Função social da propriedade e proteção do meio ambiente

Há aparente conflito existente entre a liberdade econômica e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

E, uma das maiores inovações da Constituição Cidadã está na expressa previsão de direitos para as futuras gerações, posto que seja um dos principais objetivos da proteção do meio ambiente tida como princípio conformador da ordem econômica.

 

Realmente, o direito ao meio ambiente hígido também deve ser considerado em relação aos que nascerão no futuro, e que estão, assim como nós, protegidos em seus direitos fundamentais.

 

Reza a previsão constitucional vigente no artigo 225, caput, in litteris: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, (…) impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

 

A limitação dos recursos naturais, a sua lenta recuperabilidade no tempo, faz com que a preocupação com os direitos fundamentais das gerações futuras seja, aparentemente, contraposto à livre iniciativa e ao direito de propriedade.

 

Enfim, há sempre de se perscrutar, no estudo do direito de propriedade, se o seu uso causará danos às futuras gerações, especialmente em matéria ambiental.

 

A liberdade para empreender e a liberdade das presentes e futuras gerações de desfrutarem de um ambiente ecologicamente equilibrado estão unidas no modo de produção constitucionalmente apresentado e a análise de uma deve ter seu reflexo na outra, procurando uma compatibilização do exercício de ambas.

 

Em relação à propriedade imobiliária rural, que é um bem de produção, e, portanto, objeto de atenção de toda a ordem econômica, sabemos que é de alta relevância o aspecto ambiental, pois a defesa do meio ambiente é princípio da ordem econômica e requisito para o cumprimento da função social da propriedade rural[1], o que faz deduzir que qualquer atividade econômica, ainda que calcada na valorização do trabalho e da livre iniciativa, que são fundamentos da ordem econômica brasileira, deve também atender aos princípios constitucionais que regem essa mesma ordem, entre os quais figura a defesa do meio ambiente.

 

A proteção jurídica ao meio ambiente já estava presente mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. E, no âmbito internacional, o marco inicial da autonomia do Direito Ambiental é a Declaração de Estocolmo de 1972, resultante da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.

 

O referido instrumento apontou a necessidade de conservação, dos mais variados recursos naturais, tais como água, ar, solo, flora, fauna, em benefício de gerações presentes e futuras.

 

Porém, em nosso ordenamento jurídico somente na década de 1980, com a edição da Lei 6.938/1981, teve início a proteção pelo ambiental pelo direito positivo pátrio.

 

E, a referida lei estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, dispondo a respeito dos seus fins e mecanismos e aplicação tendo como finalidade compatibilizar o desenvolvimento econômico-social e a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

 

Infelizmente a conceituação e proteção do meio ambiente era incipiente e incompleta, principalmente por expor que o meio ambiente se referia ao aspecto natural deixando de tratar de aspectos jurídicos relevantes, que garantiriam a ampla efetiva proteção ambiental.

 

Mas, evidentemente, não se pode negar que já naquele momento houve grande progresso jurídico na proteção ambiental. E, realmente, como um dos instrumentos adotados pela Política Nacional do Meio Ambiente foi a avaliação de impactos ambientais (artigo 9, inciso III da Lei 6.938/81) que passou a exigir licença dos órgãos ambientais públicos responsáveis na hipótese de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras. Somente três por cento do total de licença ambiental são referentes aos agronegócios.

 

Nos regimes constitucionais modernos, como o português (1976), e espanhol (1978) e o brasileiro (1988), a proteção do meio ambiente, embora sem perder seus vínculos originais com a saúde humana, ganha identidade própria, porque é mais abrangente e compreensiva.

 

Nessa nova perspectiva, o meio ambiente deixa de ser considerado um bem jurídico per accidens (causal, por uma razão extrínseca) e é elevado à categoria de bem jurídico per se, vale dizer, dotado de um valor intrínseco e com autonomia em relação a outros bens protegidos pela ordem jurídica, como é o caso da saúde humana e de outros bens inerentes a pessoa.

 

De fato, a Carta Brasileira erigiu-o à categoria de um daqueles valores ideias da ordem social, dedicando-lhe, a par de uma constelação de regras esparsas, um capítulo próprio que, definitivamente, institucionalizou o direito ao ambiente sadio como um direito fundamental do indivíduo.

 

Apesar de que a Constituição Cidadã não estabeleceu o conteúdo do conceito de meio ambiente, determinando apenas a sua proteção, restando a árdua tarefa a cargo da doutrina e da jurisprudência e, ainda, da legislação infraconstitucional.

 

O preenchimento desse conteúdo é essencial pois implica na delimitação do próprio objeto de normas constitucionais que versam sobre a matéria, bem como do Direito Ambiental brasileiro de uma forma geral. A procura pela determinação desse conceito deve acatar os ditames constitucionais, que consagram a defesa desse bem como valor fundamental.

 

É óbvio que a opção do legislador constituinte originário foi propor uma conceituação em aberto não fora aleatória, pois visava fazer com que a atualização de tal conteúdo ocorresse sem que a Constituição tivesse de sofrer emendas, seguindo o natural processo de mutação constitucional.

 

Lembremos que as Constituições simplesmente refletem a compreensão da sociedade a respeito de um determinado tema e dentro de certo contexto histórico, posto que sejam produtos culturais de um povo.

 

Tais Constituições devem, necessariamente, guardar sintonia com a realidade, vinculando-se aos conflitos e valores sociais do seu tempo, sob pena de perder a eficácia e, em última análise, a própria razão de existir. Caminha também nessa direção a hermenêutica de integração da realidade ao processo de interpretação constitucional defendida por Peter Häberle, segundo o qual a aplicação dessas normas é uma construção coletiva e, por consequência, dinâmica.

 

Assim, por estar sujeito à mutação interpretativa, e às acrobacias hermenêuticas, a conceituação de meio ambiente deve ser preenchida da forma que mais se adapte às exigências sociais e que melhor concretize o desiderato constitucional de efetividade e de imprescindibilidade.

 

Nesse sentido, o conceito jurídico indeterminado é mais adequado para a complexidade de mudanças que podem ocorrer na área, principalmente, quando se cogita em crise ambiental, que é a generalização da escassez de recursos ambientais e das diversas catástrofes planetárias surgidas a partir das ações do ser humano sobre a natureza, no afã produtivo.

 

De fato, parece mesmo que a continuidade da raça humana e até do planeta está em xeque, expressivos são os problemas ambientais da atualidade, a exemplo do aquecimento global, do buraco da camada de ozônio, a falta de água potável, da perda da diversidade biológica e da falta de tratamento adequado aos resíduos.

 

Foi somente a partir de 1981, com a promulgação da Lei 6.938/81, a chamada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, ensaiou-se o primeiro passo em direção a um paradigma jurídico-econômico que holisticamente tratasse e não maltratasse a terra, seus arvoredos e os processos ecológicos essenciais a estes associados (fauna e flora).

 

Perfazendo um caminhar incerto e talvez insincero a princípio, em pleno regime militar, que ganhou velocidade com a democratização em 1985, e recebeu extraordinária aceitação na Constituição Federal brasileira de 1988.

 

A Constituição Cidadã atribuiu ao meio ambiente uma configuração jurídica diferenciada, ao classificá-lo como direito de todos e bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, atribuindo a esse bem um dimensionamento bem mais significativo.

 

Enquanto a mencionada definição legal se atinha a um ponto de vista biológico, físico ou químico, a nova ordem constitucional trouxe o ser humano para o centro da questão ambiental, ao apontá-lo simultaneamente como destinatário e implementador dessas determinações.

 

A comprovação disso é o capítulo que disciplina o assunto no texto constitucional está inserido no Título VIII, que dispõe sobre a ordem social. E, por se tratar de um direito fundamental da pessoa humana, é evidente que o desiderato constitucional instituiu uma proteção mais ampla e mais efetiva que possível, devendo igualmente tal conceituação do bem, ser igualmente mais ampla e tutelada.

 

Na intelecção de José Afonso da Silva[2], trata-se da interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.

 

Desta forma, a questão social também foi abrigada, de maneira que o paradigma holístico da defesa do meio ambiente contido na citada lei foi recepcionado e ampliado:

“Conforme se pode apreender do texto constitucional, o objeto de tutela do ambiente aponta para quatro direções ou dimensões distintas, mas necessariamente integradas. Assim, pode-se distribuir o bem jurídico ambiental em: a) ambiente natural ou físico, que contempla os recursos naturais de um modo geral, abrangendo a terra, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna e o patrimônio genético; b) ambiente cultural, que alberga o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e turístico; c) ambiente artificial ou criado, que compreende o espaço urbano construído, quer através de edificações, quer por intermédio de equipamentos públicos; e também d) ambiente do trabalho, que integra o ambiente onde as relações de trabalho são desempenhadas, tendo em conta o primado da vida e da dignidade do trabalhador em razão de situações de insalubridade e periculosidade (arts. 7º, XXII, XXIII e XXXIII; e 200, II e VIII, do texto constitucional de 1988) ”.

 

Afinal, o meio ambiente natural ou físico é constituído pelos recursos naturais que são invariavelmente encontrados em todo o planeta, ainda que em composição e em concentração diferente, e que podem ser considerados individualmente ou pela correlação recíproca de cada um desses elementos com os demais.

 

Os recursos naturais são normalmente divididos em elementos abióticos, que são aqueles sem vida, como o solo, subsolo, os recursos hídricos e, o ar, e em elementos bióticos que são aqueles que têm vida, a exemplo da fauna e da flora. Esse é o aspecto imediatamente ressaltado pelo citado inciso I do artigo 3º da Lei 6.938/81.

 

O meio ambiente artificial é o construído ou alterado pelo ser humano sendo constituído por edifícios urbanos, que são os espaços públicos fechados e pelos equipamentos comunitários, que são os espaços públicos abertos, como as ruas, as praças e áreas verdes.

 

Esse aspecto do meio ambiente abrange também a zona rural, referindo-se simplesmente aos espaços habitáveis, visto que nesta os espaços naturais também cedem lugar para se integrarem às edificações artificiais.

 

Entretanto, o enfoque do direito ao meio ambiente artificial, é, realmente as cidades, que é o espaço onde atualmente habita a maior parte da população brasileira e mundial, cabendo por isso ao Poder Público promover o acesso ao lazer, à infraestrutura urbana, à moradia, ao saneamento básico, aos serviços públicos e ao transporte.

 

É nesse contexto, a Constituição Cidadã estabeleceu o direito às cidades sustentáveis, o que deve ser feito por meio de uma política urbana apropriada e participativa, nos moldes do que determinam os artigos 182 e 183, o Estatuto da Cidade[3] (Lei 10.257/2001) e o Estatuto da Metrópole[4] (Lei 13.089/2015).

 

Também temos o meio ambiente cultural é o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico e se constitui tanto de bens de natureza material, a exemplo de construções, lugares, obras de arte, objetos e documentos de importância para a cultura, quanto imaterial, a exemplo de idiomas, danças, mitos, cultos religiosos e costumes de maneira em geral.

 

A razão dessa especial proteção é o que ser humano, ao interagir com o meio onde vive, independentemente de se tratar de uma região antropizada (habitável) ou não, atribui um valor especial a determinados locais ou bens, que passam a servir de referência à identidade de um povo ou até que toda a humanidade.

 

Aliás, o meio ambiente do trabalho é considerado também uma extensão do conceito de meio ambiente artificial, traduzido por ser o conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente laboral, como o local de trabalho, as ferramentas, as máquinas, os agentes químicos, biológicos e físicos e psicológico.

 

A Carta Magna reconheceu nos incisos XXII e XXIII do artigo 7º que as condições de trabalho têm uma relação direta com a saúde e, portanto, com a qualidade de vida do trabalhador, inclusive porque é no labor que a maioria dos seres humanos passa grande parte da existência.

 

O objetivo do legislador constituinte originário ao cunhar a terminologia “meio ambiente do trabalho” no inciso VIII do artigo 200 é enfatizar que a proteção ambiental trabalhista não deve se restringir às relações de caráter empregatício, pois a incolumidade e a salubridade do trabalhador também guardam relação com a questão ecológica, visto que grande parte das empresas que causam danos ambientais são normalmente aquelas que não zelam por esse aspecto do meio ambiente.

 

Uma parte da doutrina tem incluído como novo elemento nessa classificação o patrimônio genético, o qual deve compreender as informações de origem genética oriundas dos seres vivos de todas as espécies, seja animal, vegetal, microbiano ou fúngico.

 

Existe uma relação direta entre o patrimônio genético e a biodiversidade já que esta é o conjunto de vida existente no planeta ou em determinada parte do planeta e aquele uma gama de informações estratégicas relativas a tais seres vivos.

 

Lembremos que a integridade genética é valor plasmado no inciso II do parágrafo primeiro do artigo 225 da Constituição de 1988, impõe-se a maior cautela possível em relação à biotecnologia, que é o ramo da engenharia genética que se dedica à modificação genética dos organismos.

 

E tal dispositivo fora regulamentado pela Lei 11.105/2005 (Lei Biossegurança) que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados e seus derivados. Portanto, o patrimônio genético não deixa de ser subespécie, ou seja, um desdobramento do conceito de meio ambiente natural.

 

O meio ambiente pode ser classificado como microbem e como macrobem. Na condição de microbem, o meio ambiente é reduzido a um de seus elementos individuais, o que leva a enfatizar normalmente apenas o seu aspecto econômico ou estético, ao passo que na condição de macrobem qualquer componente do meio ambiente merece ser protegido apenas por fazer parte de um sistema em que todas as partes estão interconectadas.

 

No macrobem é o aspecto imaterial que se destaca, fazendo com que o meio ambiente seja protegido por seu valor intrínseco. A Constituição de 1988 estabeleceu o tratamento jurídico das partes a partir do todo e não o contrário, como acontecia com os ordenamentos constitucionais anteriores.

 

Isso implica afirmar que a concepção holística foi inteiramente recepcionada, passando o meio ambiente a ser tratado como um bem autônomo e indivisível, que compreende, embora não se confunda com os recursos naturais. Não é por outra razão a proteção aos processos ecológicos essenciais e ao manejo ecológico das espécies e ecossistemas prevista no inciso 1º, do parágrafo 1º, do artigo 225 da CF/1988.

 

Assim, uma compatibilização entre a livre iniciativa e a preservação ambiental deve obrigatoriamente passar pelo estudo sobre o direito de propriedade e sua função social, pois tais noções é que nos darão a exata conformação do conteúdo contemporâneo do direito de propriedade.

 

 

O direito de propriedade

 

A relevância do direito de propriedade ao longo da história e indiscutível para o desenvolvimento social. Desde as mais priscas eras, até os dias atuais, o direito de propriedade vem tendo destacada posição, que suplanta as fronteiras do mundo meramente jurídico, variando sua concepção conforme a época de que se trata.

 

Ainda num passado recente, o direito de propriedade oscilou da concepção absoluta, onde teve origens no Estado Liberal Clássico e a consagração legislativa no Código Civil francês (napoleônico) de 1804 até uma caracterização mais restrita desse direito, em que apenas as propriedades individuais sobre os bens de consumo eram permitidas, originadas nas constituições socialistas.

 

No mundo atual, o sistema capitalista e a propriedade privada, inclusive dos bens de produção, são plena e genericamente consagrados. Ocorre que o direito subjetivo que caracterizava a propriedade no Código Civil francês de 1804 e outras teorias opostas sobre a propriedade privada que não mais subsistem.

 

A tese de Duguit[5], no início do século XX, que afirmou ser a propriedade não mais um direito e, sim, uma função, negando a própria existência dos direitos subjetivos, não gerou uma aceitação pacífica.

 

 

As teorias comunistas ou socialistas também negaram a própria existência do direito de propriedade em relação aos bens de produção, também saem do cenário constitucional em que antes existiam, em quase todo o mundo.

 

Resta, ainda, a doutrina civilista tradicional e prevalente que considera o direito de propriedade ainda como um direito subjetivo, porém, cada vez mais submisso a limitações, que vêm a comprimir esse direito, sem afetar o seu caráter subjetivo.

 

Tal direito subjetivo de propriedade, contudo, não é mais caracterizado pela contraposição uso do bem (direito) versus abstenção geral (dever) entendendo-se que o conteúdo próprio do direito – seu conteúdo mínimo, sem o qual o direito se desnatura – é, hoje em dia, muito mais complexo do que essa regra simplória caracterizadora dos direitos subjetivos.

 

Daí, por que alguns autores cogitam que o direito de propriedade continua sendo um direito subjetivo, porém sem a nota característica de direito absoluto com que lhe dava o Estado Liberal, conforme ensina Ballarín Marcial[6]: “A propriedade, pois, segundo eu penso, continua como um direito subjetivo e não uma função (…). Mas a propriedade, se bem não seja uma função, tampouco é um direito absoluto. É um direito relativo. (…) É um direito, pois, a serviço de interesses harmonizados entre si, que transcende ao puramente individual”.

 

Por essa razão é que o direito subjetivo de propriedade previsto pelo Código Civil brasileiro mudou com a incidência das normas constitucionais.

 

O direito, em si, mudou sensivelmente, especialmente pela incidência do princípio da função social da propriedade, o que faz com que tal direito não seja mais caracterizado só pela liberdade de ação do proprietário, contraposta a um dever geral (erga omnes) de todos respeitarem a propriedade, que a caracteriza, mas também os deveres e obrigações a cargo do titular do direito de propriedade.

 

A função social da propriedade é estabelecida ao proprietário, pois além do poder de usar e dispor do bem, podendo reivindicá-lo de quem quer que injustamente o detenha, a obrigação de agir de determinada maneira, positivamente, a fim de cumprir a dita função social da propriedade, justificando e legitimando o próprio direito por meio desse comportamento.

 

A tônica da relatividade que o regime constitucional vigente imprime a todos os tipos de propriedade, pelo fato de, ao lado da garantia, impor-lhes limitações dimensionais negativas e obrigações de agir positivas, como as que se encontram no artigo182, e seus parágrafos.

 

Daí se definir contemporaneamente a propriedade como um direito (poder), mas também é uma função (dever), sendo este último aspecto o que estabelece o real conteúdo daquele direito.

 

Com extrema precisão a doutrina afirma que a o princípio da função social da propriedade se manifesta sobre a propriedade de três formas essenciais, a saber:

  1. privando determinadas faculdades do domínio, como no caso da instituição de espaços de preservação ambiental, que não poderão ser utilizados pelo proprietário ou terão sua utilização limitada;
  2. Criando condições para que o proprietário possa exercer o seu direito, como por exemplo, quando a Constituição vincula o cumprimento da função social da propriedade rural ao aproveitamento racional e adequado (artigo 186);
  3. obrigando o proprietário a agir positivamente, conforme indica o artigo 182, quarto parágrafo da CF, que obriga o proprietário do imóvel urbano a utilizá-lo e aproveitá-lo sob pena das sanções enumeradas nos incisos I a III do referido parágrafo.

 

Em qualquer caso, é importante notar que a função social é um princípio que age dentro do próprio conteúdo do direito de propriedade, razão pela qual não pode ser confundida com as limitações externas ao direito de propriedade que são restrições posteriores à constituição do direito, como por exemplo, a instituição de servidões por parte do Poder Público.

 

Por essa razão, é pertinente a lição de José Afonso da Silva, in verbis:

“ (A função social) constitui o fundamento do regime jurídico da propriedade, não de limitações, obrigações e ônus que podem apoiar- se – e sempre se apoiaram – em outros títulos de intervenção, como a ordem pública ou a atividade de polícia. A função social (…) introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo, constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição desse direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre seu próprio conteúdo”.

 

É a função social, enfim, o princípio que se manifesta na estrutura do direito de propriedade, de que decorre que as interferências causadas na propriedade pelo princípio da função social são algo absolutamente diverso dos seus limites externos, pois são “limitações” que surgem com o próprio direito, sendo-lhe intrínsecas e contemporâneas”.

 

A guisa de explicação didática, esclarecemos sobre as limitações ao direito de propriedade existentes em nossa legislação cível pátria.

 

As restrições administrativas são contenções do uso e gozo de bens particulares em benefício da coletividade e do interesse público, recordando o poder de polícia (o qual incide sobre bens, direitos e atividades do particular).

 

Como exemplos, temos: A proibição de demolição ou modificação tidas como monumentos históricos, sendo o processo de Tombamento[7] o instrumento utilizado para proteger bens móveis e imóveis com valor histórico cultural; as normas condizentes ao abastecimento e aos preços em tabela, com base no interesse da economia popular; as disposições do Código de Mineração e do Código Florestal, sobre ocupação de terrenos vizinhos às jazidas e sobre imunidade de certas árvores ao corte, respectivamente;

 

As previsões do Decreto Lei n. 3240/41 para sequestro de bens das pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública;

 

A Lei n. 4737/65 (nosso Código Eleitoral) prevê, em seu art. 135, §3º, a possibilidade do Poder Público requisitar propriedades particulares, que devem ser cedidas obrigatórias e gratuitamente para o funcionamento das mesas receptoras, nos dias de eleição, e, posteriormente à ocupação, caso sejam apurados danos, estes serão devidamente reparados em dinheiro.

 

Estas limitações objetivam tanto extinguir, de forma gradual, as formas de ocupação da terra que sejam contrárias à sua função social, como também objetivam estabelecer normas a respeito da sua alienação, sujeitando-a à aprovação do INCRA.

 

Alguns exemplos destas limitações: O art. 61 do Estatuto da Terra dispõe que a área que se pretende vender deve estar dentro da planificação do INCRA;

 

A Constituição Federal vigente, em seu art. 190, dispõe que a aquisição de propriedade rural por estrangeiro será regulamentada por lei, que estabelecerá os casos em que dependerá de autorização do Congresso Nacional; O art. 1239 do Código Civil contempla a aquisição do imóvel particular rural por meio da usucapião pro labore[8];

 

Boa parte destas limitações é da modalidade Requisição, ou seja, utilização de bens e serviços na satisfação do interesse público. São mais presentes nos casos de Estado de Exceção (Estado de Sítio e de Defesa), porém podem ocorrer também em tempos de paz e ordem.

 

Como exemplos, temos:  A requisição de móveis ou imóveis necessários às Forças Armadas e à defesa do povo, nos termos do Decreto-lei n. 4812/42 modificado pelo Decreto-lei n. 5451/43; Restrições às transações sobre imóveis particulares sobre a faixa de 150 km ao longo da fronteira do território nacional. As disposições das Leis n. 6634/79 e 5130/66, sobre as zonas indispensáveis à defesa do país;

 

Restrições baseadas no direito privado:  Do direito de vizinhança – É um conjunto de regras que ordenam não apenas a abstenção da prática de certos atos (exemplo: proibição de uso do bem de modo a prejudicar a saúde, sossego ou segurança do vizinho; proibição de abrir janela, eirado ou terraço a menos de 1,5m do prédio vizinho), como também de outras que implicam a sujeição do proprietário (ou possuidor) a uma invasão de sua órbita dominial (exemplo: dar passagem; receber as águas que fluem naturalmente do prédio que lhe seja superior)

 

Do uso anormal da propriedade -. Há basicamente três espécies de atos que caracterizam o mau uso da propriedade: são os atos ilegais, os abusivos e os lesivos. Os primeiros dizem respeito à quebra de preceitos legais, ou seja, atos ilícitos, como lançar lixo no terreno do vizinho, atear fogo à sua propriedade. O agente ativo é sujeitado ao art. 186 do CC, que preceitua a indenização dos prejuízos.

 

Os segundos dizem respeito a atos lícitos, porém que se caracterizam por abuso do direito, levando incômodo, desconforto e podendo até acarretar falta de segurança e salubridade ao vizinho, encaixando-se no art. 187 do CC, que preceitua ser também ato ilícito, passível de indenização.

 

Os últimos são lícitos e regulares, ou seja, não são abusivos, porém acabam por causar transtornos e danos ao vizinho, como, por exemplo, a utilização de uma estação rodoviária em uma área residencial. Mesmo não sendo atos ilícitos nem abusivos, podem ser objeto de reclamações, cabendo ao juiz avaliar a gravidade do incômodo para proferir a decisão mais acertada a cada caso.

 

Das árvores limítrofes – A legislação vigente prevê três situações que podem ocorrer sobre a matéria: quando a (s) árvore (s) situa (m)-se na divisa entre os prédios (“árvore-meia”); quando o prédio confinante é invadido por raízes e ramos da árvore (ou árvores) nascida em prédio vizinho; quando os frutos da árvore do prédio vizinho tombam no terreno confinante.

 

Da passagem forçada –  A passagem forçada tem íntima relação com a questão dos prédios encravados, que no dizer de Silvio Rodrigues são aqueles “sem saída para via pública, fonte ou porto”, pelo que seu proprietário é agraciado com a prerrogativa de passar por ele, conforme suas necessidades e mediante indenização ao vizinho que conceder a passagem, nos termos do art. 1285 do CC.

 

Via de lógica, uma vez cessada a necessidade de utilização do imóvel de outrem para alcançar fonte, porto ou via pública, cessa também a passagem forçada.

 

Das águas – Sobre a matéria, é importante observar dois pontos, contidos no art. 1288 do CC: de um lado, o dono ou possuidor de prédio inferior tem o dever de receber as águas que correm naturalmente do superior; de outro, é proibido ao dono ou possuidor do prédio inferior realizar obras que dificultem o fluxo das águas ou que agravem a condição do prédio inferior.

 

 

Dos limites entre prédios –  Estes limites são impostos por três motivos: para a paz social, para o exercício do poder de polícia do Estado e para a tributação. Diz respeito à demarcação do espaço dos prédios de propriedade particular, para evitar invasões recíprocas e solucionar conflitos de vizinhanças.

 

Esta demarcação, quando efetuada judicialmente, obedece alguns critérios para seu estabelecimento: o exame dos títulos dominiais apresentados pelas partes; caso estes não permitam um resultado prático, passa o julgador então ao critério da posse; se esta, também for incompleta, o juiz dividirá o terreno em partes iguais entre os prédios, nos termos do art. 1298 do CC, ou adjudicará a um deles, indenizando o proprietário prejudicado.

 

Direito de tapagem – Está regulado pelo art. 1297 do CC, permitindo ao proprietário cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio, para proteger a exclusividade do seu domínio sem danos aos vizinhos.

 

As despesas de construção, manutenção e conservação obrigações propter rem, só sendo estas despesas concorrentes entre os vizinhos se forem comuns, ou seja, não tiverem partido da iniciativa de apenas um. O tapume especial, para impedir passagem de animais de pequeno porte, é obrigação dos proprietários e detentores destes animais, que devem arcar sozinhos com as despesas de sua construção.

 

Direito de construir – A ideia central desse direito é que os vizinhos estão ligados a uma obrigação legal de não se causarem, reciprocamente, qualquer prejuízo no ato de construir em suas propriedades, sendo assegurado o direito a pleitear a devida indenização pelos danos causados junto ao beneficiado da obra, que poderá, conforme entendimento jurisprudencial, entrar com ação regressiva junto ao empreiteiro.

 

Uma vez infringidos os dispositivos sobre direito de construir, ou os regulamentos urbanísticos administrativos sobre a matéria, o infrator tem o dever demolir as construções feitas bem como indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 1312 do CC.

 

A função social da propriedade como princípio resta positivado na Constituição Federal brasileira de 1988 em diversas passagens, a saber, no artigo 5º que se refere às propriedades em geral, posto que inserido no capítulo dos direitos e garantias individuais.

 

Adiante, no artigo 170 CF/1988, se refere a função social dos bens de produção, princípio que é ordenador da ordem econômica nacional.

 

Não obstante a percepção de que o delineamento final do direito de propriedade é dado pela legislação infraconstitucional, não há como deixar de notar que, especificamente quanto à propriedade rural, a própria Constituição vigente já lhe fornece os traços definidores e definitivos, ao estabelecer no artigo 186 as condições para o exercício desse direito.

 

Trata-se, portanto, de propriedade sobre o bem de produção, propriedade privada submetida à função social, conforme o artigo 170, incisos II e III da CF/1988 vigente, cujo descumprimento acarreta principalmente a sanção de desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária, prevista no artigo 184 do texto constitucional.

 

Os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade rural são, a saber: a produtividade, a preservação do meio ambiente, a observância de legislações trabalhistas e sociais e exploração que favoreça o bem-estar de proprietários e trabalhadores.

 

Contudo, existe ainda, expressa ressalva à desapropriação-sanção[9] presente no artigo 185 do texto constitucional vigente, com relação as propriedades produtivas. Enfim, os dispositivos constitucionais cristalizam o entendimento segundo o qual a única forma de aproveitamento do imóvel rural é a sua exploração econômica integral, deturpando o conceito de rural como bem de produção vinculado a uma função social e trazendo com isso, reflexos do mesmo jaez para a legislação infraconstitucional.

 

É o caso, por exemplo, da Lei 8.629/1993 que regulamentou a função social da propriedade rural, reafirmando o disposto no artigo 185, só os imóveis improdutivos serão objeto de desapropriação[10] para fins de reforma agrária.

 

Esse entendimento equivocado, de imóvel rural desvinculado dos demais aspectos da função social, consta também em outro trecho da Constituição no artigo 153, quarto parágrafo quando também se conceituou o imóvel rural beneficiado pelo ordenamento jurídico como aquele meramente produtivo, na medida em que vincula esse aspecto (produtividade) à progressividade extrafiscal do imposto territorial rural.

 

Os exemplos citados são condenáveis, na medida em que consolidam uma mentalidade exploratória econômica do imóvel rural, relegando a um segundo plano os demais aspectos da função social desse tipo de propriedade, ou seja, o aspecto da legislação social, a do bem-estar tanto dos proprietários como dos trabalhadores e ainda a proteção ao meio ambiente.

 

Aliás, a proteção ao meio ambiente deve ser entendida como elemento conformador do perfil contemporâneo do direito de propriedade.

 

Além do caráter meramente econômico da propriedade imobiliária rural, estabelecido sob o signo da produtividade, a CF também prevê que a função social do imóvel rural só será cumprida quando houver a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (art. 186, III).

 

É fácil observar a coerência da vigente Constituição brasileira e a consequente relevância da vinculação da função social à proteção do meio ambiente, na medida em que este é direito das presentes e futuras gerações, vinculado ao direito à vida, o que explica porque a defesa do meio ambiente também é princípio conformador da ordem econômica (art. 170, VI).

 

Nesse sentido, o texto constitucional expressou o que antes vinha implícito, ampliando a noção de função social da propriedade, quando a coloca também como fundamento do direito de propriedade no Brasil.

 

Assim, entre os comportamentos impostos ao proprietário de imóveis rurais e as imposições restritivas de faculdades do domínio, estão aqueles relativos à proteção ambiental, naquilo que já se consagrou a chamar de função socioambiental da propriedade.

 

Convém assinalar que a Constituição Cidadã só veio explicitar o que já jazia sobre a função social da propriedade e era prevista na Constituição brasileira de 1967, em seu artigo 157, III e, posteriormente, o artigo 160, III, na Emenda n.1 de 1969.

 

Mas, no que tange ao conteúdo específico desse aspecto do direito de propriedade que é fornecido pela legislação ordinária, cabe lembrar que o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) já trazia, há mais de cinquenta e quatro anos, a previsão in litteris:

Art.2. Primeiro parágrafo: A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: (…) c) assegura a conservação dos recursos naturais.

 

O Código Florestal (Lei 4.771/1965), atualmente a Lei 12.651/2012 também contém a previsão de interferência no direito de propriedade por motivos ambientais, mediante a instituição de espaços a serem protegidos em maior ou menor grau, tendo por fim a preservação do meio ambiente.

 

Além disso, as relevantes definições tal como meio ambiente, degradação da qualidade ambiental, poluição, poluidor e, etc., já existem desde a Lei 6.938/81.

 

Por sua vez, a Lei 12. 651/2012 prevê em seu primeiro artigo in litteris:

Art. 1º- A.  Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

Parágrafo único.  Tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, esta Lei atenderá aos seguintes princípios (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

I – Afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

II -reafirmação da importância da função estratégica da atividade agropecuária e do papel das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia;(Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

III -ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas, consagrando o compromisso do País com a compatibilização e harmonização entre o uso produtivo da terra e a preservação da água, do solo e da vegetação; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

IV -responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais;(Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

V – Fomento à pesquisa científica e tecnológica na busca da inovação para o uso sustentável do solo e da água, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa;(Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

VI – criação e mobilização de incentivos econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas[11] sustentáveis. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).

 

Concluímos, portanto, que os instrumentos para a efetiva proteção ambiental vinculada à noção de direito de propriedade que cumpre uma função social já existiam antes mesmo da CF de 1988 e, não podemos concordar com aqueles que afirmam que o vigente texto constitucional trouxe uma verdadeira reciclagem no instituto da função social, tornando seu conteúdo mais amplo e com objetivos de caráter ambiental.

 

Enxerga-se que a propriedade rural, já há algum tempo, vem sendo definida pelo ordenamento jurídico de modo a que sua utilização econômica se dê em consonância com o meio ambiente, o que veio a se tornar definitivamente explícito e incontroverso na CF de 1988.

 

E, mais recentemente na Lei 8.629/93 definiu a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, afastando, inclusive, do conceito de áreas aproveitáveis em um imóvel rural aquelas de efetiva preservação permanente e as demais áreas protegidas pela legislação ambiental.

 

Portanto a relevância do conceito de função socioambiental da propriedade rural se manifestou, particularmente, na percepção de que a interferência no direito de propriedade, quando proveniente da função social, posto que é a própria configuração desse direito.

 

Por isso, quando o Poder Público interfere na propriedade rural, estabelecendo espaços a serem ambientalmente protegidos, não se está, via de regra, diante de limitações ao direito de propriedade, tampouco, diante de desapropriações de fato ou indiretas, não ensejando qualquer indenização ao proprietário.

 

A interferência na propriedade imobiliária rural por motivos ambientais é possível, de sorte que a CF nos fornece a conformação geral do direito de propriedade, mas que este é ainda delimitado pela legislação infraconstitucional, tendo enumerado, inclusive, exemplos desta.

 

De outra forma, não poderia ser pois quanto mais próxima da base da pirâmide normativa e, mais especificamente, será a norma, tornando assim o direito concreto e completamente exigível.

 

Por essa razão que a função socioambiental da propriedade rural tem um conteúdo amplo na CF, especialmente presente nos artigos 5,170, 186 e 225, e um conteúdo específico, fornecido pela legislação.

 

Realmente, as leis ambientais estabeleceram em várias áreas a serem especialmente protegidas nos imóveis rurais, o que, geralmente em regra é dever do Poder Público, conforme acentua o texto constitucional vigente.

 

Entre tais áreas, destacam-se as de preservação permanente e as de reserva legal, que por sua incidência mais geral merecem um estudo mais detalhado, que verifique a concreta operacionalização do direito de propriedade diante dessas incidências.

 

As áreas ou florestas de preservação permanente são espaços territoriais protegidos e definidos no Código Florestal.

 

No Código Florestal brasileiro de 2012 pouca coisa mudou em termos gerais e estruturais, mas a lei permitiu ajustes pontuais para haver melhor adequação da situação de fato à situação de direito pretendida pela legislação ambiental.

 

A proteção do meio ambiente natural continua sendo mesmo uma obrigação do proprietário mediante a manutenção de espaços protegidos de propriedade privada, divididos entre Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL).

 

A principal novidade reside, em verdade, na implementação e na fiscalização de tais espaços, doravante sujeitos ao Cadastro Ambiental Rural (CAR).

 

As áreas de preservação permanente são aquelas que devem ser mantidas intactas pelo proprietário ou possuidor de imóvel rural, independentemente de qualquer outra providência ou condição em virtude da sua natural função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-esta das populações humanas, vide o artigo 3, II da Lei 12.561/2012.

 

Não houve grandes alterações do que eram as APPs sob a égide da Lei nº 4.771 e o que determina a Lei 12.561/12.  Apenas algumas situações ficaram mais claras, tais como:

  1. a) ficou expressamente previsto que somente devem ser protegidas como APPs as faixas marginais dos cursos d’água naturais, eliminando a dúvida quanto aos regos e canais artificiais;
  2. b) a medição das faixas marginais de apps passou a ser da borda da calha do leito regular dos cursos d’água, deixando de ser a partir do nível mais alto em faixa marginal, como acontecia sob a égide da antiga lei, o que dificultava muito a sua delimitação;
  3. c) a situação dos lagos e lagoas naturais passou a ser expressamente definida por lei, o que não acontecia, ficando claro que, quanto aos reservatórios artificiais prevalece o disposto no respectivo licenciamento ambiental, que continua obrigatório para qualquer intervenção em curso d’água.
  4. d) importante mencionar o disposto no Art. 62, com disposição expressa quanto aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público estabelecidos antes de 2001, cuja área de preservação permanente se estabeleceu na distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum e que deverá servir regularizar muitas propriedades prejudicadas com a Resolução 302 do CONAMA.

 

A Medida Provisória[12](Medida Provisória nº 571, de 2012) é elogiável ao esclarecer que a as áreas de preservação permanente em Veredas é a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado.

 

Para os efeitos da aplicação da legislação pertinente, os cursos d’água são classificados como: Perenes: Possuem, naturalmente, escoamento superficial durante todo o ano; Intermitentes: Naturalmente, não apresentam escoamento superficial durante todo o ano; Efêmeros: Possuem escoamento superficial apenas durante, ou imediatamente após períodos de precipitação.

 

As faixas marginais consideradas como Áreas de Preservação Permanente variam de acordo com a largura do curso d’água, medida a partir da borda da calha de seu leito regular.

 

Para efeito da aplicação da legislação pertinente, é considerado: Nascente: Afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água; Olho d’água: Afloramento natural do lençol freático mesmo que intermitente.

 

São consideradas Áreas de Preservação Permanente o entorno de lagos e lagoas naturais, localizados na zona rural, com largura mínima de: 50 metros para corpos d’água com superfície inferior a 20ha; 100 metros para corpos d’água com superfície superior a 20ha.

 

São consideradas Áreas de Preservação Permanente, o entorno de lagos e lagoas naturais, localizados em zona urbana, com largura mínima de 30 metros, independentemente do tamanho da superfície[13].

 

Sem prejuízo de serem áreas de preservação permanente as encostas, com declividade maior que 45°, foram declaradas de uso restrito, não passíveis de supressão da vegetação natural, as áreas com declividade entre 25° e 45º, garantida a manutenção das atividades atualmente existentes, bem como da infraestrutura instalada (Art. 11 da Lei 12.651/12).

 

Além das mencionadas APPs hídricas, de aplicação certamente generalizada, mantiveram-se, com alguns esclarecimentos, a proteção das encostas, dos topos de morros, restingas, manguezais, bordas de tabuleiros e chapadas e de altitude superior a 1800 metros.

 

As áreas de Reserva Legal[14] também continuam seguindo a mesma lógica daquela da Lei de 1.965, alterada pela Medida Provisória 2.166/01.

 

Ou seja, se traduz na obrigação legal do proprietário de preservar uma área de floresta nativa equivalente a um percentual da sua área total, variável de 20% a 80%, conforme a localização e o bioma.

 

Assim, se o imóvel for localizado na Amazônia Legal (estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão a oeste do meridiano de 44º de longitude oeste), o percentual de vegetação nativa de responsabilidade do proprietário será de 80% (oitenta por cento) da área situada em região de florestas; b) 35% (trinta e cinco por cento) da área situada em região de cerrado; e c) 20% (vinte por cento) da área situada em região de campos gerais.

 

Se o imóvel for localizado em qualquer outra região do país, o proprietário será responsável pela proteção de vegetação nativa em área correspondente a 20% da área total do seu imóvel.

 

Ficou, por conseguinte, definitivamente superada a concepção inicial do Código Florestal de 1965, de que a Reserva Legal era um limite para o desmatamento lícito. Agora, trata-se, claramente de um ônus inerente ao exercício da propriedade, cuja responsabilidade é propter rem, acompanha a coisa, independentemente do vínculo pessoal.

 

Quanto à Reserva Legal, a única novidade que entendemos ser relevante é a possibilidade do cômputo da APP na reserva legal.

 

Esse benefício, que poderá ser muito útil à regularização de imóveis rurais, está, no entanto, limitado às hipóteses em que: a) o cômputo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; b) a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação; e c) o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

 

A Reserva Legal continua sendo passível de exploração limitada, mediante manejo sustentável, sendo que sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis não será obrigatória a partir da sua declaração e inclusão no CAR Cadastro Ambiental Rural.

 

Cadastro Ambiental Rural é a principal novidade do Código Florestal brasileiro de 2012 sendo de inscrição obrigatória para todos os proprietários rurais, sendo um novo registro público, onde deverão ser inscritas as propriedades, com seu perímetro identificado e delimitado com coordenadas geográficas, assim como todos os espaços protegidos no interior do imóvel, especialmente APPs e Reserva Legal.

 

Conforme planejado, o Cadastro deterá não apenas o perímetro de imóveis georreferenciado, mas também a delimitação geográfica das áreas do interior das propriedades, cujo acompanhamento e fiscalização poderá passar a ser feito por imagens de satélite.

 

Convém sublinhar que a efetividade do cadastro, porém, dependerá da capacidade do poder Público em implementar essa ferramenta e garantir que sua abrangência seja generalizada, em todo o território nacional. Ainda não se sabe realmente como se dará a integração do CAR com os diversos outros cadastros existentes, a que já estão sujeitos os proprietários rurais.

 

Sobre a relativização da Lei no Tempo, é princípio fundamental de direito, previsto no Art. 5º, XXVI, da Constituição Federal do Brasil, que a Lei nova não afetará o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.

 

Não obstante essa determinação fixou-se no Superior Tribunal de Justiça entendimento de que não há direito adquirido contra o meio ambiente (grifo meu), especialmente para que se pudesse condenar proprietários rurais que desmataram legalmente suas propriedades a recompor áreas de florestas nativas em tamanho equivalente ao que seriam suas reservas legais.

 

A reversão, de lege ferenda, dessa corrente doutrinária e jurisprudencial é uma das mais importantes inovações da Lei nº 12.651/12.

 

Com efeito, o art. 68 dispôs expressamente que: Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei.

 

Em termos estruturantes, esse dispositivo traz certamente novo ares ao Direito Ambiental brasileiro, impedindo que as disposições em prol do meio ambiente possam sobrepujar às garantias individuais e ao direito de propriedade indistintamente, como havia quem defendesse.

 

Unidade de medida agrária criada pela Lei 6.746/79, para fins de cálculo do Imposto Territorial Rural (ITR). A extensão é definida pelo INCRA, por Instrução Especial, para cada Município. Pode variar de 05 (cinco) a 110 (cento e dez) hectares.

 

Jamais foi objeto de utilização direta pela legislação ambiental, até o advento da Lei n° 12.651/12. O tamanho da propriedade rural em módulos fiscais não possui qualquer relação direta com os institutos que passou a regulamentar.

 

A Lei n° 12.651/12 dá diversos tratamentos diferenciados conforme o tamanho da propriedade rural em módulos fiscais, sem qualquer preocupação com a condição social do proprietário ou com a possibilidade de desmembramento dos imóveis. O parágrafo único do art. 3° equipara qualquer propriedade com até 04 (quatro) módulos fiscais que desenvolva atividades agrossilvipastoris à pequena posse ou propriedade rural familiar.

 

A utilização do módulo fiscal como parâmetro para tratamento diferenciado para recuperação de áreas de preservação permanente e de reservas legais causará uma enorme insegurança jurídica, pois a política ambiental brasileira ficará condicionada a um ato normativo infralegal do Presidente do INCRA. Não há disposições esclarecedoras sobre casos de alteração superveniente do tamanho dos módulos fiscais.

 

A equiparação indistinta também pode repercutir no próprio crédito agrícola, gerando uma interpretação analógica completamente descabida de que qualquer proprietário ou possuidor rural que detenha até 04 (quatro) módulos fiscais e que jamais foi agricultor familiar ou pertenceu a comunidades tradicionais poderia, por equiparação, pleitear os recursos financeiros destinados a este seguimento, agravando a já combalida política creditícia rural.

 

O esvaziamento econômico da propriedade rural pode ocorrer, mas não mais subsiste, ante as imposições estatais que visam à proteção do meio ambiente. São casos em que a propriedade é restringida em sua integridade, cabendo indenização por desapropriação indireta. E, nesses casos, inviabilizado o uso econômico da propriedade, há que ser transferido o domínio do bem para o Estado.

 

Esclarece Antonio Herman V. Benjamin[15] que não cabe qualquer indenização quando o Poder Público, procedendo em conformidade com o suporte constitucional da função socioambiental, regrar a forma de uso, privilegiar, ou mesmo interditar, usar em detrimento de outras.

 

Outra possibilidade de interferência no direito de propriedade por motivos ambientais seria a desapropriação direta, pelo Poder Público Federal, para fins de reforma agrária, das propriedades rurais que não cumprissem a sua função social, com indenização em títulos da dívida agrária, de acordo com a previsão do art. 184 da Constituição Federal. Trata-se aqui de típica desapropriação-sanção, a punir aqueles que não fazem cumprir a função social de suas propriedades.

 

A Constituição caracteriza a função social da propriedade imobiliária rural por meio do cumprimento simultâneo dos requisitos de produtividade, preservação do meio ambiente, respeito aos direitos trabalhistas e contratuais e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

 

O artigo 185, inciso II, da Constituição prevê que a propriedade produtiva[16] não é suscetível de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Os critérios para a auferição da produtividade vêm previstos na Lei nº 8.629/93, consistindo basicamente em dois índices – o grau de utilização da terra e o grau de eficiência da exploração – a serem calculados em cada caso concreto.

 

Da leitura dos referidos dispositivos constitucionais chega-se à seguinte perplexidade, resumida na indagação: é possível haver propriedades rurais que não cumpram a função social – por agressão ao meio ambiente, por exemplo. – e, contudo, não possam sofrer a sanção constitucional típica para tal comportamento, a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária?

 

Domingos Sávio Dresch da Silveira questiona: “Aparente contradição surge quando verificamos que o inciso II do artigo 185 da Constituição Federal exclui da desapropriação para fins de reforma agrária a denominada desapropriação-sanção, a propriedade produtiva.

 

Tal previsão, se interpretada isoladamente, nos conduziria à curiosa situação da impossibilidade de ser desapropriado o imóvel rural que houvesse se tornado produtivo em razão da derrubada indiscriminada de significativa extensão da mata atlântica (ofensa ao elemento ecológico) e com a utilização de trabalho infantil escravo (ofensa ao elemento social)

 

A questão suscita dúvidas em boa parte da doutrina, concluindo a maioria que o art. 185, II, é uma exceção constitucional à norma constante no art. 184. Ocorre que tal entendimento simplifica a questão, fazendo tabula rasa do art. 186 e, consequentemente, do art. 170, III, da Constituição, em total desprezo à noção de função social da propriedade, já que apenas faz a subsunção desapropriação – exceção à desapropriação.

 

Alguns outros entendem que o termo “propriedade produtiva”, citado pelo art. 185 como insuscetível de desapropriação, quer dizer na verdade “propriedade produtiva”[17] que cumpra sua função social”.

 

Em outras palavras, a propriedade produtiva só seria insuscetível de sofrer a desapropriação-sanção se, também e ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente e observar as disposições que regulam as relações de trabalho, tendo exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

 

Essa opinião, embora aparentemente adequada, pois pondera o princípio da função social, leva-nos a concluir pela inutilidade do artigo 185, II, da Constituição, pois o mesmo conteria um truísmo: a não-possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade que cumpra sua função social é a própria interpretação a contrario sensu do art. 184 do texto constitucional brasileiro.

 

A posição que nos parece mais acertada é a defendida por José Afonso da Silva. Diz esse autor que o Estado tem um poder geral de desapropriação previsto no art. 5º da Constituição e que o artigo 184 prevê uma forma especial de desapropriação para fins de reforma agrária, já que a indenização é paga em títulos da dívida pública.

 

Por essa razão, conclui o autor que “(…) o art. 185 contém uma exceção[18] à desapropriação especial autorizada no art. 184, não ao poder geral de desapropriação por interesse social do art. 5º, XXIV.

 

Quer dizer, desde que se pague a indenização nos termos do art. 5º, XXIV (em dinheiro), qualquer imóvel rural pode ser desapropriado, por interesse social, para fins de reforma agrária e melhor distribuição da propriedade fundiária.

 

Portanto, entendemos que, além das desapropriações outras, algumas decorrentes da instituição de espaços ambientais especialmente protegidos, também pode o imóvel rural ser desapropriado para fins de reforma agrária, pelo não-cumprimento da função social, com fundamento nos arts. 5º 184 e 186 da Constituição.

 

Saliente-se o que já foi aventado acima, quando se cogitou da reserva florestal legal: após desapropriado, o imóvel, agora público, mas utilizado por particulares, deverá continuar a obedecer aos espaços protegidos.

 

Em função da despatrimonialização e repersonalização do Direito Civil, a tutela das situações patrimoniais deixou de estar no centro das preocupações jurídicas, pois, a partir de uma visão constitucionalizada do Direito Privado, a primazia passou para as situações não-patrimoniais, buscando-se dar efetividade aos princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social.

 

A constitucionalização dos pilares do Direito Civil, entre eles a propriedade, acarretou uma mudança paradigmática (grifo meu) deste instituto. Antes vista como direito subjetivo absoluto, a propriedade passou a traduzir uma relação ente sujeito e bem, que só se justifica como instrumento de viabilização de valores fundamentais e só recebe a tutela jurídica quando atendida sua função social.

 

Como princípio constitucional que é, a função social ocupa espaço na hermenêutica jurídica, desempenhando funções de interpretação, integração, direção, limitação e prescrição – não só nos casos em que a propriedade está diretamente vinculada à causa – devendo esta ser resolvida em favor da situação que melhor atenda à função social (grifo meu), mas naquelas demandas em que o interesse social deve prevalecer, como em se tratando de habitação, urbanismo e preservação do meio ambiente.

 

 

 

Referências:

BALLARÍN MARCIAL, Alberto. O Papel do Direito Agrário e Modernização da Agricultura. Pelotas: Educat, 2010.

DA SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch. Direito Agrário em Debate, O. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro, v. 04 – Direito das coisas. 20ª ed. rev. e atual. de acordo com o Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002 – São Paulo: Saraiva, 2004.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil, v. 5. Direito das coisas. 27ª ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406 de 10-1-2002) – São Paulo: Saraiva, 2002.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. vol. 5. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004) – São Paulo: Malheiros, 2005.

­­­­­__________________. Curso de Direito Constitucional. 40ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016.

_____________________. Aplicabilidade Das Normas Constitucionais. 8ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 8ª edição. São Paulo: Método, 2018; Rio de Janeiro: Forense, 2018.

TEPEDINO, Gustavo (Coordenador). O Código Civil na Perspectiva Civil-Constitucional. Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar,2013.

 

[1] Da leitura dos citados dispositivos constitucionais chega-se à seguinte perplexidade, resumida na indagação: é possível haver propriedades rurais que não cumpram a função social – por agressão ao meio ambiente, por exemplo e, contudo, não possam sofrer a sanção constitucional típica para tal comportamento, a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária? Domingos Sávio Dresch da Silveira questiona: “Aparente contradição surge quando verificamos que o inciso II do artigo 185 da Constituição Federal exclui da desapropriação para fins de reforma agrária a denominada desapropriação-sanção, a propriedade produtiva. Tal previsão, se interpretada isoladamente, nos conduziria à curiosa situação da impossibilidade de ser desapropriado o imóvel rural que houvesse se tornado produtivo em razão da derrubada indiscriminada de significativa extensão da mata atlântica (ofensa ao elemento ecológico) e com a utilização de trabalho infantil escravo (ofensa ao elemento social).

[2] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 40ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016.

_____________________. Aplicabilidade Das Normas Constitucionais. 8ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012.

[3] Seus princípios básicos são o planejamento participativo e a função social da propriedade. A União regulamentou as disposições constitucionais acerca de desenvolvimento urbano com base em competência prevista na própria Constituição. O Estatuto é dividido em cinco capítulos: I- Diretrizes Gerais (artigos 1º a 3º); II- Dos Instrumentos da Política Urbana (artigos 4º a 38); III- Do Plano Diretor (artigos 39 a 42); IV- Da Gestão Democrática da Cidade (artigos 43 a 45); e V- Disposições Gerais (artigos 46 a 58). Para Raquel Rolnik, urbanista ligada ao Instituto Pólis, o Estatuto da Cidade poderá trazer benefícios ambientais aos grandes centros urbanos ao estimular a instalação da população de baixa renda em áreas dotadas de infraestrutura e evitar a ocupação de áreas frágeis ambientalmente, como mangues, encostas de morros e zonas inundáveis. A nova lei estimula as prefeituras a adotar a sustentabilidade ambiental como diretriz para o planejamento urbano e, ainda, prevê normas como a obrigatoriedade de estudos de impacto urbanístico para grandes obras, como a construção de shopping centers.  Também lista, entre os instrumentos do planejamento municipal, a gestão orçamentária participativa.

[4] O Estatuto ora em análise, além de estabelecer diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das denominadas “Funções Públicas de Interesse Comum – FPICs” em regiões metropolitanas e aglomerações urbanas – como, por exemplo, transporte, saneamento básico e uso do solo (Ipea, 2014) –, nasce com o intuito de apresentar normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado, o que nos leva a refletir se é na própria noção de espaço urbano integrado que reside a natureza da escala metropolitana. Com foco em seu arcabouço conceitual e, mais especificamente, nas definições de “aglomeração urbana”, “metrópole” e “região metropolitana”. Na terceira seção é feita uma revisão do arcabouço teórico- -conceitual a respeito do que se constituí “região metropolitana”, “metrópole”, “aglomeração urbana”, a partir de estudos desenvolvidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE (IBGE, 2008 e 2015) e da teoria de Milton Santos sobre o espaço geográfico.

[5] Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (1859-1928) jurista francês especializado em direito público. Colega de Émile Durkheim, diplomou-se pela Faculdade de Direito de Bordéus, onde também obteve o título de Doutor (1881). Lecionou Direito Público inicialmente em Caen, depois em Bordéus (1883), onde se tornou Decano (1919), cargo que exerceu até sua morte. Duguit é responsável por influenciar significativamente a teoria do Direito Público. Seu trabalho jurídico caracteriza-se por uma crítica das teorias então existentes do Direito e pelo estabelecimento da noção de serviço público como fundamento do Estado e seu limite. Duguit vê os seres humanos como animais sociais dotados de um senso universal ou instinto de solidariedade e interdependência. Deste senso vem o reconhecimento de respeito a certas regras de conduta essenciais para uma vida em sociedade. Desta forma, as regras jurídicas são constituídas por normas que se impõem naturalmente e igualmente a todos. Sobreleva-se a governantes e governados o dever de se absterem de qualquer ato incompatível com a solidariedade social. Na visão de Duguit, o Estado não é um poder soberano, mas apenas uma instituição que cresce da necessidade de organização social da humanidade.  Os conceitos de soberania e direito subjetivo são substituídos pelos de serviço público e função social. Postulava que a ciência do direito deve ser puramente positiva, rejeitando a ideia de direito natural, juízos axiológicos, e quaisquer outras concepções metafísicas (como os conceitos de soberania do Estado e de personalidade jurídica). Assim o direito, para Duguit, encontra seu verdadeiro fundamento num substrato social, representado pela solidariedade e interdependência entre pessoas, ou seja, pela consciência inerente a todo indivíduo das relações que o ligam a seus semelhantes. A função social do direito é, destarte, a realização dessa solidariedade.

[6] BALLARÍN MARCIAL, Alberto. O Papel do Direito Agrário e Modernização da Agricultura. Pelotas: Educat, 2010.

[7] A palavra tombamento, tem origem portuguesa e significa fazer um registro do patrimônio de alguém (grifo meu) em livros específicos num órgão de Estado que cumpre tal função. Ou seja, utilizamos a palavra no sentido de registrar algo que é de valor para uma comunidade protegendo-o por meio de legislação específica. Atualmente, o tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público (SEEC/CPC) com o objetivo de preservar, através da aplicação da lei, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental para a população (grifo meu), impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. São os seguintes os livros do tombo da SEEC/CPC: Livro nº 1 do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Livro nº 2 do tombo histórico; Livro nº 3 do tombo das belas artes; Livro do tombo das artes aplicadas. Portanto, o tombamento visa preservar referenciais, marcas e marcos da vida de uma sociedade e de cada uma de suas dimensões interativas.

[8] Usucapião constitucional pro labore constitui forma de aquisição de área de terras, em zona rural, não superior a 50 hectares por aqueles que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, a possua como sua, por cinco anos ininterruptos, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. Trata-se de uma forma de usucapião, diferente daquelas previstas no CC e que não se revoga, pois limita sua aplicação a áreas rurais que não excedam 50 (cinquenta) hectares.

[9] Portanto, entendemos que, além das desapropriações outras, algumas decorrentes da instituição de espaços ambientais especialmente protegidos, também pode o imóvel rural ser desapropriado para fins de reforma agrária, pelo não-cumprimento da função social, com fundamento nos arts. 5º, 184 e 186 da Constituição. Saliente-se o que já foi aventado acima, quando se cogitou da reserva florestal legal: após desapropriado, o imóvel, agora público, mas utilizado por particulares, deverá continuar a obedecer aos espaços protegidos.

[10] A posição que nos parece mais acertada é a defendida por José Afonso da Silva. Diz esse autor que o Estado tem um poder geral de desapropriação previsto no art. 5º da Constituição e que o artigo 184 prevê uma forma especial de desapropriação para fins de reforma agrária, já que a indenização é paga em títulos da dívida pública. Por essa razão, conclui o autor que “(…) o art. 185 contém uma exceção à desapropriação especial autorizada no art. 184, não ao poder geral de desapropriação por interesse social do art. 5º, XXIV. Quer dizer, desde que se pague a indenização nos termos do art. 5º, XXIV (em dinheiro), qualquer imóvel rural pode ser desapropriado, por interesse social, para fins de reforma agrária e melhor distribuição da propriedade fundiária.

[11] Descanso do solo:  em relação à interrupção de atividades agrícolas para possibilitar a recuperação do uso do solo, que estava previsto no texto original do Código, o governo estabelece que a paralisação deve ocorrer por no máximo cinco anos em até 25% da área produtiva. Dessa forma, a terra não será considerada como área abandonada, mas sim como área em pousio. O governo alegou que, ao não definir um período e um percentual de terra, o texto impedia a fiscalização efetiva sobre a prática de descanso do solo.

[12] Uso sustentável de terras e manguezais:  A medida também cria regras específicas para uso ecologicamente sustentável de terras, como em encostas de 25º e 45º. Estabelece que as culturas de apicuns e salgados podem ser utilizados em atividades de carcinicultura e salinas, desde que observados os seguintes requisitos: a área ocupada em cada estado não pode exceder a 10% da Amazônia e 35% no restante do país. Também obriga “salvaguarda da absoluta integridade dos manguezais arbustivos”. Estabelece que devem ser tratados os resíduos e garantida a “manutenção da qualidade da água e do solo” e o “respeito às atividades tradicionais de sobrevivência das comunidades locais”.

[13] Finalmente, é de se atentar que a exploração da madeira nas florestas situadas na região amazônica deve ser feita por meio de um sistema de manejo sustentado, obedecendo à área de reserva legal (50 ou 80%) e às áreas de preservação permanente, quando for o caso43. Manejo sustentado é a utilização econômica da floresta com a sustentação econômica do ecossistema objeto do manejo, ou, como diz A. J. Leslie, tal sistema consiste em “aprovechar la madera a um ritmo anual que no supere el de producción del bosque que se trate y sin prejudicar su capacidad de suministrar otros bienes y serviços. Esto vale para cualquier parte del mundo y en todo momento, independientemente de si la madera es un objetivo primordial o subsidiário de la ordenación forestal”

[14] Na região Norte e no norte da região Centro-Oeste, a reserva legal é de 50%, elevando-se esse percentual para 80% quando a cobertura arbórea for composta de fitofisionomias florestais31. Nas demais áreas do país, inclusive as de cerrado, mesmo que inseridas nas regiões anteriormente citadas, a reserva legal será o correspondente a 20% da área de cada imóvel (arts. 16 e 44 do Código Florestal). Pelo seu caráter obrigatório em todo o território nacional, é fácil notar que as reservas legais não se confundem com as áreas de preservação permanente, apesar de que, pela nova redação do art. 44 do

Código Florestal (§ 7º), estas podem ser computadas na área daquelas.

[15] MARQUES, Cláudia; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

[16] Alguns outros entendem que o termo “propriedade produtiva”, citado pelo art. 185 como insuscetível de desapropriação, quer dizer na verdade “propriedade produtiva que cumpra sua função social”. Em outras palavras, a propriedade produtiva só seria insuscetível de sofrer a desapropriação-sanção se, também e ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente e observar as disposições que regulam as relações de trabalho, tendo exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores. Essa opinião, embora aparentemente adequada, pois pondera o princípio da função social, leva-nos a concluir pela inutilidade do artigo 185, II, da Constituição, pois o mesmo conteria um truísmo: a não-possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade que cumpra sua função social é a própria interpretação a contrario sensu do art. 184.

[17] O imóvel (propriedade rural) considerado produtivo pelo INCRA é aquele que, explorado econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE) segundo índices fixados pelo órgão federal competente. O Grau de Utilização da Terra (GUT), deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento) e o Grau de Eficiência na Exploração da terra (GEE), deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento). O texto aprovado recentemente alterou diversos dispositivos da Lei Agrária (Lei nº 8.629/93) e considera propriedade produtiva a que atinge graus de eficiência na exploração, segundo os mecanismos de produtividade a serem fixados pelo Congresso Nacional. Ficou definido ainda que esses parâmetros, índices e indicadores serão ajustados periodicamente (grifo meu) pelos ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e estarão amparados em estudos do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária e em avaliação do Conselho Nacional de Política Agrícola.

[18] A questão suscita dúvidas em boa parte da doutrina, concluindo a maioria que o art. 185, II, é uma exceção constitucional à norma constante no art. 184 (grifo meu). Ocorre que tal entendimento simplifica a questão, fazendo tabula rasa do art. 186 e, consequentemente, do art. 170, III, da Constituição, em total desprezo à noção de função social da propriedade, já que apenas faz a subsunção desapropriação – exceção à desapropriação.