Em 11 de novembro de 2019 foi editada a Medida Provisória 905 que ficou conhecida como a MP do Contrato Verde Amarelo.
A Medida Provisória em questão criou diversos instrumentos para flexibilizar normas trabalhistas na contratação de jovens e idosos. A referida norma ainda previa a taxação do seguro desemprego, mudanças nas regras de fiscalização e aplicação de multas pelos órgãos fiscalizadores, abria possibilidade de ampliação da jornada de bancários (trabalho aos sábados), fixava o IPCA-E (mesmo índice da caderneta de poupança) como índice de correção de condenações trabalhistas, entre outras medidas.
Como tem sido comum nos últimos tempos, a edição da MP 905/19 cuidou de entrincheirar o mundo jurídico. Alguns dizendo da importância da medida para o momento de crise econômica que o país atravessa e outros rechaçando a proposta por atacar direitos consagrados dos trabalhadores e que medidas de igual impacto inexistem para a população mais abastada do país.
Ocorre que a falta de articulação do Governo Federal somada a crise do COVID19 levou a MP 905/19 perder a eficácia por decurso de prazo, na forma do §3º do artigo 62 da Constituição Federal.
Tal debate poderia não ter importância alguma se não fosse um fato novo criado pelo Poder Executivo.
A MP foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 14/04/2020, ou seja, muito próximo à data limite para sua apreciação. Ocorre que em meio à pandemia do COVID19 e a ausência de um clima de unidade política a proposição não entrou na pauta no Senado Federal.
A MP deveria ser votada até o dia 20/04/2020 (segunda-feira). Ocorre que no dia 17/04/2020 (sexta-feira) o Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), sinalizou que não via possibilidade de votar a matéria dentro do prazo constitucional.
Assim, o Governo Federal entendeu por bem editar a Medida Provisória 955 de 20 de abril de 2020 revogando a Medida Provisória 905/19. Ou seja, ao que parece, no entender do Governo Federal se a MP 905/19 fosse revogada não perderia eficácia e não haveria que se falar na vedação da sua reedição prevista no §10 do artigo 62 da Constituição Federal.
- 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.
Claramente a pretensão do Poder Executivo Federal é reeditar uma Medida Provisória com o mesmo conteúdo. Senão qual objetivo de se revogar a MP a menos de 24 horas da sua perda de eficácia?
Cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre essa temática. Vejamos!
[…] 5. Impossibilidade de reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória revogada, nos termos do prescreve o art. 62, §§ 2º e 3º. Interpretação jurídica em sentido contrário importaria violação do princípio da Separação de Poderes. Isso porque o Presidente da República teria o controle e comando da pauta do Congresso Nacional, por conseguinte, das prioridades do processo legislativo, em detrimento do próprio Poder Legislativo. Matéria de competência privativa das duas Casas Legislativas (inciso IV do art. 51 e inciso XIII do art. 52, ambos da Constituição Federal) […] 8. É vedada reedição de medida provisória que tenha sido revogada, perdido sua eficácia ou rejeitada pelo Presidente da República na mesma sessão legislativa. Interpretação do § 10 do art. 62 da Constituição Federal. (STF, Pleno, ADI 5.709/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 28.06.2019).
O sistema instituído pela EC nº 32 leva à impossibilidade – sob pena de fraude à Constituição – de reedição da MP revogada, cuja matéria somente poderá voltar a ser tratada por meio de projeto de lei. 6. Medida cautelar indeferida. (STF, Pleno, MC-ADI 2.984/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.05.2004).
Da leitura dos julgados acima percebemos que o entendimento é de que se uma Medida Provisória não foi votada no prazo constitucional não basta ao Poder Executivo editar norma a revogando e editar uma outra Medida Provisória de igual ou semelhante conteúdo. Trata-se de burla ao mandamento teleológico constitucional e um controle da pauta do Congresso Nacional indevido.
Isso porque as Medidas Provisórias conceitualmente são normas editadas ante a um quadro fático ou jurídico de relevância e urgência, vide caput do artigo 62 da Carta Magna.
Ora, se não houve relevância e urgência na apreciação da MP o seu conteúdo deve seguir a tramitação de projeto de lei ordinária que tem requisitos de validade e tramitação diversos e específicos.
Em suma: se confirmada a intenção do Poder Executivo em reeditar Medida provisória com o mesmo conteúdo da MP 905/19, tal medida é totalmente ilegal e inconstitucional.
E não tenho dúvidas que, se isso ocorrer de fato, a comunidade jurídica estará atenta para provocar novamente o Poder Judiciário para declarar a inconstitucionalidade de tal norma.
Inclusive, entendo que seria prudente o protocolo de Ação Direta de Constitucionalidade em face da MP 955 (norma revogadora) para que se sacramente a impossibilidade de qualquer tentativa de reedição da MP 905 (revogada).