Desclassificação dos Crimes
As condutas humanas se modificam de acordo com a evolução social, condutas que preteritamente não eram mal vistas, hoje podem ser encaradas de maneira diversa. Tudo isso se dá em razão da valoração que a sociedade dá a determinados fatos, fazendo com que essa valoração se desenvolva ao ponto de torna-se lei.
É nessa seara de valoração de condutas que foi instituída a Lei Federal nº 13.718/2018, a qual incluiu ao códex penal o art. 215-A, o crime de importunação sexual, apresentando-se da seguinte maneira:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
A Lei 13.718/2018 é um reflexo da insatisfação social acerca das reiteradas agressões à liberdade sexual, notadamente, a liberdade sexual feminina.
Adentrando aos pormenores, ato libidinoso é caracterizado como qualquer ação capaz de satisfazer o desejo sexual. Essa conduta de praticar o ato libidinoso está presente tanto no art. 215, quanto nos artigos 213 e 217-A do Código Penal, o estupro e o estupro de vulnerável sucessivamente. É exatamente neste ponto que é importante dedicar atenção.
O crime de estupro (art. 213) possui pena base de 6 a 10 anos, ao passo que, o crime de estupro de vulnerável (217-A) possui como pena base de 8 a 15 anos, se comparados ao crime de importunação sexual (art. 215-A) as penas são muito mais severas, daí a importância da desclassificação.
No delito de estupro a vítima se opõe a prática sexual em si (o coito), ou, a qualquer outro ao ato libidinoso praticado com ela. Portanto, há uma ciência da vítima acerca do animus do autor, e em contrapartida, não há o seu consenso, o ato ocorre forçosamente, seja por uso de violência ou de grave ameaça. Já o estupro de vulnerável, conforme entendimento do STF, para sua consumação pouco importa se houve ou não consenso da vítima (por vítima compreende-se o menor de 14 anos; o indivíduo que não possui discernimento cognitivo permanente do homem médio, ou ainda; aquela pessoa em que em situação transitória, não consegue oferecer resistência).
É na ciência e discordância da vítima, bem como no modo em que foi executado o crime, que insere-se a possibilidade de desclassificação dos delitos. Isso porque, na importunação sexual, a vítima é um meio para que o agressor alcance a satisfação da sua lascívia, não necessariamente durante o delito a vítima está tendo ciência do que está ocorrendo, já que por determinadas vezes o agressor não se utiliza de violência ou grave ameaça para consumar o crime, são as situações como aquelas em que a vítima percebe, já após o ato libidinoso ter ocorrido, que o agressor ejaculou em sua roupa, ou ainda, aquelas situações menos gravosas, como o simples apalpamento. É necessário usar ponderação ao analisar as condutas e subsumi-las a um tipo penal.
Destarte, recorro ao entendimento do TJSP na Apelação Criminal nº 0005731-38.2017.8.26.0565: Em primeira instância o réu foi condenado ao cumprimento de 09 anos e 04 meses em regime fechado pelo crime do art. 217-A, por três vezes, em concurso de crimes. A defesa interpôs apelação. O Tribunal de Justiça Paulista entendeu pela desclassificação do crime de estupro de vulnerável (217-A) para o crime de importunação sexual (215-A), reduzindo consideravelmente a pena, passando a ser de 1 ano e 6 meses de reclusão em regime aberto. Outrossim, por ter sido preso preventivamente, o tempo em que o réu esteve recluso detraiu a pena, sendo suficiente à determinar extinção do processo por cumprimento integral.
Embora atualmente o STJ tenha se manifestado acerca da impossibilidade do estupro de vulnerável ser desclassificado para o crime de importunação sexual, trata tão somente da hipótese de ser a vítima menor de 14 anos, justificando o fato a criança não possuir liberdade sexual, nada diz acerca dos demais sujeitos inseridos no tipo penal.
Então, diante da ‘’ mão pesada’’ do Ministério Público no momento de redigir a denúncia, analise e reanalise os fatos, nem toda conduta capaz de saciar a lascívia por intermédio de atos libidinosos, se adéqua aos tipos penais de estupro. E, lembrando que como o art. 215-A é uma novatio legis in melius, suporta a retroatividade, conforme entendimento do STJ nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.730.341.