DIREITOS CULTURAIS E O DIREITO AO ESQUECIMENTO: ALGUMAS ELUCUBRAÇÕES

Pauta que, recentemente, criou tanto polêmica quanto interesse foi o julgamento, pelo STF, do Recurso Extraordinário (RE) 1010606, acerca do chamado “direito ao esquecimento”, que, para quem ainda não sabe, trata-se de um direito em que uma pessoa ou seus familiares têm de proibir que um fato que lhes tenha causado algum transtorno seja exposto publicamente. No caso do RE, a celeuma se deu por causa de um programa de televisão chamado “Linha Direta”, produzido pela Rede Globo, que reconstituiu um crime dos anos 1950. Os familiares da vítima foram os autores da ação.

Relatado pelo Ministro Dias Toffoli, a tese de repercussão geral acolhida foi a de que é “incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais”. Achamos que tal fundamentação, que se baseia na interpretação do artigo 220 da Constituição Federal, ou seja, tratando da Comunicação Social, também pode ter ecos nos Direitos Culturais.

Só o início do “caput” do art. 215 da Carta Maior tem vaticínio em mesma direção: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais…”, aí compreendidos, ao nosso ver, o direito à criação e distribuição de obras como livros, revistas e até filmes, o que também se coaduna com questões de Direitos Autorais e, portanto, de salvaguarda da produção de bens culturais. Aliás, o próprio presidente da Corte, o Ministro Luiz Fux, também corroborou este pensamento, em seu voto, acompanhando o relator no desprovimento do recurso.

Cremos que um dos maiores exemplos do “direito ao esquecimento”, no Brasil, se deu com o filme “Amor estranho amor”, de 1982, estrelado pela atriz, cantora e apresentadora Xuxa Meneghel. O filme tem no elenco atores do quilate de Vera Fischer, Tarcísio Meira e Mauro Mendonça. A história, que se passa nos anos 1930, dá conta da iniciação de um menino. Tamara, personagem de Xuxa, era a preceptora sexual do garoto. Com uma carreira de apresentadora infantil em ascensão, à época, a atriz tentou impedir a circulação do longa. Entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, consubstanciada na realização do filme, ganhou esta última.

Este articulista tem opinião parecida com a do que se encontra no fim do texto da repercussão geral: “Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir de parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral”. Num conflito entre princípios, vale o peso, o vetor para o qual se está apontando, a razoabilidade e proporcionalidade, nome que o Direito dá para o chamado “bom senso”. Usar a tese do “direito ao esquecimento” como forma de censura, obstando, dentre outras coisas, o acesso aos bens culturais, nunca!