Participação Especial: Dra. Teresa Cristina Pasolini – Procuradora do Município de Vitória/ES – OAB/ES 6.688.
Introdução
A Lei nacional de licitação, a saber, a 8.666, data de 1993 e o Projeto de Lei que ainda hoje tramita para substituí-la veio apenas dois anos depois. É isso mesmo: em 1995 já tramitava o PL 1292. Como ao longo de sua tramitação surgiram as Leis 10.520/2002 (pregão eletrônico) e a 12.462/2011 (instituiu entre nós o Regime Diferenciado de Contratação ou simplesmente RDC), atualmente o PL 1292/95 pretende substituir tanto a 8.666/93, quanto a 10.520/2002, além de alterar dispositivos da Lei 12.462/2011.
Em 10 de outubro de 2019 o PL 1292/95, com votação concluída na Câmara, foi encaminhado ao Senado. Espera-se que, passada a pandemia causada pelo coronavírus, a referida Casa Legislativa vote o texto recebido.
Desde sempre, fala-se que um dos entraves da Administração Pública brasileira reside nas muitas linhas e inúmeras entrelinhas do processo de licitação, do qual nenhum CNPJ público escapa, já que a Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, assim o determina.
Portanto, poderíamos acreditar que uma norma há tanto tempo gestada e cujo nascimento (espera-se alguns) esteja perto, poderia representar a maior agilidade tanto desejada para os inúmeros processos de aquisição de produtos e de serviços pelo Poder Público. Será mesmo?
Possíveis inovações com o advento de uma lei nova
Vejamos alguns pontos, sem nenhuma pretensão de esgotar as inovações:
- na concorrência, além dos critérios já conhecidos de menor preço e técnica e preço, teremos “melhor técnica ou conteúdo artístico”, “maior retorno econômico” e “maior desconto” (art. 6º, XXXVIII). Pode-se imaginar as várias interpretações que já surgem sobre o que vem a ser “maior retorno econômico” ?, e depois, não querem que o Supremo se arvore de Legislador.
- Prosseguindo, temos o art. 11, cujo inciso I, prevê: “ Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos: I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;”. Aqui já podemos supor que quando qualquer Ente Público, do Município do interior à Universidade Federal, pretender adquirir resmas de papel A4, por exemplo, provavelmente, terá que fazê-lo pelo objeto derivado de material reciclável. Mais confusões à
- Há de se elogiar a inversão das fases da licitação como regra, ou seja, a princípio, a apresentação da proposta dar-se-á antes da habilitação (art. 17).
- Já no art. 19, II, temos a interessante possibilidade de que o Ente Público licitante possa “criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;” figura esta cujo conceito encontra-se no art. 6º, LI (“catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras: sistema informatizado, de gerenciamento centralizado e com indicação de preços, destinado a permitir a padronização de itens a serem adquiridos pela Administração Pública e que estarão disponíveis para a licitação;).
- Perfilhando a linha de que “o ótimo é inimigo do bom”, no § 1º do mesmo art. 19, temos que “O catálogo referido no inciso II do caput deste artigo poderá ser utilizado em licitações cujo critério de julgamento seja o de menor preço ou o de maior desconto e conterá toda a documentação e os procedimentos próprios da faseinterna de licitações, assim como as especificações dos respectivos objetos, conforme disposto em regulamento.”
- Em regra, o preço pago para a aquisição de produtos e serviços será balizado por “preços constantes de bancos de dados públicos” (art, 23)
- Para os demais Entes Federados, o § 3º do mesmo art. 23 confere alguma liberdade, ao estabelecer que “o valor previamente estimado da contratação a que se refere o caput deste artigo poderá ser definido por meio da utilização de outros sistemas de custos adotados pelo respectivo ente ”
- A partir do início da vigência da esperada lei nova de licitações, as modalidades de licitação passarão a ser as seguintes: pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo (art. 28).
Outras observações sobre o projeto em tramitação
Contando com 190 (cento e noventa) artigos, a esperada nova lei de licitações tem o mérito de reunir, num único texto, a diretriz, mais ou menos rígida, dos procedimentos de aquisição de bens e serviços pelo Estado (sentido lato), incluindo aqui o pregão, normalmente por meio eletrônico, detalhando-se melhor o registro de preços, substituindo ainda os dispositivos da lei Federal 12.462 ̸ 2011que tratavam do Regime Diferenciado de Contratação.
Onde estaria a tão desejada diminuição da burocracia pública para a aquisição de carteiras escolares, galões de água mineral ou respiradores para pacientes internados nas UTI’s dos hospitais públicos?
Por mais que o leitor se esforce, não encontrará resposta positiva para esta pergunta.
Daí surgiu a necessidade de partilhar neste artigo nosso pensamento de que, com alterações pequenas e pontuais na Lei Federal 8.666 ̸ 93, já teríamos no Brasil processos mais ágeis, transparentes e eficazes de compra pelo Poder Público, cumprindo-se os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Modificações sugeridas na Lei 8666/93 para eficiência e transparência
Assim, o atual art. 34 da Lei 8.666 ̸ 93 (“Art. 34. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública que realizem freqüentemente licitações manterão registros cadastrais para efeito de habilitação, na forma regulamentar, válidos por, no máximo, um ano.”), passaria, por exemplo, a contar com a seguinte redação:
“Art. 34. Para os fins desta Lei, a União, através da Controladoria- Geral, manterá em seu sítio eletrônico, lista de preços de bens e serviços comuns, contendo o valor médio, por região, atualizada, no mínimo, semestralmente, na forma disposta em regulamento.”
Já o § 2º (“É facultado às unidades administrativas utilizarem-se de registros cadastrais de outros órgãos ou entidades da Administração Pública.”), passaria a viger assim:
“§ 2º – É facultado às unidades administrativas utilizarem-se de listas de preços próprios, sendo vedado, no entanto, dispender, na compra de bens e de serviços, valor acima daquele disponibilizado no sítio eletrônico da Corregedoria-Geral da União para a região respectiva.”
O art. 38 da Lei 8.666 ̸ 93 ganharia o art. 38-A, assim disposto:
“Art. 38-A – Como procedimento preparatório à licitação, o órgão licitante preencherá a intenção de compra, no modelo que segue, em plataforma eletrônica a ser disponibilizada pela União e cedida aos demais Entes Federados, conforme regulamento.
Órgão Licitante |
Objeto | Destinação | Quantidade |
Lista de Preço |
Imaginem uma plataforma eletrônica única, cujo link para acesso estaria na página inicial dos sítios eletrônicos de todos os Entes Públicos brasileiros, com navegação fácil e intuitiva, e, o melhor, uniforme!
Evidentemente, não é pretensão deste artigo esgotar a sugestão que ele contém. Entretanto, é preciso gritar e repetir, incessantemente, como um mantra: É PRECISO INFORMAR O QUE SE QUER COMPRAR, A FINALIDADE (DESTINAÇÃO) E O PREÇO MÁXIMO QUE SERÁ PAGO AO FIM DO PROCESSO DE LICITAÇÃO, de modo simples, objetivo, e, mais importante que tudo, UNIFORME para todo e qualquer órgão público submetido à licitação.
Somente assim, o controle dos processos de aquisição de bens e serviços será passível de ser exercido por todos que o desejar, seja um órgão institucional de controle, seja a sociedade civil.
À guisa de conclusão
Chamamos, pois, atenção para o óbvio: de pouca valia terá nova lei de licitação que não traga em seu bojo, a uniformidade e a clareza das informações. Afinal, quanto menos intuitivo for o caminho para que qualquer cidadão, com acesso à internet, possa acompanhar o caminho do gasto público, a tendência é que o percurso, ao invés de vir a ser simplificado, fique mais rebuscado, e, provavelmente, com mais oportunidade para que desvios financeiros aconteçam.
Autora: Dra. Teresa Cristina Pasolini – OAB/ES 6.688.
Artigo enviado por e-mail em 08 de Julho de 2020 via e-mail: revisao@jures.com.br