A crítica a Machado de Assis por Sílvio Romero

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Resumo: Ao propor a literatura crítica no Brasil, Sílvio Romero estabeleceu novas alternativas para leitura dos pensamentos e da ficção. E, a partir dele, abriu-se a crítica no interior de si mesmo, numa autorreflexão, bem peculiar à modernidade, que faz questionar o papel da literatura na sociedade do século XIX e na atual contemporaneidade.

Palavras-chave: Crítica literária. literatura brasileira. Machado de Assis. Sílvio Romero. Ideologia.

 

 

 

A luta por uma identidade nacional em nosso país foi feita com auxílio de ideologias europeias, particularmente de França. Aliás, o início real de nossa colonização deve-se à Napoleão Bonaparte [1] ao decretar o bloqueio continental. Os críticos literários tiveram especial destaque ao se dedicarem à polêmica sobre tais ideias importadas, sem a devida reflexão sobre o que viria ser e, ainda analisar seu papel na sociedade do século XIX.

Um dos mais importantes críticos literários foi Sílvio Romero, e nos ataques feitos à Machado de Assis que percebendo o vazio dessas polêmicas, e passou a se dedicar a fazer literatura crítica.

Descemos ao abismo numa espiral com ciclos contínuos em torno da mesma temática quando observamos os principais críticos literários e, por vezes, há a total ausência de reflexão sobre o pensamento crítico daquele momento no Brasil, que leva os nossos intelectuais recaírem em polêmicas infindáveis, sem preencherem o vazio produzido justamente pela falta de leitores.

O mais famoso caso de Machado de Assis, sejam por conta dos ataques ou na defesa do autor de Dom Casmurro, há um discurso imbuído de ideologias importadas do Velho Continente. Sendo interessante notar que na leitura do Bruxo do Cosme Velho feita por Sílvio Romero dá para visualizar as justificativas de ele ser considerado o “papa da crítica brasileira a Machado de Assis”.

Apesar de que em 1879, o Bruxo em seu artigo “A Nova Geração”, onde criticou o estilo de Sílvio Romero. In litteris:

“Refiro-me ao estilo, condição indispensável do escritor, indispensável à própria ciência – o estilo que ilumina as páginas de Renan e de Spencer, e que Wallace admira como uma das qualidades de Darwin” (MACHADO DE ASSIS, 1944, p. 195).

Percebe-se, neste texto de Machado demonstrou a consciência da importância do papel primordial que o estilo representa na retórica da crítica, na arte de convencer o leitor.

É pela força do discurso que historiadores, cientistas e homens de ideias em geral difundem o seu pensamento e tentam influenciar os seus leitores. Isto é ainda mais verdadeiro quando se trata do ficcional, pois, segundo o nosso autor, o estilo é condição indispensável. E, ele não o reconhece em Sílvio Romero.

Eis o pavio que aceso fez explodir toda fúria de Sílvio Romero que passou a atacar não apenas o romancista, mas todo aquele que ousasse defendê-lo. E, em inúmeros artigos vindo até publicar um livro dedicado à crítica de Machado de Assis, travando-se um duelo de retórica com que se divertida a intelectualidade brasileira, tão herdeiras de teorias francesas, indo até a questão da problemática do racismo determinista [2].

Sílvio Romero chega a chamar Machado de Assis de mau poeta. Na poesia brasileira ele não foi um abridor de caminhos, bem ao contrário, foi um espírito submisso e continuador de trilhas conhecidas (Romero, 1936, prefácio). Chegando a concluir que Machado tem sido elogiado, porém, não tem sido estudado.

Um questionamento é providencial é sobre a reflexão sobre a função do crítico, visto tanto naquela época como atualmente, como aquele que guia e dirige, marcando lugares e definindo determinadas funções.

Porém, se continuarmos a leitura do texto citado, veremos que ele contém uma definição bastante significativa do que seria ‘estudar’ para Sílvio Romero: ler à luz dos três fatores – meio, raça e momento –, responsáveis pela orientação normal de seu talento, ou seja, uma concepção absolutamente determinista do que seria a criação artística.

Nesta linha, Romero adota o chamado ‘critério nacionalístico’ para julgar o nosso romancista pois, segundo ele, (…) Machado de Assis não sai fora da lei comum, não pode sair, e aí dele, se saísse. Não teria valor. Ele é um dos nossos, um genuíno representante da sub-raça brasileira cruzada, por mais que pareça estranho tocar neste ponto (ROMERO, 1936, p. 28).

Percebe-se nitidamente a tentativa de enquadramento de Machado de Assis a um brasilidade, o que lhe deu o direito de escrever com humor e ironia. A contestação do determinismo biológico reinante no âmbito dos debates sobre o futuro do Brasil até os anos 30 do século XX conforma o núcleo da defesa da mestiçagem feita por Freyre. Esse autor reconstrói, a propósito, o processo de constituição do Brasil desde o período colonial e mostra que a nação brasileira, a despeito da escravidão e da dizimação de povos indígenas, representa o encontro efetivo de três grupos humanos, os quais se encontram numa relação de complementaridade entre si.

Assim ter-se-ia constituído uma “brasileiridade” – unidade da diversidade -, no âmbito da qual cada um dos três grupos originais teria deixado uma contribuição relevante para a constituição do caráter nacional.

Como mestiço, ele é justamente um dos nossos e só pode escrever como todos os brasileiros. Há a irritação de Romero pelo fato de que o romancista escapou às regras, não se submetendo-se.

(…) Machado de Assis que (…) por dez anos seguidos, até 1870, (…) se manifestou tão plácido, tão brando, tão sossegado de índole, de aspirações e de estilo,  não poderia de repente se transfigurar em grande filósofo, terrível manejador  de ‘humour’, profundo pensador de espírito dissolvente e irritadiço, envolvendo a criação e a humanidade nas malhas de um pessimismo fulgurante (ROMERO, 1936, p. 48).

Há o autoritarismo determinista, segundo o qual um escritor brasileiro, mestiço, negro, nascido das camadas desfavorecidas, gago, epiléptico não teria menor chance de escrever, usando os artifícios e técnicas, ou mesmo, os pensamentos mais complexos e elaborados.

No caso machadiano, Sílvio Romero depara-se com um autor que se recusa  a ser ‘enquadrado’, escapando a todas as regras da trindade taineana. Isto  é o que mais desequilibra o nosso crítico, essa capacidade (ou ousadia) de Machado de Assis em desmentir as teorias elaboradas na Europa…

É como  se ele experimentasse uma perplexidade diante de uma transgressão ao não  poderia tão tranquilizador… Por que motivo pode o autor de Várias Histórias  desmentir assim tão flagrantemente as leis do meio, da raça, e do momento? (ROMERO, 1936, p. 154).

Essa irritação e perplexidade acabam levando-os a afirmações maldosas que são, inclusive, contraditórias com as próprias ideias de isenção, imparcialidade e objetividade do espírito positivista da época. In litteris:

“Ele gagueja no estilo, na palavra escrita, como fazem outros na palavra falada,  disse-me uma vez não sei que desabusado num momento de expansão, sem reparar talvez que dava destarte uma verdadeira e admirável notação” (ROMERO,  1936, p. 55).

Sílvio Romero passa a condenar Machado de Assis exatamente no mesmo ponto em que fora por este último  atacado: no estilo. Evidentemente, associando-o a questões biológicas: um  estilo gago, como o era o seu autor. Mas, principalmente, um estilo sem  força, sem paixão, resultante do tão decantado humour:

“Mas o período não lhe sai possante e largo, porque seus pensamentos não são  vastos, ou profundos, ou grandiosos; não lhe sai também rápido, intenso, incisivo, porque uma paixão forte não o anima ou move (ROMERO, 1936, p. 65)”.

Romero cogitou que humor[3] não poderia ser genuinamente brasileiros, posto que não somos assim, sendo mera macaqueação europeia, imitação barata e grosseira. Esse humour de imitação traça ma caricatura desgastada da prática em literatura.

Uma das coisas mais interessantes sobre o humor francês é a sua habilidade de rir de si mesmo. Os franceses não têm medo de fazer piadas sobre suas próprias falhas e limitações. Essa autodepreciação é uma marca registrada do humor francês e é vista em muitas das piadas e esquetes dos comediantes franceses.

Outra característica do humor francês é o uso de piadas de primeiro grau e segundo grau. Piadas de primeiro grau são aquelas que são diretas, literais e fáceis de entender.

Já as piadas de segundo grau são mais complexas, metafóricas e exigem um pouco mais de conhecimento sobre a cultura e a língua francesas. O humor francês é conhecido por usar muitas piadas de sentido duplo, jogos de palavra e ironia, o que faz com que a audiência precise estar atenta e participar ativamente do processo de compreensão da piada.

Outra curiosidade sobre o humor francês é a sua habilidade de abordar temas controversos de uma forma engraçada. Os comediantes franceses muitas vezes usam o humor para falar sobre questões políticas e sociais, sem medo de ofender ou provocar. Essa abordagem pode ser vista como uma forma de criticar a sociedade e seus problemas, sem ser demasiado sério ou agressivo.

O humorista é porque não pode deixar de sê-lo. . Dickens[4],  Carlyle, Swift, Sterne[5], Heine, foram humoristas fatalmente, necessariamente;  não poderia ser por outra forma. A índole, a psicologia, a raça, o meio tinha de  fazê-los como foram (ROMERO, 1936, p. 78).

De acordo com Sílvio Romero, os povos latinos são incapazes de humour. Portanto, a Machado foi negado de realizá-lo. O que representa mais uma regra transgredida pela grande indignação do crítica, cuja irritação chega ao clímax quando abordou o lendário pessimismo machadiano. Considerando também que os brasileiros não podem ser pessimistas.

In litteris:

Somos faladores, maldizentes, desrespeitadores das conveniências, assaz irrequietos, até onde nos deixa ir nossa ingênita apatia de meridionais, mas não  somos pessimistas, nem nos agrada o terrível desencanto de tudo sob as formas  desesperadoras dos nirvanistas a Budha ou a Schopenhauer[6] (ROMERO, 1936,  p. 105)

O pessimismo machadiano contraria as leis e previsões estabelecidas para a sua condição de negro, brasileiro e epiléptico.   a análise que Sílvio Romero faz de Machado de Assis,  cheia de expressões como não poderia, consiste em um jogo de interdição/transgressão, em que o Bruxo do Cosme Velho se recusa a obedecer aos  limites que lhe são impostos pelos herdeiros do determinismo. Sílvio Romero escreve todo um livro, assim como inúmeros ensaios e capítulos para  atacá-lo.

Mas nunca será rebatido por Machado de Assis[7], que se recusou a  entrar na briga, revelando o que em um dos seus personagens, o Conselheiro Aires, é tão explícito: o tédio à controvérsia (MACHADO DE ASSIS,  1971, v. 1, p. 965).

Mais adiante retomaremos essa recusa do romancista  em responder aos ataques do crítico, continuando a encontrá-lo na livraria  Garnier, cumprimentá-lo e fingir não se dar conta do tumulto que ele criava em torno do seu nome.

Ainda a respeito de Romero,  que ele estaria na difícil posição do intelectual brasileiro que, em uma  sociedade dominada pelo cientificismo positivista, questiona a sua própria identidade, fruto, segundo essas ideias cientificistas e deterministas, de um povo mestiço, marcado pela inferioridade racial, na qual ele,  Sílvio Romero, acredita piamente.

Crença que resulta da mistura das  teorias de Gobineau com as de Darwin, fornecendo-lhe material de  importância vital na sua obra, e que o levará até a afirmar a inferioridade do negro e do índio: Todas as nações americanas em que o elemento  europeu não predomina, como o México, Peru, Equador e Bolívia, são as  menos progressivas do continente

Ainda sugeriu que, no Brasil, será feita espécie de “eugenia” natural, o tipo branco irá tomando a preponderância até mostrar-se talvez deputado e belo tal como no Velho Mundo. Será quando já estiver mais bem aclimatado no continente.[8]

As inspirações em Gobineau[9], Darwin[10] e Spencer[11] nutriram as ideias de Sílvio Romero e, mesmo a teoria de Taine[12], com os seus três fatores, a saber:  raça,  meio e momento. Romero se pergunta qual dos três teria contribuído em  maior escala para a formação e diferenciação do caráter brasileiro, optando  pela raça: A unidade nacional é garantida, a meu ver, pelos agentes morais  e pela energia étnica (ROMERO, 1902-1903, v. III, p. 243).

Assim, o crítico  estabelece uma hierarquia em que a prioridade cabe à etnia e (…) o clima  fica em segundo plano (…) já que ele também (…) foi um agente valentíssimo na formação das raças e das civilizações autóctones (ROMERO, 1902- 1903, v. III, p. 243).

Isto é, Sílvio Romero acrescenta as ideias de Montesquieu às de Gobineau, Darwin e Taine, misturando a teoria da raça, meio  e momento com a dos climas. Idéias europeias, em sua maioria francesas,  guiando, paradoxal e contraditoriamente, o crítico que luta pela libertação  da importação do pensamento, para perplexidade do estudioso da crítica  daquele momento…

E, priorizando a raça, o crítico Romero afirmou não perceber que as diferenças tenha o meio produzido no caboclo, no negro e mesmo no português. A olhos nus, é o mestiço que moveria toda a história brasileira, tão marcado pela questão étnica e pelo contato de várias culturas.

A mestiçagem mais relevante é justamente a afro-lusitana.  O negro, espalhado pela África e  América, é uma raça que oferece interessantíssimos problemas (ROMERO,  1978, p. 49).

Podemos afirmar que Sílvio Romero foi um dos primeiros a destacar a importância do elemento africano, quando este era praticamente  ignorado pela intelectualidade nacional. O que quer que notardes de diverso  entre o brasileiro e o europeu, atribui-o em sua máxima parte ao preto (ROMERO, 1978, p. 3).

Para medir essa importância bastaria, segundo o nosso autor, que se  levasse em conta uma mestiçagem muito mais interessante do que a étnica:  a mestiçagem moral, consequência da educação dos filhos dos senhores de  engenho, que cresciam brincando com os moleques da senzala e ouvindo  das ‘mães pretas’ as histórias do Saci Pererê, do Zumbi, e muitos outros personagens e elementos da cultura africana. Isto fazia com que, mais tarde, se  tornassem inteiramente diferentes dos seus pais portugueses: eram mestiços  moralmente

O racismo científico[13] no Brasil funcionaria  como (…) um instrumento conservador e autoritário[14] de definição da identidade social da classe senhorial e dos grupos dirigentes, perante uma população  considerada étnica e culturalmente inferior (VENTURA, 1991, p. 60).

Seria,  muito provavelmente, o resultado de um olhar ‘de fora’ lançado ao Brasil,  que teria como consequência a imagem negativa da sociedade e da cultura  local. Sílvio Romero, abraçando a ideia da nação como unidade cultural resultante do cruzamento das três raças, procura dar conta da sua gênese, inserindo-se na tradição do Iluminismo, que mistura a busca das raízes com  a crença no progresso.

A nação se constrói, portanto, no movimento ambíguo  entre a identidade e a diferença, entre a reprodução da experiência europeia  e a sua relativa diferenciação nos trópicos.

Poderíamos afirmar que Romero se propõe a eliminar a contradição entre a realidade étnica brasileira, o racismo científico e o liberalismo  progressista, através da opção pela mestiçagem, a que já nos referimos. Ou  seja, pela extinção das raças não brancas através da fusão, da assimilação racial dos grupos inferiores.

É nesta linha que Sílvio Romero propõe o  ‘branqueamento’ como solução para reabilitar as raças ditas ‘inferiores’, o  que seria uma solução para o dilema social sem contestar os fundamentos  do racismo[15].

A rigor não há a perda daquelas duas raças; há a transformação delas (ROMERO, 1980, v. II, p. 179), com uma inevitável vitória do  branco. Enfim, uma mistura dos princípios arianistas com as leis darwinistas, evolucionistas e sociais, numa busca de coerência onde esta é praticamente impossível.

Na verdade, o que já podemos ir percebendo é que,  apesar da aparência em contrário, há uma luta incessante do crítico pela  lógica, pelo rigor científico, a ponto de tentar adaptar à realidade às suas  ideias. O que, evidentemente, vai propiciar a descoberta de várias contradições  na sua obra, por mais que ele busque exatamente o contrário.

Tentando descobrir um encadeamento lógico para o seu raciocínio, ele acaba misturando princípios diferentes. Mas será que poderíamos realmente  chamá-lo de contraditório? Ou ele teria sido simplesmente uma vítima do  acúmulo de ideias europeias mal digeridas que aqui se instalam no século  XIX?

No caso Machado de Assis, Romero se irrita porque o escritor não se  comporta como deveria se comportar (ou escrever) um mestiço, destruindo, portanto, toda a sua teoria… Ora, como teria reagido o romancista diante de tão duros ataques?

Já  vimos que, aparentemente, ele não reagia, manifestando, através do seu  personagem Conselheiro Aires, o famoso tédio à controvérsia.

E chega a  aconselhar a seus leitores a nunca se meterem nesse tipo de disputa: Não  te envolvas com polêmicas de nenhum gênero, nem poéticas, nem literárias,  nem quaisquer outras(…) o pugilato das ideias é muito pior do que o das ruas (apud PUJOL, 1934, p. 237).

Machado acrescenta, a respeito do mesmo  tema: Realmente, criticados que se esforçam de críticas literárias com impropérios dão logo ideia de uma imensa mediocridade – ou de uma fatuidade  sem freio – ou de ambas as coisas; e para lances tais é que o talento, quando  verdadeiro e modesto, deve reservar o silêncio do desdém (MACHADO DE  ASSIS, 1944, p. 237).

Seria somente por questões de temperamento, como o querem muitos dos seus biógrafos? Ou seria por duvidar da eficácia de tais polêmicas, que tanto incendiavam a nossa república  das letras?

É curioso observar que só uma vez Machado aceitou discutir um  assunto de crítica literária. E foi exatamente a respeito do naturalismo, a  partir do romance “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz, no qual insiste em  afirmar que, embora muito admire o romancista português, recusa a escola  naturalista a que ele pertenceu.

E, recusa-a, principalmente, porque ela leva a  sério a ilusão do real: “Porque a nova poética é isto e só chegará à perfeição no  dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de  cambraia ou um esfregão de cozinha (MACHADO DE ASSIS, 1944, p. 163)”.

A obra causou bastante polêmica quando publicada. Em 09 de março de 1878, no Jornal do Comércio, o crítico Bastos alegou que “O Primo Basílio”[16] “era uma bela obra de arte, mas um péssimo livro”. A sua crítica, influenciada pelo despreparo da sociedade da época, reprovava a forma como as instituições eram desrespeitadas.

A crítica de “O Primo Basílio” é contra toda a sociedade lisboeta, marcada pela ociosidade burguesa, a futilidade, a devassidão, a imoralidade, a hipocrisia social, a superficialidade nos relacionamentos, a falsidade e a arrogância que o dinheiro parece criar em certos indivíduos.

A crítica de Machado de Assis ao romance de adultério[17] de Eça de Queiroz poderá causar a impressão de ser um texto escrito através das tintas da moralidade, por um homem que tripudiava a traição feminina em enredos literários.

Tal impressão não procede. Pois a representação machadiana da adúltera deu-se em Dom Casmurro, com suposta infidelidade de Capitu que é tema de maior relevância na obra.

Não admitindo que a imitatio seja suficiente e hábil para a criação artística, buscando um outro conceito literário, Machado de Assis até aceitou uma inicial polêmica no caso Eça de Queiroz. Porém, ocorreram muitos protestos em defesa do autor de Primo Basílio[18], aos quais o Bruxo do Cosme Velho respondeu apenas timidamente. Mas, se retraiu, fazendo doravante cada vez menos crítica literária.

Esse retraimento se deu, pois Machado chegara mesmo ser conhecido no exercício da crítica. A tal ponto, que, em 1868, José de Alencar lhe pediu para promover o poeta Castro Alves, então recém-chegado ao Rio de Janeiro, que precisava de uma indicação para ser bem aceito nos meios literários.

Machado de Assis já havia sido consagrado na carreira de crítico, considerado  o primeiro crítico brasileiro, como dissera José de Alencar. Entretanto, após a polêmica sobre Eça de Queiroz[19], provavelmente esgotado pela que envolvera de  maneira tão dolorosa o seu nome, ele deixa praticamente de fazer crítica.

Ou, na interpretação de Pujol: “Retraiu-se a sua sensibilidade magoada; e, de  então por diante, só raramente, em algum período fugitivo de crônica e num  ou noutro esboço, atreveu-se a fazer crítica literária[20] (PUJOL, 1934, p. 271)”.

Importa-nos, aqui, questionar a razão pela qual teria deixado o nosso  escritor uma carreira tão bem iniciada, que já lhe valera do maior romancista da época o título de maior crítico brasileiro.

Seria, realmente, por não  ser capaz de enfrentar a polêmica em torno do seu nome? Por simples tédio  à controvérsia, para responder com o silêncio do desdém?

Progressivamente, a partir da referida polêmica que envolveu quase toda a intelectualidade brasileira do momento, Machado de Assis passou a fazer cada vez menos crítica literária. E, teve verdadeiro horror às controvérsias que tanto preenchiam o vazio do pensamento na sua época.

Carlos de  Laet[21] conta que, certa vez, para implicar com ele, disse ao romancista que ainda ia obrigá-lo a ter com ele uma polêmica. Machado teria retrucado, imediatamente: “Não faça tal, respondeu-me a gaguejar[22] ligeiramente, que os partidos  não seriam iguais; isso para você seria uma festa, uma missa cantada na sua  capela; e para mim uma aflição…” (apud PUJOL, 1934, p. 271).

Seria mesmo por simples questões de temperamento que nosso escritor  teria abandonado a crítica? Não estaríamos nós caindo no mesmo caso dos  que o explicam pelos dados da sua vida, ou dos seus condicionamentos biológicos?

Na verdade, se atentarmos para a data do artigo “A Nova Geração”,  1879, veremos que ele antecede de um ano as Memórias Póstumas de Brás  Cubas, livro que se abre para uma série de problemas que, se antes germinavam na ficção machadiana, agora despontam com força total.

Poderíamos  mesmo pensar que, diante da polêmica envolvendo o seu nome e atraindo  tantos intelectuais da época, Machado de Assis, por timidez, por tédio à  controvérsia, ou por não acreditar na eficácia de tais querelas, recusa-se a  participar delas, tentando descobrir uma outra maneira de provocar, fazer  apelo, dar piparotes no seu leitor.

E encontra, na ficção, um meio de responder mais eficaz, talvez mesmo a solução para a questão da crítica…

Observamos que Memórias Póstumas de Brás Cubas questiona a própria literatura, tal como era praticada até então, desde a sua dedicatória:

“Ao verme Que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas”. MEMÓRIAS PÓSTUMAS (MACHADO DE ASSIS, 1971, v.I, p. 511)

Trata-se de um  apelo ao leitor, forçando-o a refletir sobre as  técnicas da narrativa tradicional, linear, imitadora da escrita da História.

Assim, quem escreve o romance é um defunto autor, para quem a campa foi  outro berço (MACHADO DE ASSIS, 1971, v. I, p. 513), ou seja, a morte do  personagem suscita a vida do autor, para grande perplexidade do leitor. O  que significaria essa morte que engendra a vida? O que seria preciso morrer  para fazer viver?

Teria essa metáfora alguma coisa a ver com a questão da  crítica no momento, que morria simplesmente porque caíra no vazio estéril  da polêmica, da retórica, da pura importação de ideias, sem reflexão adequada? Seria preciso matar essa crítica, eliminá-la pela sua ineficácia (como  morrera Brás Cubas), para que ela ressurgisse na ficção, questionando a própria literatura, bem como o sistema ideológico em que esta se desenvolvia?

Aceitando essas suposições, a explicação fornecida pelo defunto autor ao seu possível leitor pode nos fornecer mais algumas pistas para descobrirmos a resposta que Machado dava a seus contemporâneos:

Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a  forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena  da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse  conúbio (MACHADO DE ASSIS, 1971, v. I, p. 513).

Os estudos sobre as influências inglesas no  humour machadiano, essa mistura de negro ceticismo com o riso, associação que o próprio autor define tão bem na metáfora da pena da galhofa e a  tinta da melancolia.

Isso nos leva a crer que esse conúbio continha a pista  para explicar o seu comportamento durante toda a polêmica com o seu  nome. Tédio à controvérsia, é lógico, sobretudo porque a controvérsia se  dá a partir de temas inteiramente vazios.

Machado[23] nos deixa entrever nessa advertência é que é preciso manter o silêncio do desdém quando  se trata de polêmicas literárias. Silêncio que significa ceticismo, descrença  total na possibilidade de atuação com tais armas.

Ceticismo que, por sua  vez, engendra o riso irônico, produzindo o humour. Em que molde, a não  ser o humorístico, havia Machado de Assis de vazar a virtude criadora que  o impeliu para a Arte? (MAYA, 1912, p. 51), pergunta Alcides Maya[24] no seu  interessante trabalho.

Teriam, realmente, a timidez e o tédio à controvérsia impedido o nosso  autor de entrar por esse caminho? Ou foi a certeza do vazio, da ineficácia  dessas polêmicas que o levaram a praticamente abandonar a crítica literária, passando a fazer, desde então, literatura crítica?

Nas próprias “Memórias Póstumas” temos um exemplo bem expressivo dessa retórica vazia que  Machado recusou. Narrando o seu próprio enterro, o defunto autor relata o  discurso que um amigo proferira à beira do seu túmulo:

“Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza  parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que  têm honrado a humanidade”.

Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua  e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas, tudo isso é um sublime  louvor ao nosso ilustre finado (MACHADO DE ASSIS, 1971, v. I, p. 514).

Ironia, principalmente  quando nos lembramos que o leitor machadiano pertence ao mesmo meio  que o amigo de Brás Cubas, ou seja, é, muito provavelmente, capaz de fazer  ou de aprovar esse tipo de discurso, pois está afeito a esse uso da retórica,  tão arraigado no nosso país.

Ou, com Luiz Costa Lima: (…) em Machado a crítica da retórica assume desde logo a função de mostrar  seu papel no Novo Mundo: o papel de encobrir o vazio, de dar-se ares de importância… a alusão irônica ao leitor assume seu verdadeiro peso ao notarmos  que este pertencia ao mesmo meio dos usuários da retórica (1981, p. 64).

Isto fica ainda mais explícito no famoso conto publicado em 1882, em  “Papéis Avulsos”, a “Teoria do Medalhão”[25], em que um pai aconselha ao filho,  que completa vinte e um anos, a abraçar a carreira de medalhão, como garantia de sucesso na sociedade.

Diz o personagem: Uma vez entrado na  carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente (MACHADO  DE ASSIS, 191, v. II, p. 290).

E, para alcançar esse resultado de ausência  total de ideias, (…) há um meio, é lançar mão de um regímen debilitante, ler  compêndios de retórica, ouvir certos discursos, etc. (MACHADO DE ASSIS,  1971, v. II, p. 290).

Assim, a retórica serve para preencher o vazio que a falta de reflexão  provocara na sociedade. Leitor e assimilador das ideias europeias, mas não  conseguindo adaptá-las conveniente e adequadamente aos trópicos, ao intelectual só resta a disputa estéril, o discurso sem conteúdo,  com que a crítica disfarçava o impasse em que caíra. E que era garantia total de sucesso  na sociedade.

Em Papéis avulsos, o mesmo livro em que publica a Teoria do  Medalhão, encontramos o conto “O Alienista[26]”, no qual o tratamento dessas  questões é ainda mais sutil, e mais contundente. O conto nos fornece farto  material para investigarmos a visão machadiana das ideias cientificistas e  deterministas importadas.

No início do texto ficamos sabendo que Simão  Bacamarte, médico que havia estudado em Coimbra e Pádua, havia escolhido Dona Evarista para esposa porque ela  (…) reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com  facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes (MACHADO DE ASSIS, 1971, v. I, p. 254).

As razões da sua escolha são ditadas pelas ideias que ele aprendera na Europa. Mas Dona Evarista continua estéril, o que provaria a ineficácia da ciência. Recusando a se conscientizar desta verdade, Simão continua  a acreditar nos métodos científicos: ela não engravida porque não aceita a  dieta imposta por ele, médico renomado. Bacamarte encarnaria, assim, a  própria figura do cientista forjado pelo século XIX[27], que vai de teoria em teoria em busca da verdade, sem nunca a encontrar.

Assim, vai pouco a pouco internando toda a cidade de Itaguaí no manicômio, pois cada habitante  lhe parece corresponder a uma das hipóteses que ele está pesquisando. E  note-se que ele é inteiramente honesto, não aceita nem mesmo remuneração, o que o move é realmente a paixão pela ciência.

Tão honesto que, no  fim, acaba se conscientizando da sua própria loucura e vai ele mesmo para  a “Casa Verde”[28]. Estaria Machado metaforizando o suicídio da razão, perdida entre teorias que se contrapõem, vagando de experiência em experiência  até chegar ao seu único termo possível: a loucura?

Seria isto mais uma pista  para o seu leitor, fazendo-o rir da busca infrutífera de Simão? Poderíamos  considerar que Machado quer ‘corroer’ o sistema de pensamento vigente  através da única arma de que dispõe: a escrita?

Machado ironizou também a aplicação da ciência à filosofia, apresentando um dos loucos  como evolucionista:  Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, a espada engendrou Davi,  Davi engendrou a púrpura, a púrpura engendrou o duque, o duque engendrou  o marquês, o marquês engendrou o conde, que sou eu (MACHADO DE ASSIS,  1971, v. II, p. 257).

Trata-se, evidentemente, da associação da ciência à ambição do poder,  já que este louco se crê marquês e, o que é mais, descendente de Deus. Loucura da razão que se perde em meio a tantas teorias, sim, mas que busca  sempre uma ordenação lógica. Como afirma Luiz Costa Lima, (…) é neste  ambiente positivista e catalogador que a loucura é encarada como doença e  privação (COSTA LIMA, 1991, p. 264).

Uma crítica veemente de um sistema vazio de ideias, em  que o que conta é a frase bonita, a retórica brilhante a esconder a nulidade  do pensamento. E tudo isso sob a aparência de um embasamento científico,  numa união entre retórica e ciência, em que a segunda serve de apoio à  primeira.

Ou, nas palavras de Barreto Filho: “O Alienista” pode se alimentar em certas fontes gerais do humorismo[29], mas é uma sátira muito precisa de defeitos nossos, especialmente de nossa imaturidade política, que nos tornava candidatos à tirania. É uma instalação em miniatura de uma ditadura científica, na vila de Itaguaí, pelo doutor Simão Bacamarte  (BARRETO FILHO, 1980, p. 112)

Machado descobre a única maneira possível de pensar criticamente  a sociedade do seu tempo e, ao mesmo tempo, ser aplaudido por essa  mesma sociedade.

Sua crítica, muito mais vigorosa do que a dos seus pares, pois vai atacar inclusive as ideias que teriam gerado a própria crítica literária brasileira, tem possibilidades de atingir um público mais amplo  do que os simples textos teóricos, lidos somente pela intelectualidade do  momento. E, ironicamente, por causa da sua escrita em palimpsesto, ele vai  justamente ser aplaudido e elogiado pelo mesmo sistema que está querendo  questionar.

Paradoxal é o drama do intelectual burguês, que pensa o mundo sem conseguir modificá-lo, que critica a sociedade e a sua classe social, embora  continue pertencendo a ela, sua única salvação possível é a ficção, única  saída para passar adiante uma visão lúcida do mundo.

Poucos são os que  o entendem, tanto na sua época como nos dias de hoje. Mas isto já estava  previsto, como podemos perceber ainda nas primeiras páginas das “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

Consciente de que a sua ficção crítica não será entendida pelo leitor,  Machado se contenta com os poucos que o puderem compreender. Assim  fazendo, ele estaria lançando a semente para a liberdade da literatura brasileira[30] com que sonhava, embora tenha que usar estratégias para lançá-la.

E, como semente, ela seria em pequena quantidade, poucos leitores a compreendê-lo, mas que pudessem, a partir da sua obra, refletir criticamente  sobre as questões que ele apresenta.

Machado, que volta a ser redescoberto atualmente, continua a ser enaltecido pelo que, no nosso entendimento, ele não é, principalmente: pelo  estilo, pelos seus personagens, ou, na melhor das hipóteses, pela técnica  narrativa.

No centenário do óbito de Machado de Assis, em 2008, fora marcado por inúmeras homenagens a quem é considerado o maior escritor brasileiro. E, sua obra continua a impressionar até hoje, pois parece ficar mais atual à medida que o tempo passa. Os textos de Machado abordam, com visão aguda e de forma elaborada, vários aspectos da vida humana.

Ocupa um lugar único na literatura brasileira, pois foi algumas vezes criticado porque se dizia que não abordava as grandes questões sociais e nacionais. Posteriormente, novos estudos fizeram uma reavaliação de sua obra, que é vista agora como extremamente crítica e expressiva de transformações profundas na sociedade brasileira a partir do fim do século XIX. Sua genialidade resultou de ser u dos autores mais compreendido pelo leitor contemporâneo.

O crítico sofisticado da sociedade do seu tempo, das ideologias  dominantes na sua época, da importação de ideas sem um pensamento local que as adapte adequadamente, continua restrito aos cinco leitores que  ele espera encontrar para as “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

Ou seja,  aos poucos que perceberam a sua escrita em palimpsesto[31] pela qual, na sua  obra da chamada segunda fase, há um texto, aparentemente inofensivo, capaz de agradar ao público da época pelo casticismo da linguagem  e pela intriga, mas que esconde, sob ele, um texto primeiro muito mais perigoso. A traição intrínseca das relações humanas e dos diálogos silenciosos.

Referências

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[1] Não sei se você parou para analisar, mas o Brasil existe, por culpa de Napoleão Bonaparte, e seu bloqueio continental. O que conduziu a Coroa Portuguesa para a Colônia.

Napoleão Bonaparte nasceu em 15 de agosto de 1769 e virou tenente já aos 16 anos de idade e, tal precocidade se deve a sua exímia dedicação aos estudos militares.

[2] O caráter eurocêntrico das teses geopolíticas fundadas sobre o prisma do determinismo racial e geográfico de forma a compreender se seu discurso de autoridade legitima a expansão do sistema moderno/colonial e a articulação espacial do poder cristalizada em conseguinte, tendo em vista que remete a classificação social de agrupamentos humanos a partir da ideia de raça e de seu ambiente geográfico. Já durante o Iluminismo, o determinismo racial e geográfico pode ser observado a partir do

pensamento de filósofos como Montesquieu e Kant (LIVINGSTONE, 2011, p. 371). Por um lado, Montesquieu (2000), dispondo de herança helênica, debita à situação geográfica as diferenças em termos culturais, morais, de caráter e do sistema legal. É mister o título do capítulo segundo do livro décimo quarto de O Espírito das leis: “Quanto os homens são diferentes nos diversos climas” (MONTESQUIEU, 2000, p. 239).

[3] Buscou-se descrever a “ironia” e o “humor” contidos nos referidos textos. O trabalho teve como enfoque mostrar e sugerir uma reflexão crítica acerca dos valores humanos, tendo como pano de fundo os costumes sociais da época.

[4] Memórias Póstumas se revelou muito mais que a narrativa de caprichos, conquistas e pequenos entreveros, manias e atitudes levianas de Brás Cubas, embora também o seja. Apesar da expectativa de vácuo que possa pairar em torno das lembranças de um homem rico e enfadado,, o que acontece de fato é que a morte potencializar sua capacidade de análise e, isso lhe permite reexaminar sua existência de forma profunda e até aguda. De forma similar, ao que aconteceu com a burguesia na Inglaterra entre os séculos XCII e XVIII, a classe burguesa no Brasil no final do século XIX também ambicionava uma influência política e um reconhecimento social à altura de seu poder financeiro. O reconhecimento de traços de humor inglês representou grave transgressão literária sem precedentes no ambiente brasileiro da época. E, tal presença fora denunciada pelos críticos brasileiros que sobreviveram aos rigores da Era Vitoriana e permanecido vivos nas obras de Charles Dickens e Carlyle, entre outros humoristas ingleses do século XIX.

[5] A respeito expressões humorismo doentio e pessimismo bem-humorado reflete duas intensidades da mesma associação entre humor e pessimismo que particulariza o humor machadiano no grande espectro da tradição do humor inglês, amadurecida em Sterne e, ainda, pujante em sua configuração de Dickens no século XIX. Esse sofisticado conceito de humor, com suas raízes lançadas no solo dos séculos e torção pessimista de Machado de Assis, não chegava a rivalizar na época com outro entendimento, bem mais comum: o do humor como qualidade simples que desperte o  riso, mesmo que seja fácil ou grosseiro.

[6] O livro que Machado de Assis tem nas mãos é “O mundo como vontade e representação”, segundo volume, capítulo 44, intitulado “Metafísica do Amor”, do filósofo Arthur Schopenhauer. Machado resume em sua crônica o assunto desse livro em poucas palavras: Há na principal das obras daquele filósofo um capítulo destinado a explicar as causas transcendentes do amor. (…) A explicação é que dois namorados não se escolhem um ao outro pelas causas individuais que presumem, mas porque um ser, que só pode vir deles, os incita e conjuga. Vejamos agora como Schopenhauer explica essa sua teoria na “Metafísica do Amor”. As questões amorosas desempenham um papel muito importante na obra do filósofo de Dantzig. Não se trata simplesmente de “cada João encontrar a sua Maria”, de cada Guimarães encontrar a sua Cristina, mas da “composição da próxima geração”, de um, Abílio, talvez. Através do tema do amor, Schopenhauer apresenta filosoficamente a trama do grande drama cósmico — a existência. E o enredo dessa peça é algo trágico-cômico.

[7] A morte de Machado de Assis serviu para fundamentar o processo de consagração e embranquecimento do escritor, cuja infância e adolescência pobre, no morro do Livramento, na Saúde, são suprimidas das louvações que são feitas na mídia à figura do então fundador da Academia Brasileira de Letras, em 1908, morador do Cosme Velho, um bairro de elite. Noutra foto de Machado, com 30 ou 40 anos, mostrando o escritor com cabelos crespos, em estilo asa-delta, bigode, feições africanas, Machado parece ser como ele era naturalmente. No entanto, poucas vezes, os editores de cadernos culturais lançam mão dessa foto para ilustrar matérias com Machado de Assis. Trata-se da foto mais “afro” do escritor, uma espécie de denúncia das origens machadianas. Somente a partir de 1939, ano da comemoração do centenário de nascimento do escritor, as elites intelectuais se mostram mais inquietas e céticas em relação à história de um mulato que se tornou em todos os tempos a maior glória da literatura brasileira.

[8] Em carta enviada a Machado de Assis durante uma estadia em São Paulo, o crítico Capistrano de Abreu já lhe antecipa que percebe em Memórias Póstumas uma intenção latente, porém, imanente a todos os devaneios, e eu não sei se conseguirei descobri-la. Na volta ao Rio de Janeiro, Capistrano de Abreu publicou uma crítica em duas partes na seção “Livros er Letras”: a primeira, no dia 31 de janeiro de 1881,e, a segunda, no dia 01 de fevereiro. Ao contrário de Capistrano de Abreu, que se indaga sobre a natureza de Memórias Póstumas no sistema tradicional da literatura. Durante tem certeza de que não se trata de um romance, mas sim de um ensaio filosófico sob forma de romance. Por isso, avisa o leitor vulgar pouco pasto achará para sua imaginação e curiosidade banais.

[9] Joseph Arthur de Gobineau (Ville-d’Avray, 14 de julho de 1816 — Turim, 13 de outubro de 1882) foi um diplomata, escritor e filósofo francês.  Foi um dos mais relevantes teóricos do racismo no século XIX. Segundo ele, a mistura de raças (miscigenação) era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre maiores de  degenerescência física e intelectual. É-lhe atribuída a frase: “Não creio que viemos dos macacos mas creio que vamos nessa direção.” Sua segunda missão diplomática foi no Brasil, aonde chegou em 1869, enviado por Napoleão III. Nunca escondeu sua animosidade para com o país, que deixou um ano depois (1870).  Travou amizade com o imperador Pedro II que, mesmo sem compartilhar muitas de suas ideias, manteve uma amizade epistolar durante muitos anos depois de sua partida do Brasil. Além de Gobineau, Louis Agassiz foi outro viajante que representou o ponto de vista do racismo científico (racialismo).

[10] Charles Robert Darwin, Shrewsbury, 12 de fevereiro de 1809 – Downe, 19 de abril de 1882) foi um naturalista, geólogo e biólogo britânico, célebre por seus avanços sobre evolução nas ciências biológicas. Juntamente com Alfred Wallace, Darwin estabeleceu a ideia que todos os seres vivos descendem de um ancestral em comum, argumento agora amplamente aceito e  considerado um conceito fundamental no meio científico, e propôs a teoria de que os ramos evolutivos são resultados de seleção natural e sexual, onde a luta pela sobrevivência resulta em consequências similares às da seleção artificial. Seu livro de 1859, A Origem das Espécies, causou espanto na sociedade e comunidade científica da época, mas conseguiu grande aceitação nas décadas seguintes, superando a rejeição que os cientistas tinham pela transmutação de espécies. Já em 1870, a evolução por seleção natural tinha apoio da maioria dos intelectuais. Sua aceitação quase universal, entretanto, não foi atingida até à emergência da síntese evolutiva moderna entre as décadas de 1930 e 1950 quando um grande consenso consolidou a seleção natural como o mecanismo básico da evolução.  A teoria de Darwin é considerada o mecanismo unificador para explicar a vida e a diversidade na Terra.

[11] Herbert Spencer foi um filósofo, biólogo e antropólogo inglês, bem como um dos representantes do liberalismo clássico. Spencer foi um profundo admirador da obra de Charles Darwin. É dele a expressão “sobrevivência do mais apto”, e em sua obra procurou aplicar as leis da evolução a todos os níveis da atividade humana. Herbert Spencer aplicou as leis evolucionistas à filosofia e à sociedade. No entanto, essas aplicações darwinistas justificavam a dominação de alguns povos sobre outros, bem como a supremacia de uma raça humana sobre outra.

[12] Hippolyte Adolphe Taine (Vouziers, Champanha-Ardenas, 21 de abril de 1828 – Paris, 5 de março de 1893) foi um crítico e historiador francês, membro da Academia francesa (cadeira 25: 1878-1893). Foi um dos expoentes do Positivismo do século XIX, na França. O Método de Taine consistia em fazer história e compreender o homem à luz de três fatores determinantes: meio ambiente, raça e momento histórico. Estas teorias foram aplicadas ao movimento artístico realista. Taine teve um efeito profundo na literatura francesa; a Encyclopædia Britannica de 1911 afirmava que “o tom que permeia as obras de Zola, Bourget e Maupassan pode ser imediatamente atribuído à influência que chamamos de Taine”. Através de seu trabalho sobre a Revolução Francesa, Taine foi creditado como tendo “forjado a estrutura arquitetônica da moderna historiografia de direita francesa”.

[13] Racismo científico ou racismo biológico é a crença pseudocientífica de que existem evidências empíricas que apoiam ou justificam o racismo (discriminação racial) ou a inferioridade ou superioridade racial. O racismo científico recorre a conceitos de antropologia, antropometria, craniometria e outras disciplinas ou pseudo-disciplinas para propor tipologias que apoiem a classificação das populações humanas em raças fisicamente distintas, que possam ser classificadas como superiores ou inferiores. Atualmente as noções de racismo científico não são consideradas ciência e o termo é usado de forma pejorativa para se referir a ideias pseudocientíficas. O racismo científico foi relativamente comum no período entre o século XVII e o fim da II Guerra Mundial. Embora a partir da segunda metade do século XX tenha sido considerado obsoleto e desacreditado, em alguns meios continuou a ser usado para apoiar ou legitimar a ideias racistas, baseadas na crença de que existem categorias raciais e raças hierarquicamente inferiores e superiores. Após o fim da II Guerra Mundial passou a ser denunciado em termos formais. Os avanços na genética populacional humana mostraram que as diferenças genéticas são praticamente todas as graduais.

[14] O surgimento do racismo científico no século XIX e seus respectivos desdobramentos na política e na sociedade do período têm sido amplamente debatido entre os historiadores, sociólogos e antropólogos. Sobrepondo-se aos dogmas religiosos reinantes até então, as teorias raciais deram status científico às desigualdades entre os seres humanos e, por meio do conceito de raça, puderam classificar a humanidade, fazendo uso de sofisticadas taxonomias (SCHWARCZ, 1993).

[15] O escritor e ensaísta goiano Martiniano José Silva, na obra ” Racismo à Brasileira: Raízes Históricas”, (Editora Popular, Goiânia, 1985), dedica um dos capítulos do livro a estudar a literatura de Machado de Assis em contraposição a sua situação racial. Martiniano, mais contundente que Simone, faz uma análise impiedosa do escritor, mostrando diversas facetas de sua negação a sua cor. Selecionamos alguns trechos da obra de Silva para quer possam ser comparados e refletidos num tópico tal como ” Literatura e relações raciais no Brasil”

[16] Em O Primo Basílio, o escritor também conhecido por O Crime do Padre Amaro, A Ilustre Casa de Ramires, A Correspondência de Fradique Mendes, entre outros, deflagra a podridão de um lar aparentemente perfeito, faz críticas ao casamento enquanto instituição falida e traz inovações nas técnicas narrativas. Através do uso do tempo cronológico linear, de um narrador onisciente apegado aos personagens e excesso de detalhes na descrição dos ambientes, Eça de Queirós tece a sua crítica ao excesso de imaginação romântica, tendo a personagem Luísa como a representante das confusões entre sentimentos dicotômicos, tais como amor e desejo, figura que adorna a narrativa como um dos arquétipos da falta de moral e respeito que assolava a sociedade lisboeta nos últimos anos do século XIX.

[17] O adultério feminino foi sempre considerado mais grave do que o masculino. E, até havia a famosa “legítima defesa da honra”, atualmente não mais considerada pelo STF. De qualquer forma, analisar a condição feminina em Capitu e na obra de Machado de Assis nos permite perceber o caminho evolutivo e histórico que acompanhou as penalidades possíveis e atuais.

[18] O Primo Basílio é uma das obras mais emblemáticas do escritor realista português Eça de Queirós. Publicada em 1878, o romance é um retrato fiel da sociedade portuguesa da época com ênfase para a hipocrisia da classe burguesa. A obra retrata a história do casal Jorge e Luísa, pertencentes à burguesia portuguesa do século XIX. A trama passa-se em Lisboa, na capital portuguesa. Jorge, marido de Luísa, vai viajar a trabalho e ela recebe a visita de seu primo Basílio. Nesse ínterim, eles que já tiveram uma relação anterior, acabam por consumar o desejo latente. Vale notar que a relação de Jorge e Luísa estava mais baseada no interesse, uma vez que, de fato, eles não viviam uma vida feliz juntos. Jorge era um excelente marido que sempre estava preocupado em agradar sua bela esposa. Lhe dava diversos presentes e sempre estava disposto a lhe oferecer conforto.

[19] A obra causou bastante polêmica quando publicada. Em 09 de março de 1878, no Jornal do Comércio, o crítico Bastos alegou que O Primo Basílio “era uma bela obra de arte, mas um péssimo livro”. A sua crítica, influenciada pelo despreparo da sociedade da época, reprovava a forma como as instituições eram desrespeitadas. A crítica de O Primo Basílio é contra toda a sociedade lisboeta, marcada pela ociosidade burguesa, a futilidade, a devassidão, a imoralidade, a hipocrisia social, a superficialidade nos relacionamentos, a falsidade e a arrogância que o dinheiro parece criar em certos indivíduos.

[20] A crítica literária é o estudo, discussão, avaliação e interpretação da literatura. Pode assumir a forma de um discurso teórico baseado na teoria da literatura ou um discurso mais detalhado, apresentação ou revisão de uma obra literária (muitas vezes na forma jornalística quando é publicada). Compreender a função da crítica literária como validadora de uma obra. A teoria literária, que se configura como uma proposta de interpretação do fenômeno literário, é uma construção discursiva da qual participam muitos agentes, inclusive os autores e os leitores. Diante disso, para dar conta das produções literárias, compreender seus mecanismos de realização do modo mais eficiente possível, temos diversos movimentos teóricos importantes. A crítica literária utiliza-se da teoria literária para afirmar se a proposta da interpretação da obra literária é válida como expressão artística. Aquela divide com a escola e a universidade a função de julgar a produção literária de seu tempo, estabelecendo o que cada época julga importante em termos artísticos e culturais.

[21] Carlos Maximiliano Pimenta de Laet foi um jornalista, professor e poeta brasileiro. Carlos de Laet (Carlos Maximiliano Pimenta de Laet), jornalista, professor e poeta, nasceu em 3 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro, RJ, e faleceu também no Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 1927. Convidado para a última sessão preparatória da instalação da Academia, em 28 de janeiro de 1897, foi o fundador da cadeira n. 32, que tem como patrono Araújo Porto-Alegre. Na Academia Brasileira, Laet recebeu sempre provas de apreço e consideração de seus companheiros. Eleito presidente em 1919, na vaga de Rui Barbosa, exerceu três mandatos até 1922, quando renunciou. Foi presidente da primeira comissão do Dicionário da Academia.

[22] Machado de Assis] carregava consigo, lá no fundo do coração, suas mágoas. O preconceito sofrido por ser mulato, a epilepsia e, além disso, a gagueira. Certa ocasião, conversava fluentemente com uma atriz famosa da época. Ao perceber a sua fluência, a atriz comentou: – Tinham-me dito que o senhor era muito gago e, no entanto, vejo que fala muito bem! Machado se descontrolou e começou a gaguejar, respondendo: – Calúnias… A mim também me avisaram de que a senhora era muito estúpida, e vejo que não é tanto! Fonte: Rosa, Nereide S. S. (1998). Machado de Assis. Callis Editora, p. 26.

[23] Segundo Carlos Nobre, citando  Joaquim Nabuco, em carta a José Veríssimo após a morte de Machado de Assis), in litteris: “Mulato, ele foi de fato, um grego da melhor época. Eu não teria chamado Machado de Assis de mulato e penso que lhe doeria mais do que essa síntese. (…) O Machado para mim era um branco e creio que por tal se tornava; quando houvesse sangue estranho isso nada alterava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só via nele o grego” ( Joaquim Nabuco, em carta a José Veríssimo, após a morte de Machado de Assis ). Sentiu na pele a estupidez do racismo, ao presenciar a tenaz resistência da família da esposa – Carolina Xavier de Novais – ao seu casamento pelo fato de ser mulato. E não raro, não se rebelou.

[24] Alcides Maia (Alcides Castilho Maia), jornalista, político, contista, romancista e ensaísta, nasceu em São Gabriel, RS, em 15 de setembro de 1878, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 2 de outubro de 1944. Seu pai, Henrique Maia de Castilho, era funcionário federal e de origem citadina.

[25] Este conto é um diálogo que se dá entre pai e filho, após o jantar comemorativo de 21 anos deste. Estando os dois a sós, o pai aconselha ao filho tornar-se um Medalhão,  ou seja, alguém que conseguiu conquistar riqueza e fama. Ele passa, então, a tecer uma teoria de como o filho conseguiria isso, aconselhando-o a mudar seus hábitos e costumes, anulando seus gostos e opiniões pessoais. O filho deveria sempre se manter neutro perante tudo, possuir vocabulário limitado e conhecer pouco, e sempre preferir um humor mais simples e direto ao invés da ironia, que requeria certo raciocínio e construção imaginativa. Após muitos conselhos, o pai termina a conversa admitindo que suas palavras têm certa semelhança com a obra “O Príncipe”, de Maquiavel, e diz para o filho dormir.

[26] Narrado em terceira pessoa, o livro revela a dedicação do Doutor Simão que, na verdade, fica obcecado com seus estudos na área de psiquiatria. Além disso, ele aborda os temas dos interesses políticos, da ambição e do poder na figura de Porfírio. Críticas ao cientificismo (e de certa forma, também ao naturalismo) e uma linguagem simples, cativante, constantemente citando ou se aproximando da crônica, O Alienista nos mostra os perigos do exagero em qualquer situação em que o julgamento deverá mudar, isolar ou classificar pessoas em um determinado grupo.

[27] Doenças epidêmicas matam muita gente. Os morros abrigam estabelecimentos militares, ordens religiosas e os ricos, com suas chácaras e casarões (os pobres serão expulsos para lá apenas a partir da virada do século 19 para o 20). O Morro do Livramento abriga uma grande família rica de origem portuguesa, com muitos agregados e escravos. Um dia, chega ali o pintor de paredes e dourador Francisco José de Assis, “pardo forro”, de 32 anos, para prestar serviço. Apesar da vitalidade de sua obra para escancarar a escravidão e o racismo e das feições afrodescendentes delineadas por sua máscara mortuária, em seu atestado de óbito vai constar que ele era branco. Assim, começa a construção de uma farsa. Branco, elitista, um “europeu heleno”. E mais ainda: na visão de seus críticos, indiferente à escravidão em sua vida e em sua obra.

[28] Coincidência das janelas verdes entre Machado e Eça. No conto O alienista, Machado situa na Rua Nova da cidade de Itaguaí a Casa Verde e explica:

“A Casa Verde foi o nome dado ao asilo, por alusão à cor das janelas, que pela primeira vez apareciam verdes em Itaguaí.” Em Lisboa, existe a Rua das Janelas Verdes e é lá que Eça situa o Ramalhete no magnífico romance Os Maias: “A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o Bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete.”

[29] Outro  Barreto (2007) ao resenhar a obra Ironia e Humor de Lélia P. Duarte busca sistematizar e descrever o que são essas duas noções, a ironia e o humor. Segundo ele, a ironia é: “a figura de retórica em que se diz o contrário do que se diz, o que implica o reconhecimento da potencialidade de mentira implícita na linguagem” (p. 01). Assim, a ironia, de um lado, é um recurso de estilo e, de outro, é a própria explicitação de que a verdade aparente das coisas é apenas aparente; a ironia revela, escondendo, portanto, ela é central dentro de obras literárias que trabalham com a realidade do mundo, que vive de aparências e convenções. Sem dúvida, é central para entender uma obra como a de Machado de Assis e a crítica que faz à sociedade do século XIX.

[30] O professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Eduardo de Assis Duarte, reuniu no livro “Machado de Assis afrodescendente: escritos de caramujo” (editora Malê) textos do escritor que tratam de racismo e escravidão. A obra traz poemas, contos, crônicas e textos de romances que mostram como Machado usou sua produção literária para atacar o racismo estrutural na sociedade brasileira.

[31] (Obra cujo conteúdo revela traços, por transformação ou por imitação, de outra obra anterior). Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, a palavra palimpsesto vem do grego palimpsestos, que significa “que se raspa para se escrever de novo”, derivando do latim palimpsestu –, “pergaminho que se raspou para nele se escrever de novo”.