Uma coisa os profissionais do direito não podem negar. Desde que o Brasil passou a identificar casos da COVID-19 vivemos em um carrossel de emoções com as (quase diárias) alterações legislativas que nos são apresentadas quase que diariamente.

Não restam dúvidas que o momento é peculiar e delicado. E que, em momentos como esses, medidas devem ser tomadas de forma rápida.

Ocorre que, via de regra, a rapidez vem dissociada de qualidade!

E aqui falamos de qualidade técnico-legislativa.

O que observamos é que quando a proposta legislativa (a mais usada tem sido a Medida Provisória) envolve a temática das relações de trabalho e a proteção dos postos de trabalho o Governo Federal opta pelo viés populista e se esquece dos parâmetros legais e constitucionais que deve estar submetida qualquer medida, ainda que possua caráter de urgência.

Foi o caso do art. 18 da Medida Provisória nº 927 de 22 de março de 2020! Após publicada a MP o mundo jurídico reagiu e o Governo Federal revogou a referida norma no dia seguinte.

Repita-se: NO DIA SEGUINTE! E sob o argumento de que foi um erro de redação!

Prova inequívoca de que a rapidez nem sempre é amiga da perfeição!

Parece que é um verdadeiro “se colar, colou”!

Naquele momento os mais otimistas afirmaram que o Governo Federal tinha entendido o recado e que novas medidas iam ser tomadas de forma mais cuidadosa com os aspectos constitucionais.

Como me filio mais à ala dos realistas respondia da seguinte forma: “Vamos esperar para ver!”

E, para surpresa de alguns e confirmação da profecia de outros: Mais uma Medida Provisória veio!

Agora estamos falando da Medida Provisória nº 936 de 1º de abril de 2020.

Em resumo a MP 936/20 instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda com a possibilidade, dentre outras coisas, de redução da jornada com redução proporcional dos salários e a suspensão do contrato de trabalho.

Não vamos aqui fazer uma análise ponto a ponto do que a MP 936/20 preconiza ou autoriza.

Apenas merece destaque um deles.

A MP 936/20 autoriza a redução de salários por meio de acordo individual, ou seja, diretamente entre patrão e empregado.

Poderíamos tecer diversos comentários acerca de tal disposição, tanto do ponto de vista legal quanto do ponto de vista socioeconômico. Contudo, a questão que deve retumbar em toda a sociedade é que: REDUÇÃO DE SALÁRIOS POR ACORDO INDIVIDUAL É INCONSTITUCIONAL!

A Constituição Federal em seu art. 7º, inciso VI é de clareza solar! Até os poucos letrados em Direito Constitucional conseguem extrair o comando que a nossa Carta Magma pretende introduzir no ordenamento jurídico.

Vejamos a literalidade da norma constitucional citada:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; [grifo nosso]

Não é possível qualquer outra interpretação a esse comando constitucional.

É possível reduzir salário do trabalhador? Sim! E como se se deve fazer isso? Por meio de convenção ou acordo coletivo com o sindicato da categoria!

Diante da clareza evidente do que o art. 7º, inciso VI da CF/88 somente nos resta acreditar em duas opções: Ou a MP 936/20 não passou pela assessoria jurídica da Casa Civil da Presidência da República, ou se tratou de mais uma tentativa do Governo Federal do “se colar, colou”!

Não é de se estranhar que Partidos Políticos tenha apresentado Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) em face da referida Medida Provisória.

Até a data de hoje existem duas ADI tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF): a ADI 6363 proposta pela REDE SUSTENTABILIDADE (assinada inclusive pelo Senador capixaba Fabiano Contarato) e a ADI 6370 proposta por diversos partidos de oposição (PT, PC do B e PSOL).

Ambas foram distribuídas ao Ministro Ricardo Lewandowski e aguardam análise do pedido liminar.

Desde a notícia do protocolo das ADI o debate no meio jurídico se acendeu com especulações se o STF irá tomar uma posição estritamente jurídica ou se vai optar por um viés mais político.

Como no meio jurídico, especialmente se tratando de STF, tudo é possível. De fato, a expectativa é grande!

Aqui deixo registrado a minha!

Como advogado e cidadão que ainda acredita que a única opção que nos livra da tirania é a afirmação do Estado de Direito e o respeito às leis e à Constituição a única saída possível é sim a declaração de inconstitucionalidade da MP 936/20.

A urgência e a peculiaridade do momento, embora reconhecidas, não podem ser subterfúgio para a mitigação de regras constitucionais!