Resumo: O presente texto introduz os conceitos preliminares sobre os contratos internacionais e, ainda, o impacto da pandemia de Covid-19 na execução e manutenção desses pactos.
Palavras-Chave: Direito Internacional Privado. Direito Constitucional. Contrato Internacional. Pandemia de Covid-19. Comércio Internacional.
Autores:
José Luiz Messias Sales. Professor Universitário . Mestre em Direito das Relações Internacionais e a Integração. Advogado. Especialista em Direito Empresarial, Direito Processual Civil. Assessor do Instituto Jamil Sales (IJL). Autor da obra “Segurança Jurídica dos Contratos Comerciais no Mercosul. As Relações entre Brasil e Uruguai” E-mail: messiassales@terra.com.br
Gisele Leite. Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. 29 Obras Jurídicas publicadas. Presidente da ABRADE-RJ. Consultora IPAE. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ). E-mail: professoragiseleleite@gmail.com
De fato, com a intensa globalização, o comércio internacional é reconhecido como propulsor da economia mundial. E, assim com o aumento das relações comerciais globais, verifica-se também maior volume de contratos internacionais. E, sua negociação enfoca os contratos de compra e venda internacional.
Revisitando a evolução histórica do comércio internacional bem como os fundamentos da lex mercatoria[1], do direito e do comércio internacional e de formulação de contratos internacionais de comércio.
Os aspectos jurídicos de sua negociação implicam em detalhes de redação e formação e vigência dos contratos. Pode-se afirmar que no último século, a globalização acentuada passou a redimensionar as fronteiras existentes entre as esferas domésticas e as internacionais, alternando as concepções tradicionais seja do Direito ou das Relações Internacionais.
O que aponta para progressiva interdependência entre os países reflete-se também no aumento dos fluxos internacionais de bens, serviços, capital e conhecimentos.
O comércio internacional é reconhecido, então, como o verdadeiro motor da economia mundial. De acordo com Strenger (2003), representa manifestação social de elevada complexidade, impondo para sua instrumentalização a existência de uma série de estratégias e regras.
O direito dos mercadores é, assim, tão antigo quanto o próprio comércio. Ao lado dessas regras, observou-se o desenvolvimento de práticas comerciais difundidas e aceitas, cuja violação implicava a exclusão do comerciante do respectivo mercado. A este conjunto de regras denominou-se lex mercatoria.
A generalização da prática explica o nascimento das regras e as condutas isoladas se ampliam até que, por força espontânea, passam a exercer pressão sobre a coletividade, criando e formalizando normas do comércio internacional, diferentemente das normas estatais.
A criatividade inerente à lex mercatoria se torna realidade com o comportamento reiterado dos interessados diante dos mesmos fatos ou fatos novos, movidos pelo consenso que automaticamente vai se tornando uma regra.
O comércio internacional, com sua grande força de penetração, resultante do crescimento inevitável das relações mercantis, envolvendo a quase totalidade das nações, não poderia deixar de exercer sua influência sobre o direito, e sua presença se faz sentir porque os meios que tornam efetivas as operações concernentes, além de sua multiplicidade, são exigentes de técnicas próprias, seja sob o aspecto material, seja sob o aspecto jurídico.
O comércio internacional e a lex mercatoria, como instrumento de sua sistematização, devem ser estudados e analisados sem qualquer referencial com os sistemas locais, a fim de que a análise de seus elementos possa conduzir a uma interpretação autêntica, tomando como parâmetros as fontes diretas e explicativas de todos os mecanismos que circunscrevem os comerciantes às suas atividades.
O Direito do Comércio Internacional se confunde, pois, com a própria noção de lex mercatoria, configurando uma sistematização única, universal e dinâmica, que busca se moldar às crescentes transformações o comércio internacional.
Os contratos internacionais são consequência do intercâmbio entre Estados e pessoas, ou seja, do desenvolvimento do comércio internacional, em todas as suas formas, da multiplicação e celeridade dos meios de transporte e do incessante intercâmbio de mercadorias e serviços.
Caracterizam-se por sua extraterritorialidade, uma vez que extrapolam as fronteiras dos próprios Estados. Os contratos internacionais corporificam, na prática, as regras estabelecidas no âmbito da lex mercatoria.
O contrato em geral representa um acordo de vontades de duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. É um negócio jurídico bilateral, disciplinado pelo direito das obrigações que possui como elementos formadores, partes capazes, consentimento, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.
Assim, o contrato pode ser compreendido como a manifestação de vontade, tácita ou expressa, em que se revela a intenção de duas ou mais partes, capazes para contrair direitos e obrigações, tendo objeto lícito e forma contemplada ou não defesa em lei.
Verifica-se, então, que o contrato internacional tem elementos que o aproximam da definição nacional de contrato, uma vez que também é um acordo de vontades que visa colimar um objetivo.
Engelberg (2007) recorda que a diferença fundamental está no fato de que no contrato internacional as cláusulas concernentes à conclusão, capacidade das partes e o objeto se relacionam a mais de um sistema jurídico.
A pluralidade de sistemas jurídicos a que está sujeito o contrato internacional resulta em tentativas de homogeneizar o comércio internacional, e, neste contexto, a Comissão das Nações Unidas para Legislação Internacional do Comércio – UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law) vem imprimindo esforços para uniformizar algumas práticas, como, por exemplo, através da Convenção Relativa à Lei Uniforme para a Venda de Mercadorias e a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional.
Oportuno apontar que Garcez (1994) assevera ainda a contribuição de alguns organismos privados internacionais, como a Câmara de Comércio Internacional (International Chamber of Commerce – ICC) que, com a finalidade de fornecer um conjunto de regras internacionais confiáveis para a utilização e interpretação dos termos negociais que envolvem as responsabilidades das partes quanto à entrega, embarque e transporte de mercadorias, vem, desde 1936, publicando e atualizando os INCOTERMS (International Rules for Interpretation[2] of Trade Terms). Em todo este contexto,
vislumbra-se a crescente autonomia técnica dos contratos internacionais, principalmente a partir da consolidação da teoria da lex mercatoria.
As cláusulas são preceitos, disposições ou condições que fazem parte de um documento, escritura ou contrato. Nos contratos internacionais são gerais e específicas. Strenger (2003) ainda explica que a especificidade dos contratos internacionais reside na peculiaridade do tratamento que recebe seu conteúdo, através de cláusulas quase sempre de caráter particularizantes.
Ressalta, ainda, que as cláusulas se situam como verdadeiros alicerces de sustentação, permitindo sedimentar metodologicamente os critérios interpretativos dos contratos internacionais.
Neste sentido, como existe a possibilidade de aplicação da lei de mais de um país, levanta-se a questão da escolha da lei aplicável pelas partes aos contratos internacionais e do princípio da autonomia da vontade.
É curial, rapidamente, esclarecer que a autonomia da vontade no Direito Internacional Privado, utilizada nos contratos internacionais, nada tem a ver com o que os civilistas gostam de chamar de “autonomia privada”, e que diz respeito à faculdade das partes de contratar.
No âmbito do Direito Internacional Privado, autonomia da vontade significa permitir que as partes escolham a lei aplicável ao contrato internacional. Essa possibilidade só existe no contrato internacional, pois nos contratos internos não é possível determinar qual o sistema jurídico que vai resolver suas questões.
No contrato internacional[3], devido a sua característica de estar ligado a mais de um sistema jurídico, é preciso saber qual a lei aplicável. A crescente preocupação da comunidade internacional com a harmonização e uniformização dos conflitos de lei na área dos contratos internacionais justifica-se por ser esta uma área do direito de vital interesse para possibilitar o incremento do comércio mundial.
Antigamente entendia-se que dar às partes a faculdade de escolher a lei aplicável era dar-lhes um poder quase legiferante, que só caberia aos Estados. No entanto, esta posição ficou isolada com o passar dos anos. Contemporaneamente, entende-se que a autonomia da vontade nos contratos internacionais se estende até esse ponto justamente por causa de suas características especiais.
Há duas correntes sobre o princípio da autonomia da vontade[4], uma que nega em absoluto a possibilidade de uma vontade superposta à lei; e a outra que admite o princípio com restrições.
Porém, Strenger (2003) acredita ser incontestável o princípio da autonomia da vontade, uma vez que existe a pressão do comércio internacional e que se apresenta como único obstáculo à sua predominância, a ofensa à ordem pública. No sistema da common law, há a figura da “proper law”[5] do contrato, segundo o qual examinando-se o caso concreto chega-se à lei de regência do contrato.
No Direito brasileiro, o art. 9° da Lei de Introdução ao Código Civil regula a questão das obrigações determinando que in litteris:
“Art. 9°. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
- 1°. Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
- 2°. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”
A análise do art. 9° causa muita polêmica entre os doutrinadores. Neste sentido, alguns autores afirmam prevalecer no Brasil a autonomia da vontade, argumentando que o direito brasileiro sempre adotou o princípio em matéria de obrigações contratuais.
Outra corrente coloca que não se pode concluir pela existência da autonomia da vontade para a indicação da norma aplicável no Direito Internacional Privado brasileiro. Fica às partes facultado unicamente o exercício da liberdade contratual na esfera das disposições supletivas da lei aplicável, por poderem determinar a “lex loci contractus“, configurando, então, uma “autonomia da vontade às avessas”.
Alguns sistemas jurídicos estabelecem restrições ao princípio da autonomia contratual, como é o caso, do ponto de vista formal, do sistema jurídico positivo brasileiro. Há também restrições parciais. Alguns limitam a escolha a uma lei que tenha inevitavelmente relações com as partes ou com as transações. Outras limitam essa possibilidade à lei nacional ou domiciliar das partes.
Com relação à cláusula de lei aplicável, alguns sistemas jurídicos permitem ainda o chamado dépeçage ou fracionamento[6], que pode ser compreendido como um mecanismo pelo qual um contrato ou uma instituição é dividida em diferentes partes, que serão, cada uma delas, submetidas a leis diferentes.
Pode ocorrer em dois níveis. No primeiro, pelo próprio sistema de Direito Internacional Privado, pois a substância pode ser regida por uma lei, enquanto a forma e a execução serão regidas por outra.
No segundo, o dépeçage decorre da própria autonomia das partes que têm a faculdade de determinar mais de uma lei aplicável ao contrato.
Em síntese, a cláusula da lei aplicável é fundamental nos contratos internacionais, uma vez que estes se caracterizam por sua ligação com mais de um sistema jurídico. No Brasil[7], as discussões sobre interpretação, validade ou execução do contrato que se travem perante juízes brasileiros terão como aplicável a lei do local de formação do contrato.
A cláusula de força maior é exoneratória de responsabilidade em caso de inadimplemento de um contrato internacional. O capítulo 7 do documento elaborado pela UNIDROIT sobre os Princípios dos Contratos Comerciais Internacionais define o inadimplemento como a falha por uma parte de adimplir qualquer de suas obrigações – principais, acessórias, laterais – de acordo com o contrato (Souza Jr., 2002; Amaral, 2004).
Desta forma, o inadimplemento[8] de um contrato internacional representa o incumprimento de qualquer obrigação, não importando a sua categoria, que impeça a realização dos fins econômicos buscados pelas partes. No caso de força maior, ocorre a impossibilidade sem culpa.
Pondera-se que a necessidade da cláusula de força maior, na generalidade dos contratos internacionais do comércio é fato incontroverso.
Contudo, essa cláusula tem suscitado inúmeras discussões. As definições mais singelas da força maior vinculam-se aos fenômenos da natureza, às guerras, à política, com pequenas variações nos textos, sempre em torno dessas realidades, que não têm sido, porém, suficientes para satisfazer muitos dos prejudicados que acabaram alargando a discussão jurisprudencial sobre o problema.
Do ponto de vista prático, durante o processo de negociação, os contratantes e os assessores jurídicos esmeram-se no sentido de fechar o cerco da exoneração da responsabilidade, procurando ser cada vez mais explícitos e taxativos na enumeração das circunstâncias.
Sendo assim, nestes casos, as partes não serão responsáveis por qualquer inexecução do contrato resultante de eventos de força maior, ou seja, toda e qualquer circunstância independente da vontade das partes, imprevisível e inevitável que impeça, total ou parcialmente, a execução temporária das obrigações assumidas
Importa ressaltar que não basta alegar que o acontecimento tenha impedido, como força maior, o cumprimento contratual. É necessário demonstrar que foram diligenciadas providências mostrando que as partes realmente fizeram todo o esforço para evitar as consequências do evento.
Os contratos internacionais estabelecem que o credor deve ser notificado num certo prazo, de acordo com os meios contratualmente fixados, de modo que se possibilite, ao credor, cooperar nos esforços pela recuperação da normalidade e preservação do que possa ser preservado. Geralmente, ao ocorrer o evento de força maior, a parte afetada deverá notificar a outra parte, no prazo máximo de cinco dias da ocorrência do evento.
Essa notificação deve conter também um relato da execução do contrato que foi comprometida pelo evento de força maior e proporá
uma alternativa para a execução do contrato tão logo possível. A parte afetada tentará sanar ou corrigir tal evento de força maior e retornar ao cumprimento deste contrato dentro do menor período possível.
Quando não há possibilidade de retornar ao cumprimento do contrato ocorre a rescisão contratual, com a ausência de responsabilidade do devedor pela inexecução de seu objeto.
Outra cláusula relevante nos contratos internacionais é a de hardship. A cláusula de hardship[9] implica na revisão ou renegociação de contratos de longo prazo. Esta cláusula surgiu no comércio internacional quando as flutuações do sistema econômico e monetário se tornaram maiores.
Quando se compara as cláusulas de força maior e hardship, observa-se que ambas têm em comum o fato de se ligarem a superveniência de fatores imprevisíveis e inevitáveis.
No entanto, a hardship é dirigida às mudanças econômicas, o que tornariam o respeito ao contrato impossível ou mesmo inútil. Já a força maior implica na suspensão do contrato ou na sua resilição definitiva.
Outra cláusula bastante utilizada no passado é a de estabilização. De acordo com a cláusula de estabilização, a lei aplicável ao contrato será sempre a do momento da celebração, mesmo que esta seja alterada.
Foi concebida para Estados autoritários e está intrinsicamente ligada à doutrina do ato jurídico perfeito, preconizada pelos legisladores franceses. Para estes, o contrato torna-se um ato jurídico perfeito no momento de sua celebração. Na prática atual, é pouco inserida nos contratos internacionais.
A respeito das cláusulas de solução de controvérsias e de fecho, podem ser previstas meios administrativos como a negociação direta, a mediação e a conciliação.
Entretanto, os meios mais utilizados para a solução de controvérsias são os jurisdicionais que englobam o recurso à arbitragem internacional ou à jurisdição estatal. Pode ocorrer que os contratantes não estabeleçam explicitamente a que regras legais se subordinam, e nem designem jurisdição competente. Essa lacuna contratual pode apresentar problemas no momento do litígio.
Para evitá-los, é prudente incluir no contrato internacional do comércio a cláusula atributiva de competência, que determina, implicitamente a jurisdição competente, denominada cláusula de eleição de foro[10].
No Brasil, a eleição do foro tem sido respeitada nos contratos internacionais, havendo em abono dessa possibilidade inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal[11].
Por outro lado, nem todos os países admitem a cláusula de eleição de foro. Irineu Strenger (2003) cita que a Bélgica, Holanda, Marrocos, Austrália e Nova Zelândia proíbem a eleição de foro nos transportes marítimos.
As principais vantagens apontadas entre o processo de arbitragem internacional e a submissão da controvérsia ao Judiciário consistem em evitar as cortes judiciárias e seu eventual congestionamento, podendo assim a arbitragem ser mais rápida e, além disso, oferecer um tratamento confidencial ao conflito, resguardando segredos comerciais e industriais, o que não ocorreria num processo submetido ao Judiciário.
Além das vantagens supracitadas, para os negócios internacionais a arbitragem apresenta a vantagem de poder ser desempenhada num país neutro, livre de eventuais preconceitos e condicionamentos frequentemente encontráveis em cortes locais, possibilitando aos juízes arbitrais uma aplicação mais isenta da lei ao fundo da causa, na pesquisa da conexão mais apropriada ao contrato, quando as partes não tenham designado a legislação de regência do contatou o tenham feito imperfeitamente.
São ainda cláusulas de fecho dos contratos internacionais, a cláusula de sigilo, em que as partes, por exemplo, se comprometem a não divulgar qualquer fato, informação, conhecimento técnico ou transação prevista no contrato a qualquer terceiro sem o consentimento prévio da outra parte.
Há também a cláusula de notificações, determinando a forma de notificação entre as partes, bem como nomeando os procuradores para receber quaisquer notificações, comunicações e avisos referentes ao contrato. As partes também devem determinar a vigência e término do contrato.
O fim do século XX representou o palco para a intensificação sem precedentes das relações transnacionais, notadamente das relações comerciais internacionais. Neste contexto, os contratos internacionais, que praticamente oficializam as relações comerciais, são de fundamental importância. Considera-se internacional, o contrato potencialmente vinculado a mais de um ordenamento jurídico.
Desta forma, os negociadores dos contratos internacionais devem se atentar para a cláusula de lei aplicável, verificando as possíveis consequências desta escolha para as partes. Enfatizou-se também as cláusulas contendo as modalidades de pagamento, a cláusula de força maior, cláusula de hardship[12], cláusula de estabilização, cláusulas de solução de controvérsia e as cláusulas de fecho.
A partir da ratificação da CISG[13], o Brasil e todos os outros Estados signatários buscam uma uniformização das normas sobre as tratativas de compras e vendas internacionais de mercadorias. Assim, os contratos de compra e venda que forem celebrados serão regidos pelas disposições contidas nesta Convenção.
O impacto do surto de coronavírus[14] em um negócio específico e suas respectivas relações contratuais, é necessária uma análise específica dos fatos[15]. As empresas interessadas devem consultar com seus advogados a respeito dos direitos e obrigações resultantes de seus contratos, instrumentos de financiamento e legislação aplicável, inclusive em relação aos requisitos de aviso e notificação, o impacto potencial em outros contratos, cobertura securitárias e dever de divulgação de informações.
Referências
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[1] A “lex mercatoria” é feita de regras costumeiras de direito material: elas se aplicam a uma relação que contenha um elemento de estraneidade sem passar pelo método do conflito de leis que, desde Savigny, caracteriza o direito internacional privado. A lex mercatoria possui grande importância no panorama do comércio internacional contemporâneo, haja vista que as suas fontes se apresentam como subsídios para a solução dos litígios entre as partes envolvidas nas relações negociais. Todavia, sabe-se que a Lex Mercatoria teve origem com a expansão do comércio internacional marítimo, nascendo das feiras da Idade Média, como forma de réplica aos direitos feudais, que, com suas prerrogativas, somente atrapalhavam as relações comerciais da época É certo que a Lex Mercatoria teve como predecessora a Lex Rhodia de Jactu, sendo esta, nas palavras de Trakman “um conjunto de leis marítimas utilizado por gregos e romanos entre os séculos III e II a.C.” (1981, p. 153) Muito embora as negociações no âmbito do comércio internacional sejam pacíficas, em razão dos inúmeros fatores que a circundam, bem como em razão da conexão feita entre pessoas de culturas diferentes, ocasionalmente surgem contendas.
[2] Deve-se considerar que em qualquer uma das três hipóteses poderá surgir divergências quanto à interpretação dos contratos internacionais, especialmente, se as partes provierem de nações que adotam distintos sistemas jurídicos. Deste modo, a solução que minimizaria problemas seria, apesar do seu alto custo, a versão do contrato nas línguas de ambos os contratantes, servindo as duas versões simultâneas como instrumentos válidos e originais para a interpretação do instrumento jurídico.
[3] O direito internacional privado, via de regra, não fornece uma noção de contrato internacional que leve em consideração todos os seus aspectos, preocupando-se apenas com sua conexão a determinada ordem jurídica, nacional ou internacional. A disciplina, tem deixado de lado qualquer exame relativo ao seu conteúdo, como se o contrato internacional consistisse em mera projeção externa da categoria equivalente encontrada no direito interno.
“O que caracteriza o contrato internacional é a presença de um elemento de estraneidade que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais. Por exemplo, basta que uma das partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou que um contrato seja celebrado em um país, para ser cumprido em outro. Nesses casos, as partes podem procurar prever situações futuras, estabelecendo regras de direito substantivo no bojo do contrato, para resolver essas situações, e ainda procurar determinar onde e como o litígio dali decorrente será julgado através de cláusulas de foro e de arbitragem.”.
[4] O maior sustentáculo da lex mercatoria é a autonomia da vontade, porquanto ela se revela, a cada passo, mais atuante e mais receptiva, não só pela doutrina e jurisprudência, como pelo próprio direito positivo dos diferentes países. Não há como negar que a ordem pública interna pode constituir obstáculo ao exercício da autonomia da vontade; mas, por outro lado, impõe-se considerar que as atividades concernentes ao comércio internacional são fortemente refratárias à ordem pública. O processo de isolamento do comércio internacional continua, deve-se convir que começam a esboçar-se fortes tendências, nos direitos internos, em favor de liberação cada vez maior da vontade como fator inconstitucional de realização do direito.
[5] Desenvolvido nas cortes inglesas no século XIX, o princípio da autonomia da vontade teve sua aplicação fixada no momento da escolha da lei aplicável ao determinado contrato, momento em que as cortes começaram a aceitar a vontade das partes contratantes. É, em suma, a lei que as partes pretendem aplicar ao contrato em desenvolvimento. A intenção deve ser reconhecida pela intenção expressa no contrato, que deve ser conclusiva. Se nenhuma intenção for expressa, esta será presumida pela corte através dos termos do contrato e suas circunstâncias relevantes. Ou, ainda, determinará a proper law, que em tradução livre, compreende a “legislação mais apropriada”, cujas partes teriam escolhido, quando da conclusão do contrato.
[6] O contrato internacional, caracterizado também por compreender uma situação jurídica complexa, apresenta diversos aspectos conflitantes sobre o aspecto da lei aplicável a determinado assunto contido no contrato, de forma que não podem ser tratados em conjunto, motivo pelo qual denominamos esta ocorrência pelo termo “depeçage”, que seria o fracionamento, divisão do contrato em partes, onde se permite a aplicação da vontade das partes, porém com certos limites, tendo a intenção que sob esse ponto de partida, seja possível impulsionar os negócios jurídicos de cunho internacional, para que realmente apresentem resultado. A esse direito que parte como princípio do conjunto de costumes do comércio internacional, dá-se o nome de Lex Mercatória.
[7] Nos casos de competência exclusiva da jurisdição brasileira (art. 23), eventual cláusula de eleição de foro será ineficaz perante a jurisdição nacional, já que não se admite a derrogação de competência nesses casos e a sentença estrangeira que versar sobre essas matérias não atenderá aos requisitos de homologação do Superior Tribunal de Justiça. Cláusulas de eleição de foro em contratos internacionais, ademais, devem observar o disposto no art. 63 do Código, ou seja, referida cláusula deverá constar de instrumento escrito e se referir expressamente a determinado negócio jurídico; o foro escolhido vinculará os herdeiros e os sucessores das partes; o juiz poderá conhecer de ofício a ineficácia da cláusula, se abusiva, antes da citação do réu; e, uma vez citado, como visto, incumbe ao réu alegar a existência dessa cláusula em preliminar de contestação, sob pena de preclusão. O indeferimento da petição inicial, em virtude de uma cláusula de eleição de foro estrangeiro, portanto, apenas poderá ocorrer nos casos em que se constatar a abusividade de referida cláusula. Em hipótese diversa, deverá se proceder à citação do réu.
[8] Havendo, portanto, o descumprimento, a execução do contrato é a medida cabível sob o prisma jurídico nos moldes do direito internacional privado. Eis então, há de se analisar os seguintes aspectos 1) a legislação aplicável ao caso; 2) se há cláusula de foro eleito pelas partes; 3) se há tratado internacional assinado pelos países das partes do contrato; 4) o objeto (se é fungível ou infungível); 5) soluções alternativas de conflito como a arbitragem; Note-se que, ainda que no âmbito comercial internacional, há também de se falar no princípio da pacta sunt servanda que implica em dizer que o contrato obriga as partes nos limites da lei, e, por sua vez, lembrar que a ordem jurídica internacional impõe limitações de jus cogens, as leis imperativas do direito internacional, conforme dispõe o art. 54 e 64 da Convenção de Viena de 1969. (In: Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm Acesso em 08.02.2022)
[9] O termo “hardship” significa na prática contratual internacional a alteração de fatores políticos, econômicos, financeiros, legais ou tecnológicos que causam algum tipo de dano econômico aos contratantes. A cláusula de hardship apresenta-se ao direito contratual como instrumento de conservação do negócio jurídico. Hardship na prática contratual internacional significa a alteração de fatores políticos, econômicos, financeiros, legais ou tecnológicos que causam algum dano econômico aos contratantes. É fato que toda crise econômica traz consigo a recessão, que por sua vez gera insegurança e incerteza sobre as relações contratuais. Por este motivo, faz-se imprescindível, nos contratos internacionais, a previsão da cláusula de Hardship.
[10] A cláusula de eleição de foro estrangeiro presente em contratos internacionais não excluiu a possibilidade de ajuizamento de ação perante a Justiça brasileira. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu recurso de uma empresa de engenharia brasileira contra a República da Argentina. O STJ já tem precedentes sobre o tema. Em 2007, a empresa ganhou licitação internacional para construir a nova sede da embaixada da Argentina em Brasília. Porém, quando a obra estava quase terminada, o Ministério das Relações Exteriores da Argentina promoveu modificações contratuais que a empresa considerou abusivas. Em razão da discordância entre as partes, os 5% restantes do empreendimento não foram concluídos. Temendo a rescisão unilateral do contrato, a empresa ajuizou ação cautelar no Brasil. O juízo de primeiro grau declarou a incompetência do Judiciário brasileiro em virtude da cláusula que elegia a Justiça argentina para resolver os conflitos resultantes do contrato. Ao mesmo tempo, extinguiu a ação sem julgamento de mérito sob o fundamento de não ser possível declinar da competência em favor da Justiça argentina. No recurso ao STJ, a empresa pediu a cassação da sentença.
[11] A Súmula 334 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que é válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato, aplica-se a ambas as espécies contratuais. Nos contratos internacionais, a eleição de foro encontra alguns óbices. O principal deles diz respeito à competência jurisdicional do local em que se pretende executar a decisão judicial proferida. A eleição de foro só tem valor se a decisão extraída da jurisdição eleita puder ser homologada e executada perante a jurisdição na qual se pretende executá-la.
[12] Se um evento não chega a configurar força maior, mas ainda assim gera uma onerosidade excessiva – ou torna impossível– o cumprimento das obrigações por uma das partes, as tutelas jurisdicionais disponíveis à parte interessada variam de maneira substancial entre diferentes jurisdições. De acordo com a lei do Estado de Nova Iorque, da lei inglesa, e da lei de Hong Kong a possibilidade de aplicação de defesas baseadas em “frustração do objeto do contrato” e/ou “impossibilidade de cumprimento” é limitada e requer avaliar a) se o objeto do contrato ou os meios para cumpri-lo foram afetados de maneira que o seu cumprimento se tornou objetivamente impossível e; b) se o objetivo principal do contrato se tornou impraticável ou radicalmente diferente do que fora concebido pelas partes, tornando-se física ou economicamente impossível de cumprimento. Casos envolvendo a alegação de frustração do objeto do contrato regidos pela lei inglesa raramente são bem-sucedidos. Um recente julgado da High Court da Inglaterra concluiu que o Brexit não tornaria impraticável um contrato de locação com duração de 25 anos celebrado pela Agência Europeia de Medicamentos em relação a suas instalações em Canary Wharf¸ Londres, muito embora a agência seja forçada a realocara sua estrutura para um Estado Membro da União Europeia.
[13] A Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em inglês, ou CVIM, na sigla em francês). A Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias ou Convenção de Viena de 1980, também chamada por parte de suas iniciais – CISG, aplica-se à venda internacional de mercadorias. Como muitos tratados e convenções internacionais, levou bastante tempo para ser implementada no Brasil.
[14] O abalo na economia mundial em virtude do COVID-19 é a necessidade de revisitar inúmeros contratos internacionais, especialmente de compra e venda de mercadorias e insumos que, certamente serão descumpridos – ou cumpridos parcialmente – seja em virtude de paralisações na cadeia produtiva de suprimentos (supply chain), que impactam exportação de produtos e importação de insumos, ou ainda devido às dificuldades de logística relacionadas ao despacho/embarque, por avião ou mesmo navio, de tais insumos.
[15] A teoria da imprevisão, cuja formas de utilização é basicamente(a) a imprevisibilidade de circunstância capaz de alterar o equilíbrio contratual e (b)essa imprevisibilidade com repercussão excessivamente onerosa para uma das partes. Para que se fale em teoria da imprevisão e na necessidade da revisão contratual, ambas os pressupostos devem estar presentes. Caso exista apenas o primeiro, o caso não é de imprevisão ou revisão, mas de total impossibilidade de execução do contrato por motivo de força maior; ocorrendo apenas o segundo pressuposto, o caso deixa não merece revisão e o contrato pode ser executado, o que ocorreu terá sido a falta de preparo ao contratar (culpa in contraendo), que não exclui a responsabilização.