É inescusável que enfrentamos crise sanitária que deixa mazelas profundas na sociedade mundial, a qual se instalou em virtude da disseminação do SARS-CoV-2, que faz quantificar números catastróficos de mortes e coaduna no necessário isolamento social para redução da curva de contágio.

Como mencionado no artigo “CREDOR TAMBÉM SOFRE COM O CENÁRIO CAUSADO PELO COVID-19: LINHAS GERAIS”, muitos que se amoldam à mencionada figura protagonista daquele trabalho são alvejados com prejuízos financeiros e econômicos em decorrência do presumível crescimento dos inadimplentes, já que devedores acometidos com a redução de renda são impelidos ao não cumprimento das suas obrigações contratuais.

Diante, por exemplo, de perdas de postos de trabalhos, ausência de demanda ou insumos para continuarem com suas atividade, saltam aos olhos que inúmeros devedores sofrem com a diminuição da capacidade financeira e, por via de consequência, não veem alternativa senão inadimplir com contratos ou buscar renegociações de dívidas para garantia de suas necessidades básicas.

Nada obstante à indispensável complacência com tal situação, o que impõe a criação de diversas políticas públicas para mitigá-la, urge repisar que o credor claramente também é assolado com esse cataclismo.

Sem pretensão de medir sofrimento do credor e devedor para, assim, deixar sobressair a ótica com vistas em nossas fontes do direito, vale assegurar que é necessária ser tomada devida cautela, em especial na edição de normas legais, para não deflagar caos jurídico e social.

Assim, torna-se conveniente a análise de medida, prevista no Projeto de Lei nº 1.397/2020, que busca mitigar as consequências da Covid-19, qual seja a suspensão de ações judiciais executivas por 60 (sessenta) dias, conforme seu artigo 3º, cuja redação é:

“Art. 3º Durante o período de que tratam as Seções I e II deste Capítulo, ficam suspensas as ações judiciais, de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato, verificadas na vigência dos prazos mencionados nos arts. 4º, caput, e 5º, III, desta Lei”.

Vislumbra-se que, caso o Projeto de Lei venha a contemplar o ordenamento jurídico, restará conflito com a previsão contida no artigo 421, parágrafo único, do Código Civil, in verbis:

“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”

Portanto, veja que o dispositivo legal acima destacado evidencia o Princípio da Intervenção Mínima do Estado.

Nota-se que o suscitado princípio privilegia o Princípio da Obrigatoriedade, este que direciona as partes à obediência dos termos contratuais, isto que implica em assumir com os riscos do negócio jurídico.

Ocorre que o contrato, seja ele tácito ou expresso, exala o consenso das partes quanto aos termos ajustados, com isso, invoca-se o princípio consensualista que está, intimamente, relacionado àquele supra referido.

Insta pontuar, diga-se novamente que caso seja aprovado o estudado Projeto de Lei Ordinária, será imperioso se valer de critérios de interpretação para resolução da antinomia própria, o que ocorre quando norma contradiz outra, sendo os clássicos: hierárquico, cronológico e especialidade.

Com a aplicação de critério de interpretação, estar-se-ia diante de solução objetiva, contudo, o caso em tela exige análise subjetiva par se obter lídima justiça.

Nesta apreciação subjetiva, é importante ponderar, sobretudo, que a Administra Pública deve em toda sua atuação observar o Princípio da Supremacia do Interesse Público, decorrente dos princípios previstos no artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, inclusive no que tange o processo legislativo.

Neste contexto, não é eficaz suspender todas as ações executivas, visto que é impossível presumir que todos os devedores sofrerão com a crise.

Ademais, credores que integram relações contratuais podem se encontrar com situação financeira e/ou econômica ainda mais fragilizada que o devedor e, mesmo assim, pelo teor do dispositivo legal, aprofundará mais ainda na crise, enquanto a parte inadimplente, que sofrera menos, obterá desproporcional vantagem.

Mesmo que se trate de credor com grande estrutura, tem em sua cadeia produtiva diversos colaboradores e parceiros que, certamente, serão impactados com medida com esta em comento.

O ideal seria compulsar o caso concreto e, com a utilização das normas vigentes, o magistrado exercer seu juízo acerca da necessidade da suspensão da exigibilidade da dívida, como, por exemplo, em ação revisional verificar se presentes os requisitos para reconhecer a aplicação da Teoria da Imprevisibilidade.

Contudo, para total disparate, o artigo 3º do Projeto de Lei preceitua a suspensão, também, de ações revisionais, em violento arrepio até mesmo à lógica de eficiência e eficácia da medida.

Dessa feita, é nítido que medidas devem ser implantadas em diversos segmentos da relação privada para sustentar a sociedade frente aos exponenciais efeitos do Covid-19, entretanto, igualmente, deve haver coerência com nossas fontes do direito para não ocasionar maior instabilidade.

REFERÊNCIAS
[1] BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/Resolucao%20n%C2%BA%20851-CODEFAT.htm. Acesso em:16 de Maio de 2020.
[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em:16 de Maio de 2020.
[3] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 1.397/2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1872397&filename=PL+1397/2020. Acesso em: 27 de Abril de 2020.
[4] STEIN, Karolini Juvencio Keijok. Crise Econômica do País não Justifica a Aplicabilidade da Teoria da Imprevisão ou da Onerosidade Excessiva. Disponível em: https://jures.com.br/artigo-juridico/credor-tambem-sofre-com-o-cenario-causado-pelo-covid-19-linhas-gerais/. Acesso em:16 de Maio de 2020.