Tempos de Pandemia
Desde que nos foi exigido adotar o isolamento social como forma de combate ao COVID-19 muitos debates jurídicos se levantaram.
Via de regra, o debate travado gira em torno de quais os efeitos jurídicos se aplicam nos contratos (de todas as naturezas) durante e após o período de isolamento social.
Grande parte das atividades econômicas está paralisada ou não está funcionando plenamente. Não precisa ser especialista para afirmar que enfrentaremos uma retração na economia sem precedentes na história democrática do país.
De fato, a comunidade jurídica deve se debruçar sobre tal tema. Afinal, todas as angústias sociais cedo ou tarde acabam desaguando nos escritórios de advocacia e, mais tarde, nos Tribunais por todo o Brasil.
Contudo, um tema que vejo ser pouco explorado pela comunidade jurídica diz respeito aos acordos judiciais firmados antes da deflagração do período de isolamento social.
A questão parece singela, mas, existem questões relevantes que devem ser consideradas.
Seria possível para a empresa, alegando dificuldades econômicas requerer ao Juízo dilação do prazo de pagamento e/ou, até mesmo, isenção da aplicação da multa?
Não é possível dar uma resposta categórica! Nem para o “sim” nem para o “não”!
A respeito do tema trago a conhecimento decisão proferida no último dia 03/04/2020 na qual a Juíza Mariza Santos da Costa, da 7ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP, flexibilizou o pagamento de acordo em razão da Pandemia do COVID19. Ficou assentado na decisão que durante o período de isolamento social a empresa deve arcar com apenas 30% das parcelas do acordo celebrado em agosto de 2019. Para quem tiver curiosidade de ler a decisão na íntegra, segue o número do Processo: 1001981-68.2015.5.02.0607
Nas pontas desse cabo de força estão: De um lado, a necessidade de preservar a capacidade financeira das empresas afetadas pela crise; e do outro lado, a natureza alimentar do crédito trabalhista.
Não se pode, a meu ver, determinar cegamente o cumprimento do acordo tal como foi celebrado se isso importar com o descumprimento de obrigações legais e contratuais de outros funcionários ou até mesmo o encerramento das atividades empresariais.
De igual modo, se mostra desarrazoado exigir que o trabalhador (que certamente abriu mão de parte de seu crédito para celebrar o acordo) aguarde um período ainda maior para receber aquilo que foi reconhecido como devido.
Trata-se de uma decisão difícil e que deve, como tudo neste momento peculiar, ser lastreada pelo bom senso e pela ponderação de valores e princípios.
Certamente, “cada caso é um caso” e qualquer generalização é perigosa.
Contudo, me atrevo lançar mão de alguns critérios que devem nortear o Poder Judiciário no momento de apreciar pedidos dessa natureza.
1- O trabalhador deve ser intimado a se manifestar, juntando sempre cópia da sua carteira de trabalho e/ou extrato da sua conta bancária. Tal medida preservará o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como municiará o magistrado de informações sobre a atual condição socioeconômica do empregado.
Não se pode afirmar que um trabalhador recém dispensado e que parcelou judicial o pagamento das suas verbas rescisórias está na mesma situação de um outro empregado que celebrou um acordo, mas já se encontra empregado e com o salário sendo pago rigorosamente em dia. Para o primeiro, eventual adiamento do pagamento do acordo será mais gravosa.
2- A empresa deve apresentar balancete/demonstrativo contábil dos últimos 12 meses. Isso poderá comprovar se a alegação de dificuldade financeira procede ou não.
3 – Valor das parcelas do acordo e porte da empresa envolvida. Certamente, pequenos empresas serão mais afetadas que grandes conglomerados empresariais. De igual forma, acordos com grandes somas de dinheiro serão mais difíceis de cumprir do que aqueles com valores mais modestos.
Em termos práticos: R$ 2.000,00 para a padaria de um bairro periférico pode afetar seus compromissos com outros trabalhadores e com seus fornecedores. Já para grandes redes de supermercado a soma não se mostra de grande relevância.
4 – Postergação do Pagamento ou Pagamento Parcial. Um aspecto importante de ser levado em conta é se está sendo deferido apenas o adiamento do pagamento daquela parcela ou se a determinação é para pagamento parcial das próximas parcelas (tal qual restou decidido no processo acima citado).
No primeiro caso, o trabalhador não receberá nenhum valor do acordo, pois a data do vencimento foi alterada. Logo, salvo melhor juízo, a multa por descumprimento deve ser majorada como forma de compensação na eventualidade de futura inadimplência.
Já no segundo, por mais que receba um valor reduzido, o prejuízo para o trabalhador é menor. Logo, a meu ver, não se deve alterar a disposição já pactuada acerca da multa por descumprimento do acordo.
4 – Audiência de Conciliação por Videoconferência. Caso o magistrado, mesmo ponderando todas as questões acima lançadas, não consiga concluir qual a melhor medida a ser tomada, entendo como viável seja determinada realização de uma audiência de conciliação utilizando-se dos recursos tecnológicos possíveis.
Obviamente, outras medidas podem ser pensadas pelas partes e pelos magistrados.
Sempre visando a pacificação social e a razoável duração do processo.