Resumo:
A pandemia de coronavírus ou Covid-19 serviu também para colocar em xeque o constitucionalismo contemporâneo[1]. A emergência sanitária, por vezes, é encarada como uma indevida restrição de direitos fundamentais e, para a concentração de poder em um dos poderes constituídos. Já, por outro lado, a prioridade irrefutável de se defender o direito à vida, à saúde e a dignidade humana podem modular os demais direitos fundamentais no afã de conter e reduzir o contágio e os óbitos causados pela Covid-19.
Palavras-Chave: Constitucionalismo. Direitos Fundamentais. Pandemia de Covid-19. Medidas Sanitárias. Protocolos Sanitários.
Ao avaliar os reflexos provocados pela Covid-19, no Direito Constitucional e no Direito Administrativo, considerando a indispensável articulação entre a promoção de saúde pública com a tutela de direitos fundamentais e, tendo como premissa relevante o papel desempenhado pela Administração Pública na materialização dos bens e valores constitucionais.
Destaque-se, ainda, a excepcionalidade das circunstâncias o que exige adaptações e modulações do próprio Estado de Direito e, com toda probabilidade determinará a elaboração de legislação especificamente elaboradas para prover a prevenção, combate e cumprimento de protocolos sanitários.
Cumpre citar o trabalho da Dra. Ana Raquel Gonçalves Moniz em seu artigo intitulado “Promoção da saúde pública e proteção dos direitos fundamentais: a COVID-19 à luz das repercussões jurídico-constitucionais e jurídico-administrativas em Portugal”, disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/766/813 . A autora é doutora em Direito, pelo Instituto Jurídico, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, Professora Associada da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra.
E, seu artigo integrou o projeto intitulado “Responsabilidade em Saúde Pública no Mundo Lusófono: Fazendo Justiça durante e além da Emergência da Covid”.
De fato, a tutela do bem jurídico e constitucional denominado “saúde pública” nos força a conhecer uma transversalidade ou horizontalidade e, dentro do cenário de combate à pandemia, perpetrou em todas dimensões normativas e sociais bem como todos os ramos jurídicos-dogmáticos.
O que aguçou de grande intensidade o debate de como a crise pandêmica atingiu os direitos fundamentais e confrontou os modos com os quais a Administração Pública se confronta com sua realização.
Torna-se preocupante, infelizmente, quando razões ideológicas lideradas pelo negacionismo e anticiência assumem a governança da Administração Pública e emperram o bom cumprimento de protocolos sanitários bem como a devida ênfase e realização da vacinação, seja nos grupos de pessoas mais fragilizadas, como também de crianças e adolescentes.
O que forçou a Suprema Corte brasileira a enfrentar inúmeras demandas para defender o enfrentamento e combate à Covid-19, a despeito de atitudes e posicionamentos normativos equivocados que pretendiam apenas anuir com o negacionismo presidencial presente.
A judicialização dos conflitos durante a pandemia nacional de Covid-19 confirma o perfil do processo civil contemporâneo que repensa a justiça e a jurisdição, inclusive, a cidadania.
Trabalhos como o dos juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) já visavam ao movimento de acesso à justiça[2] prestigiando um processo de resultados. Assim, a repercussão civil da pandemia já pode ser notada em diversas áreas do sistema judiciário brasileiro: justiça do trabalho, justiça comum estadual ou federal, justiça militar e justiça eleitoral.
São inúmeros os reflexos e as interfaces da declaração mundial de pandemia nas organizações de controle[3] internas e externas (internacionais), das pessoas físicas e jurídicas, obrigando o leitor a lembrar da Teoria Geral do Estado, disciplina que estuda os fenômenos do Estado desde sua origem, formação, estrutura, organização, funcionamento e suas finalidades.
A Teoria Geral do Estado sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, geográficos, antropológicos, econômicos e psicológicos e corresponde à parte geral do Direito Constitucional, base do Direito Público, disciplina dos Cursos de Direito e afins.
A Administração Pública deve ter acesso direto à Constituição e exige que se compreenda de forma escorreita e adequada a interpretação de normas constitucionais, bem como a repetitiva realização no caso concreto.
Lembremos que a subordinação constitucional da atividade administrativa, que é o norteador princípio da constitucionalidade da Administração atinge constante sublimação quando se considera a Constituição como Lei Maior ou Lei Magna e, que traz a nobre tarefa de definir os fundamentos axiológicos e jurídicos, que devem guiar toda a ação da Administração Pública.
Afinal, o constitucionalismo administrativo constitui uma particular expressão do princípio da constitucionalidade da Administração, que no âmago da doutrina anglo-saxônica, particularmente, a norte-americana, que defende o acesso direto à Constituição pela Administração, cometendo a esta última, as responsabilidades ativas no que se refere à interpretação e implementação dos princípios e imperativos constitucionais.
Enfim, tal concepção visa superar o radical democrático e a legitimação do poder administrativo e vem a interceder sobre as questões referentes aos papéis cumpridos pela Administração e, afeta a dinâmica existente nas relações entre poderes (sejam Poder Constituinte e Poderes Constituídos) e, dentro destes, o Poder Legislativo, Poder Judicial e Poder Executivo.
Entre nós, brasileiros, a CPI da Pandemia[4] já concluída, causou impacto político, porém, seu resultado jurídico é incerto. Aberta por determinação do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e comandada por senadores oposicionistas, a comissão teve bastante apelo midiático, com horas de transmissão ao vivo e muita repercussão nas redes sociais.
Apesar de ter se tornado uma fonte profícua de dores de cabeça para o Palácio do Planalto e, expor a equivocada aposta em menosprezar os riscos da pandemia, e ainda promover o uso de medicamentos sem eficácia.
Se, inicialmente havia suspeitas sobre omissão, o negacionismo e a incompetência reiterada, ainda detalhou o desprezo as ofertas para compra de imunizante da Pfizer, e demonstrou a conivência com as ilegalidades do Ministério da Saúde, como ainda o episódio envolvendo o contrato bilionário com a vacina indiana Covaxin.
Entre os trabalhos finalizados ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e tendo ainda enviado ao STF[5] petições para abertura de seis investigações, até o presente momento, nenhum resultado jurídico foi deflagrado, o que fragiliza a cidadania brasileira, o Legislativo brasileiro e, principalmente, a democracia pátria.
Desejo frisar que, não basta apenas defender a subordinação do agir administrativo à Constituição e aos direitos fundamentais, mas, muito além disso, exige-se da Administração Pública postura positivo, particularmente, no ativo dever de ter em conta a Constituição Federal vigente no exercício da sua atividade, ou seja, no dever de implementar as opções constitucionais. Enfim, a realização do interesse público no quadro do direito.
O que importa na adoção de mecanismos de autocontrole, decorrentes da organização interna de entidade ou da emanação de normas regulamentares que, orientando o exercício da discricionariedade, autovinculem a Administração a atuar de forma constitucionalmente comprometida e em cenários relevantes como o atual, onde o protagonismo do Executivo e da Administração Pública recebem todas as atenções reinantes.
A concretização de políticas públicas, segundo a doutrina ianque chega ser vista sob a visão de que a Administração Pública como defensora da Constituição, sublinhando que, em comparação com os tribunais, se encontra em melhores condições para tutelar adequadamente os valores constitucionais, com efeito, assumindo postura proativa na definição e implementação de políticas, as entidades administrativas, sobretudo as autoridades reguladoras assumem como primeiras instâncias o controle da aplicação das políticas públicas, podendo ainda ponderar, e, ainda, devendo escolher aquela que melhor satisfaça os valores constitucionais vigentes, sem que, por sua vez, isso signifique o afastamento de disposições legislativas sobre a matéria.
Salienta Gillian Metzger[6] que o desenvolvimento de um Estado Administrativo com tarefas ativas na realização da Constituição não corresponde a qualquer perversão do modelo constitucional, mas antes de tudo, assume-se como um dos seus desenvolvimentos primordiais.
Ainda segundo Marcello Caetano[7] os cuidados com a saúde pública correspondem ao exercício da função técnica do Estado, isto é, ao conjunto de atividades que, correspondendo de igual modo ao exercício da função administrativa enquanto dirigida à prossecução do interesse público, tem por núcleo a realização de atividades como produção de bens ou prestação de serviços de índole substancial.
E, assim, a prestação de cuidados de saúde não apresenta qualquer diferença quando desempenhado por estabelecimento público ou privado, a verdade é que não só o direito à saúde pressupõe a existência de um serviço nacional de saúde, incumbindo constitucionalmente ao Estado a garantia de acesso de todos os cidadãos sob os cuidados da medicina, como também o conjunto de deveres cuja observância deve ser seguida pelos prestadores dos serviços de saúde, enquanto agentes da Administração Pública e, que se estão adstritos ao elemento diferenciador, que é o nexo de vínculos estabelecidos nas relações entre ente e Administração e profissional de saúde, o que nos endossa em qualificar como uma relação especial de Direito Administrativo.
A crise relativamente súbita causada pela pandemia de Covid-19 obrigou o ordenamento jurídico a reagir. Foram mais de 3.049 (três mil e quarenta e nove) normas relacionadas à Covid-19 editadas no âmbito da União no ano de 2020, 59 (cinquenta e nove) medidas provisórias relativas à Covid-19, 108 (cento e oito) Medidas Provisórias editadas em 2020. A intensa atividade normativa do Executivo em face da pandemia, manteve-se em todo ano de 2020, prosseguiu no ano seguinte e, se mantém até a presente data.
E, antes de disseminar a regulação da emergência, a atividade normativa governamental limita o papel do Legislativo e favorece a intensa judicialização da saúde, pois a conformidade de atos normativos do Executivo com a lei e com a Constituição é frequentemente questionada junto ao Judiciário.
E, uma das mais relevantes características da legislação federal sobre a pandemia é a ausência de participação cidadã em sua elaboração. Ou seja, os mecanismos de consulta, os conselhos e entidades representativas que poderiam atua em prol da eficiência de respostas que foram ignorados ou até desmontados.
A atual relação do governo federal com a sociedade civil é de explícito antagonismo afrontando os mais profundos princípios consagrados pela legislação do SUS, além de comprometer seriamente a legitimidade do acervo normativo, já que tais normas infralegais amiúde ultrapassam em muito ao âmbito administrativo.
Por vezes, criando obrigações para o povo de forma fragmentada, equívoca e confusa, e mesmo até contraditória. A princípio, pelo bom senso geral, o caráter da urgência sanitária poderia, ao menos, justificar a ausência de participação, não fosse a evidente e proposital lentidão na tomada de providências que o estudo das normas reflete. Quem participa da elaboração das normas tende a colaborar com sua aplicação, o que pode ser crucial e decisivo durante uma emergência.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal espelha a notoriedade do direito à saúde que deve ser prontamente tutelado: O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.
O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional.
O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República. (STF – RE: 271286 RS, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 02/08/2000, Data de Publicação: DJ 23/08/2000 P – 00052) (grifo nosso)
É de bom alvitre sempre destacar que os direitos coexistem e não são absolutos, por isso podem ser passíveis de limitações. Nesse sentido leciona Branco (2019, p. 143): “tornou-se voz corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos”.
Tornou-se pacífico, portanto, que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive direitos fundamentais.
No plano jurídico, a existência de uma pandemia inscreve-se como uma situação de emergência ou calamidade pública de caráter extraordinário, para a qual a ordem jurídica pode e deve oferecer respostas.
O constitucionalismo democrático[8] e, mesmo ante o neoconstitucionalismo prevê que, em situações de emergência como a atual, o Estado tenha seus poderes ampliados, podendo, inclusive, suspender parcialmente direitos para atender às exigências do momento de crise.
A exceção, como se sabe, caracteriza-se pela anomia, pela falta de norma, pela ausência de legalidade. Trata-se de uma legalidade extraordinária ou um regime jurídico especial, que se estabelece para reger uma situação excepcional.
Para evitar o colapso do sistema de saúde pública brasileira, Estados e Municípios têm adotado, medidas de restrição aos seus cidadãos, através da implementação de quarentena e em casos mais graves, o lockdown, restringindo o direito de locomoção da população em geral, inclusive com aplicação de multa nos casos de descumprimento.
Sendo o direito de locomoção um dos direitos fundamentais alicerçados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XV, houveram questionamentos tanto em mídias sociais e jornalísticas, como no judiciário quanto a legalidade e consequente cumprimento de medidas que afrontam direitos constitucionalmente garantidos.
Na análise jurídica da instituição do lockdown[9] ou quarentena[10], à guisa de exemplificação, como medida de contenção do avanço da pandemia causada pela Covid-19, resta evidente que o direito fundamental à vida e saúde da população se encontra em posição de supremacia em relação ao direito de locomoção, sendo adequadas do ponto de vista hermenêutico a adoção destes institutos.
Registre-se, ainda, que o conceito de quarentena existe pelo menos desde meados do século XIV e está historicamente relacionado com a ideia de impedir o contato com pessoas acometidas ou potencialmente portadoras de doença contagiosa para evitar sua propagação.
Tem, mais contemporaneamente, o significado de confinar pessoas, animais e mesmo objetos que tiveram contato com doenças contagiosas até que transcorra o tempo de incubação máximo da doença, ou ainda, de afastar do convívio social grupos de pessoas e animais que corram o risco de exposição a agentes infecciosos.
Desta forma, o presente artigo buscou esclarecer a situação do ponto de vista hermenêutico, fugindo do senso comum e opiniões leigas[11] causadas pela interpretação rasa do ordenamento pátrio, aprofundando a discussão sobre o que são e qual a função dos direitos fundamentais a serem observados diante da pandemia de coronavírus.
Referências
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[1] Dez Temas decididos pelo STF em 2021 – e o que eles indicam para o futuro, em resumo: 1. Não há direito ao esquecimento no Brasil. Processo que envolvia a família de Aída Curi; 2. Lula volta a ser ficha limpa; 3. Moro é declarado suspeito; 4. Cultos religiosos proibidos na pandemia de Covid-19; 5. CPI da Covid-19 e vacinas; 6. Quebra no prazo das patentes de medicamentos; 7. Tese tributária do século: a exclusão do ICMS da base de cálculo para o pagamento do PIS e da Cofins.; 8. Injúria racial é crime imprescritível; 9. Derrubada de modificações da reforma trabalhista de 2017 na CLT; 10. Decisões revelaram embates com a PGR.
[2] Acesso à Justiça ou mais propriamente acesso à ordem jurídica justa significa proporcionar a todos, sem qualquer restrição, o direito de pleitear a tutela jurisdicional do Estado e de ter à disposição o meio constitucionalmente previsto para alcançar esse resultado. buscar um conceito de “acesso à justiça” envolve uma ampla investigação que pode ser perseguida por filósofos e teóricos do Direito, além de outros estudiosos que o adotem como objeto de estudo (tais como sociólogos, antropólogos e cientistas políticos). Cada qual conforme seus métodos e objetivos de estudo. a) “acesso à justiça” como “inafastabilidade da jurisdição”, em que se adota como premissa a possibilidade dada a qualquer pessoa de ter seu litígio apreciado pelo Estado. Tal ideia decorre especialmente da ênfase dada à estatalidade da justiça e da primazia do Poder Judiciário como solucionador de conflitos. Assim, os estudos dessa natureza se vinculam a identificar os instrumentos pelos quais a população pode (pelo menos em teoria) acessar o Poder Judiciário; b) “acesso à justiça” como “garantia fundamental de direitos”, que remete à ideia de que somente é possível garantir a efetivação de um direito se for garantido o acesso ao Poder Judiciário, que deve se desincumbir concretamente de sua função constitucional. Essa acepção volta-se ao resultado da atuação do Poder Judiciário na efetivação de direitos e tem foco na efetividade dos instrumentos jurídico-processuais voltados a reduzir as dificuldades no acesso à justiça estatal (custo, demora, formalidade, litigantes habituais, tutela adequada de direitos, como destacado no já mencionado relatório de Cappelletti e Garth) e a propor novos instrumentos jurídico-processuais mais aptos a tal finalidade; c) “acesso à justiça” como “acesso ao direito”, em que se procura deslocar o eixo de pesquisa da proteção estatal para a participação do próprio jurisdicionado na solução de seus conflitos. Nesse sentido, compreende o estudo medidas preventivas de conflitos, baseadas no conhecimento dos direitos pela população em seu grau mais abrangente (direito de acesso a informações relevante a suas decisões particulares e de ser informado sobre seus direitos); o direito de participar das decisões do Estado em relação à implementação de tais direitos, por via direta ou por representantes (o que pode ter caráter preventivo ou repressivo, conforme o direito posto em causa) e o reconhecimento do direito de buscar solução para os conflitos existentes por meios não estatais (por exemplo, por mediação, arbitragem ou técnicas psicológicas, como a constelação familiar).
[3] O leading case Marbury versus Madison é reconhecido pelo Direito Constitucional como o embrião do controle difuso da constitucionalidade das leis. Foi em tal caso que a Suprema Corte americana, presidida pelo Chief Justice John Marshall, reconheceu que os tribunais em geral, e a Suprema Corte em última instância, tinham o poder de decidir o que a Constituição pretende dizer e de invalidar atos de outros órgãos públicos incompatíveis verticalmente com a Carta Magna. Cumpre elucidar, contudo, que debates acerca de tal competência do judiciário já havia sido travados anteriormente. Durante as discussões do ano III, na França, Thibadeau conseguiu que a unanimidade da Convenção refutasse a instituição de um “jury constitutionnel”, proposto por E.J. Sieyès em seus dois discursos de Thermidor. Os chamados “imortais da Convenção” não concordaram em estabelecer um poder de controle superior àquele das Assembleias legislativas (HOWARD. La Concéption Mécaniste de la Constitution. In: TROPER; JAUME. (Org.). 1789 et l’invention de la constitution, p. 153-173).
[4] O relatório final da CPI da Pandemia com suas mais de 1.000 páginas, portanto, é um dos informes mais importantes já produzidos desde o início da pandemia no mundo. Usando a lei, os mecanismos do Estado de direito e transparência, o informe detalha como mais de 600.000 pessoas morreram no Brasil. Sim, havia um vírus. Mas também um aliado: o Governo brasileiro. Relatório final da CPI da Covid amplia lista de indiciados: 81 no total
[5] O STF (Supremo Tribunal Federal) realizou sua 1ª sessão por videoconferência da história em abril de 2020. Daquele mês em diante, a Corte viria a se debruçar em mais de 6.500 processos (até 18.dez.) relacionados à covid-19. No total, foram quase 8.000 decisões proferidas sobre o assunto. Os dados são do Painel de Ações covid-19 disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/app_processo_covid19/index.html Acesso em 01.02.2022.
[6] É professora de Direito Constitucional de Harlan Fiske Stone na Columbia Law School.
[7] Marcello José das Neves Alves Caetano (1906-1980) um jurisconsulto, professor de direito e político português. Proeminente figura durante o regime salazarista, foi o derradeiro Presidente do Conselho do Estado Novo. Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, Marcello Caetano foi destituído de todos os seus cargos, tendo sido acordado aquando da sua rendição no Quartel do Carmo em Lisboa a sua condução imediata, pelo Capitão Salgueiro Maia, para o Aeroporto da Portela, exilando-se no Brasil.
[8] O constitucionalismo democrático, assim, é uma fórmula política baseada no respeito aos direitos fundamentais e no autogoverno popular. E é, também, um modo de organização social fundado na cooperação de pessoas livres e iguais. O “diálogo democrático” é uma ferramenta por excelência para a resolução das questões objetivas e subjetivas, principalmente quando já instaurada a crise. A visão dialética cogitada pelo “constitucionalismo democrático” é essência e construto que decorre da autoridade constitucional, o que pode resultar em nova contestação e novo dissenso. E isso reflete o viver constitucional, que está desconectado da visão juriscêntrica, e que não nega que outras autoridades possam definir e atualizar o significado constitucional. Há, porém, um paradoxo ou uma tensão bastante latente nas democracias constitucionais que simplesmente não se pode negligenciar e que suscita debates bem mais complexos no que tange à interpretação constitucional. Trata-se da conhecida “dificuldade contramajoritária”, assim nomeada por Alexander Bicke na década de 60 e que, desde então, tem sido uma verdadeira obsessão da doutrina constitucional norte-americana.
[9] O lockdown ou bloqueio total ou confinamento, é protocolo de isolamento que geralmente impede movimento de pessoas ou cargas. Os lockdowns podem ser usados também para proteger pessoas, ou, por exemplo, um sistema de computação de uma ameaça ou outro evento externo. No início de abril de 2020, 3,9 bilhões de pessoas em todo o mundo estavam sob algum tipo de lockdown — mais de metade da população mundial. No final de abril, cerca de 300 milhões de pessoas estavam em lockdown em países da Europa, enquanto cerca de 200 milhões de pessoas estavam em lockdown na América Latina. Quase 300 milhões de pessoas, ou cerca de 90% da população, estavam sob alguma forma de lockdown nos Estados Unidos, e 1,3 bilhões de pessoas estavam em lockdown na Índia.
[10] O termo “quarentena”, do italiano quarentena, nasceu na Europa no século XIV quando o continente estava sendo atingido pela peste negra, ou peste bubônica. Essa doença devastou cidades e regiões inteiras com uma alta taxa de letalidade, dizimando cerca de um terço da população europeia. Diante desse cenário, foram adotadas medidas para conter sua transmissão. Em Ragusa (atual Dubrovnik, na Croácia), que pertencia à República de Veneza no século XIII, servia como um porto avançado de Veneza no Mediterrâneo. Durante a pandemia da peste bubônica, as autoridades decidiram que os navios deveriam ficar ancorados em alto mar no período de 30 dias antes de atracar no porto e desembarcar seus passageiros.
[11] A história se repete, infelizmente, as medidas sanitárias e o cumprimento de protocolos sanitários são indispensáveis. Embora a pandemia não tenha chegado ao fim e não existam medicamentos 100% eficazes ou vacina contra o novo coronavírus, os países que adotaram medidas de distanciamento social e/ou determinaram quarentena apresentam números de mortes mais baixos do que aqueles que não decretaram esse protocolo.