literária. Albert Camus nasceu em Mondovi, na Argélia, na época da ocupação francesa, no dia 7 de novembro de 1913. Assim se expressou Albert Camus a respeito de sua obra “O Estrangeiro”, numa entrevista de 1955. Tudo neste livro despertou paixões e polêmicas na época de sua publicação: seu autor, seus personagens e suas ideias. O existencialismo tinha se popularizado, transformando-se quase numa moda. Em 1942 publicou dois de seus livros mais importantes, o já mencionado “O Estrangeiro” e “O Mito de Sísifo”. Segundo muitos críticos, a ideia do absurdo da existência humana, formulada nestas obras, foi a maior contribuição de Camus para a filosofia. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na França ocupada pelos alemães, Camus travou relações com o filósofo existencialista Jean Paul Sartre e engajou-se na Resistência francesa, escrevendo e depois tornando-se editor do jornal clandestino “Combat“.

[18] Deus está morto (em alemão: Gott ist tot) é uma frase muito citada do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).  Aparece pela primeira vez em A Gaia Ciência, na seção 108 (Novas lutas), na seção 125 (O louco) e uma terceira vez na secção 343 (Sentido da nossa alegria). Uma outra instância da frase, e a principal responsável pela sua popularidade, aparece na principal obra de Nietzsche, “Assim falou Zaratustra”. A expressão também é conhecida como a morte de Deus, uma declaração amplamente citada feita pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche e originalmente Hegel. Nietzsche usou a frase para expressar sua ideia de que o Iluminismo havia eliminado a possibilidade da existência de Deus. No entanto, os proponentes da forma mais forte da teologia da Morte de Deus usaram a frase em um sentido literal, significando que o Deus cristão, que existiu em um ponto, deixou de existir.  A frase apareceu pela primeira vez na coleção de Nietzsche, de 1882, na obra do filósofo A Gaia Ciência Die fröhliche Wissenschaft).  No entanto, é mais conhecida por sua associação com “Assim falou Zaratustra” de Nietzsche (em alemão, Also Sprach Zaratustra), que é o principal responsável por tornar a frase popular. Outros filósofos já haviam discutido o conceito, incluindo Philipp Mainländer e Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

[19] A frase “Deus está morto”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), é muitas vezes entendida como mera provocação ao cristianismo. Contudo, essa é uma interpretação reducionista. A frase representa uma crítica ampla baseada na investigação da cultura ocidental desde a Grécia Antiga até a Era Moderna. Resume a decadência filosófica, cultural e religiosa da modernidade. Assim, “Deus está morto” é muito mais um ataque à filosofia de Platão e à forma como ela se refletiu na Era Moderna.

[20] Søren Aabye Kierkegaard (1813–1855) foi um filósofo, teólogo, poeta e crítico social dinamarquês, amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista. Durante sua carreira ele escreveu textos críticos sobre religião organizada, cristianismo, moralidade, ética, psicologia, e filosofia da religião, mostrando um gosto particular por figuras de linguagem como a metáfora, a ironia e a alegoria. Grande parte do seu trabalho filosófico aborda as questões de como alguém vive sendo um “único indivíduo”, priorizando a realidade humana concreta sobre o pensamento abstrato e destacando a importância da escolha e do comprometimento pessoal. Ele se posicionou contra os críticos literários chamados de idealistas e contra filósofos de seu tempo. Para ele, intelectuais como Swedenborg, Hegel, Goethe, Fichte, Schelling, August Schlegel e Hans Christian Andersen foram todos considerados “scholars” prematuramente. Algumas das ideias-chave de Kierkegaard incluem o conceito de “verdades subjetivas e objetivas”, o cavaleiro da fé, a dicotomia de recordação e repetição, a Angst (angústia), a infinita distinção qualitativa, a fé como paixão, e as três etapas do caminho da vida. Kierkegaard escreveu em dinamarquês, e a recepção de seu trabalho foi inicialmente limitada à Escandinávia, mas, no final do século XX, seus escritos foram traduzidos para o francês, o alemão e outras grandes línguas europeias. Em meados do século XX, seu pensamento passou a exercer uma influência substancial sobre a filosofia, teologia e toda a cultura ocidental. De acordo com Ludwig Wittgenstein, Kierkegaard foi o filósofo mais profundo do século XIX.

[21] Nietzsche usou a frase (Deus está morto!) para resumir o efeito e a consequência que a Idade do Iluminismo teve sobre a centralidade do conceito de Deus na civilização da Europa Ocidental, que tinha um caráter essencialmente cristão desde o Império Romano posterior. O Iluminismo trouxe o triunfo da racionalidade científica sobre a revelação sagrada; o surgimento do materialismo filosófico e do naturalismo que, para todos os efeitos e propósitos, dispensou a crença ou o papel de Deus nos assuntos humanos e no destino do mundo. Nietzsche reconheceu a crise que essa “Morte de Deus” representava para os pressupostos morais existentes na Europa, tal como existiam dentro do contexto da crença cristã tradicional. “Quando alguém desiste da fé cristã, arranca o direito à moralidade cristã de debaixo de seus pés. Esta moralidade não é de forma alguma evidente. Ao quebrar um conceito principal do Cristianismo, a fé em Deus, quebra-se o todo: nada do necessário fica nas mãos”. A certa altura, o filósofo se dirige principalmente a não teístas (especialmente ateus), e declara que o problema é reter qualquer sistema de valores na ausência de uma ordem divina.

[22] Para Nietzsche, o homem possui duas dimensões complementares: a racional (que produz a ordem) e a irracional (a imaginação caótica e misteriosa). Chamou essas dimensões de apolínea e dionisíaca. Em todas as culturas antigas essas forças atuavam de forma integrada. Essa perspectiva de Nietzsche inspirou Sigmund Freud na criação da Teoria do Inconsciente e na terapia através da fala. Freud também percebeu no simbolismo dos mitos uma forma de entender a natureza humana, que é mistério até hoje.

[23] Segundo a definição que Nicola Abbagnano apresenta em seu “Dicionário da Filosofia”, a “vontade de potência”, no sentido empregado por Nietzsche, define-se como: um impulso fundamental que nada tem de causação racional: ‘A vida, como caso particular, aspira ao máximo sentimento de potência possível. Aspirar a outra coisa não é senão aspirar à potência. Essa vontade é sempre o que há de mais íntimo e profundo (…)’. (ABBAGNANO, 2000: 1009-10). A vontade de potência tende a impulsionar o homem a ser criativo. Leva-o a não se contentar como o que já foi alcançado, mas a ir sempre em direção ao novo. Este novo interpela-o a estar sempre em movimento, a caminho do objetivo a ser alcançado. Contudo, cada conquista do homem deve projetá-lo as novas buscas.

[24] O eterno retorno (também conhecido como eterna recorrência) é uma teoria de que o universo e toda a existência e energia estiveram recorrentes e continuarão a ocorrer, de forma autossemelhante um número infinito de vezes através do tempo ou espaço infinito, ou de que há um padrão cíclico de certas recorrências, como em eras na roda do tempo. A teoria é encontrada na filosofia indiana e no Egito antigo, bem como na literatura da sabedoria judaica (Eclesiastes) e foi posteriormente adotada pelos pitagóricos e estoicos. Com o declínio da antiguidade e a expansão do cristianismo, a teoria caiu em desuso no mundo ocidental, com exceção do filósofo do século XIX, Friedrich Nietzsche, que conectou o pensamento a muitos de seus outros conceitos, incluindo o amor fati. O eterno retorno se relaciona também à filosofia do pré-determinismo, na qual as pessoas são predestinadas a continuar repetindo os mesmos eventos repetidamente.

[25] Heráclito de Éfeso foi um dos principais filósofos pré-socráticos, por ter iniciado o pensamento dialético e defender que a natureza é composta por uma constante mudança. É classificado como partícipe da escola jônica apenas por sua localização geográfica e pela facilidade didática com que essa classificação permite entender seu pensamento. A obra do filósofo caracterizou-se por iniciar um movimento de ruptura na filosofia pré-socrática que, juntamente com as ideias dos eleatas, desembocaria nas filosofias socrática, platônica e aristotélica. Heráclito inaugura uma maneira de pensar o surgimento do Universo diferente da que fazia os jônicos e pitagóricos, pois, enquanto esses apresentavam uma unidade material como elemento originário de tudo, Heráclito depositou a sua especulação em um elemento (o fogo), por sua capacidade de movimentar, agitar e transformar as coisas. Segundo esse pensador, o mundo e a natureza são constantes movimentos. Tudo muda o tempo todo, e o fluxo perpétuo (movimento constante) é a principal característica da natureza.

[26] Também definiu esse conceito em sua obra. em alemão o termo é Ewige Wiederkunft. A “eterna recorrência” é central nos escritos de Friedrich Nietzsche. Como Heidegger aponta em suas palestras sobre Nietzsche, a primeira menção de Nietzsche à recorrência eterna, no aforismo 341 de “A Gaia Ciência”, apresenta esse conceito como uma questão hipotética, em vez de postulá-lo como um fato. Segundo Heidegger, é o ônus imposto pela questão da recorrência eterna – se uma tal coisa pode ou não ser verdade – que é tão significativo no pensamento moderno:  “A maneira como Nietzsche aqui padroniza a primeira comunicação do pensamento do ‘maior fardo’ [da recorrência eterna] deixa claro que esse ‘pensamento dos pensamentos’ é ao mesmo tempo ‘o pensamento mais oneroso’.” Esse pensamento também é observado em um fragmento póstumo. A origem dele é datada pelo próprio Nietzsche, através de fragmentos póstumos, a agosto de 1881, em Sils-Maria. Em Ecce Homo (1888), ele escreveu que pensava no eterno retorno como a “concepção fundamental” de “Assim Falou Zaratustra”.

[27] Vontade de Poder ou de Potência (no alemão: Der Wille zur Macht) seria, segundo Nietzsche a principal força motriz existente em cada elemento. Nisso, abrangiam-se humanos, animais e demais forças naturais. Para o alemão, essa força, nos seres humanos, poderia ser empregada a fim de conquistar realizações, ambições e maior esforço para as conquistas desejadas e expansão do ser. Vontade de Poder ou de Potência (no alemão: Der Wille zur Macht) seria, segundo Nietzsche a principal força motriz existente em cada elemento. Nisso, abrangiam-se humanos, animais e demais forças naturais.  A ideia mais importante ressaltada por Nietzsche neste capítulo é a conceituação de vida como “vontade de potência” no sentido de autossuperação. Ela é, neste ponto, o princípio pelo qual a vida se projeta para além de si mesma, pelo qual ela se auto-supera.

[28] Amor fati (do latim amor, nominativo singular de amor, óris: ‘amor a algo’ e fati genitivo singular de fatum, i, ‘destino’) é uma expressão latina que significa ‘amor ao destino’, ‘amor ao fado’. O amor fati é a fórmula do estoicismo para a grandeza humana. Vide o disse Marco Aurélio; “Aceite as coisas que o destino lhe traz, e ame as pessoas que o destino te aproxima, mas faça isso de todo seu coração”. Na prática, o amor fati significa uma mudança simples e rápida na forma como você enxerga a realidade.

[29] “Assim Falou Zaratustra” é construída na forma de um romance permeado de conceitos utilizados pelo autor em seus livros. É uma abordagem diferente: o personagem Zaratustra resolve sair de sua solidão, de sua caverna, e conhecer os homens, testemunhar a chegada do Super-homem. Nesse caminho, em especial nos sermões de Zaratustra, a teoria de Nietzsche é exposta.  A busca do Super-homem, termo que representa a quebra de valores correntes que moldam os indivíduos, a inflexão no comportamento dos homens, se libertando, em especial, da moralidade cristã, e passando a almejar glórias terrenas, desprovidas de senso de culpa ou de pecado, portanto, maior liberdade para agir, permeia toda a obra. Para atingir esse objetivo, um dos principais meios empregados é a coragem.

[30] Nascimento da tragédia: obra em que Nietzsche analisa a tragédia grega como o elemento máximo que a cultura ocidental teria atingido, justamente por valorizar a vida material como elemento superior, não depositando confiança em uma religião como o cristianismo, que nega a vida terrena e aposta na vida após a morte, a promessa da plenitude no paraíso.

[31] Para Nietzsche, nenhuma arte pode ser puramente apolínea (isto é, centrada na razão e na harmonia) nem puramente dionisíaca (isto é, centrada na desordem criativa e na embriaguez). A criação humana depende da articulação desses dois princípios, uma vez que o dionisíaco nos dá o princípio criativo e o apolíneo nos dá a ordem e a harmonia necessárias para a produção de algo belo. É a arte com suas forças de criação que nos faz plenamente humanos, pois ela nos dá a oportunidade de produzir nossa própria vida, construindo o que somos na medida em que vamos vivendo.

Segundo a mitologia grega, Apolo era filho de Zeus e Leto, e irmão gémeo de Ártemis (deusa da caça e da Lua). Representa a beleza, a perfeição, a harmonia, o equilíbrio e a razão. Protege os marinheiros, os pastores e os arqueiros, sendo ele próprio um excelente arqueiro, além de tocador de lira. Dioniso era filho de Zeus e da princesa Sêmele. Representa os ciclos vitais, o vinho, as festas, a loucura. O culto prestado a Dioniso em Atenas foi a origem do teatro grego.

[32] Assim falou Zaratustra: o professor Roberto Machado, estudioso brasileiro da obra de Nietzsche, classifica o livro como a tragédia nietzschiana. Nietzsche enxergava na tragédia o ponto máximo da cultura por ela fugir da racionalização, mas ele mesmo fazia suas obras por meio de textos demasiadamente racionalizados. Esse livro literário filosófico cria uma perspectiva diferente ao propiciar uma visão trágica do herói Zaratustra, que vive uma saga e propõe ensinamentos filosóficos com base em sua vida.

[33] A autossuperação é determinada como características definidora da vida. Também na Genealogia da moral encontramos a seguinte referência: “Todas as grandes coisas perecem por obra de si mesmas, por um ato de auto-supressão: assim quer a lei da vida, a da necessária auto-superação que há na essência da vida. Sabendo que a autossuperação pertence à essência da vida e, vislumbrando agora a existência de uma certa lei da vida, cabe-nos investigar em que consiste essa lei. Isto é, trata-se finalmente de procurarmos discernir como Nietzsche da maturidade compreende a noção da vida.

OBS: A imagem que ilustra esse artigo é uma fotografia do filósofo e sua mãe.