Não é confortável questionar sobre o amor materno, principalmente quando nos deparamos com uma definição imbricada a um conjunto de valores que comumente são deduzidos abstratamente pelos sentimentos.
A relação da criança contemporânea com sua mãe, se comparada com as gerações anteriores, é sem dúvida, repleta de nuances e diferenças. Decerto, tanto a cultura, como a história e o desenvolvimento social e político são responsáveis por tantas mudanças. De maneira que podem a substância definidora do amor materno ser diferenciada conforme a época da história da humanidade.
O primeiro questionamento ácido é saber se o amor materno essencialmente deriva da natureza da mulher, ou seria mesmo, uma construção social fixada na relação da mãe com o filho? Há, cientificamente, uma predisposição à maternidade?
Há muitas formas de entendimento sobre o que seja o amor materno e um levantamento histórico desde o século XVII até o século XX trouxe considerações que vieram desmitificar o amor materno.
Com o surgimento da ciência moderna tão fulcrada na área físico-matemática e pelas ciências experimentais, que encontraram pensadores como Francis Bacon e René Descartes que tanto buscaram a explicar a aquisição do conhecimento humano. Para os empiristas, como Bacon, o conhecimento tinha origem na experiência e suas impressões formavam o pensamento.
Por outro lado, Descartes, por sua vez, defendia a noção de que a racionalidade era um dom natural do homem e que deveria ser bem conduzida a fim de evitar o erro, o equívoco que era propriamente o fruto do mau uso da razão.
Assim, o homem, como fiel possuidor da razão traria dentro de si mesmo, a possibilidade inata de conhecimento, o qual deveria ser recuperada, em caso de erro, para enfim, obter a formulação do saber científico.
No fundo, Descartes refutava o ceticismo procurando a arquitetar as bases sólidas para a ciência. Só existia uma única verdade para cada coisa e, o homem, através da razão e, consequentemente pelo seu conhecimento, seria capaz de conhecer o real de forma verdadeira e definitiva.
Destaque-se que se algo poderia existir, se fosse provado. Dessa forma, a ciência deveria ser firmemente fundamentada por critérios seguros para que garantisse uma certeza livre de céticos. A crença no poder crítico da razão humana, no interior, definiu a subjetividade em Descartes, ou seja, é a busca no sujeito pelo conhecimento.
As teorias científicas na análise da subjetividade, do indivíduo considerado como sujeito pensante, como dotado de mente ou consciência caracterizada por uma certa estrutura cognitiva, bem como por uma capacidade de ter experiências empíricas sobre o real, tal como encontramos no racionalismo e no empirismo, embora em diferentes versões, destacou Marcondes.
Porém, o pensamento moderno entrou em crise a partir das severas críticas de Hegel, no século XIX, que apontava a necessidade de se considerar o processo histórico-cultural na formação da consciência humana. Hegel como crítico às ideias subjetivistas do projeto moderno, pois não considerava que a consciência humana fosse originária, podendo fundamentar a nossa possibilidade de conhecer o real, de representar a realidade através de nossos processos cognitivos.
Diferentemente do naturalismo, diretamente relacionado à interioridade na fundamentação do conhecimento. Pois Hegel adotava uma visão cujo contexto externo era essencial para esta formação.
A partir de então, a subjetividade passou a ser criticada por diferentes linhas de pensamento, como a filosofia analítica, e o positivismo lógico que, embora não concordasse com Hegel, ainda assim acreditavam que a filosofia racionalista e a empirista eram problemáticas e até insuficientes, pois, se os atos mentais eram subjetivos, não haveria como contar com uma validade universal e objetiva exigida pela ciência.
A síntese dessas críticas foi a formação de um pensamento cuja linguagem veio fixar uma explicação da ligação sujeito e realidade como uma relação de significação.
Porém, seguiu-se duas linhas diferentes, que integram o pensamento contemporâneo e, uma destas, é a visão objetivista da linguagem que é formada pelos herdeiros da tradição moderna, tal como a Fenomenologia, o existencialismo, a filosofia analítica e o positivismo lógico e a Escola de Frankfurt.
E, conforme esta visão, a linguagem possui caráter representacional cujos objetos empíricos, pensamentos ou uma entidade abstrata, as coisas do universo que são representados pela língua.
Existe concretamente um mundo objetivo cujo sentido é determinado de forma natural, ou seja, o objeto (a realidade em si, independente dos sentidos e da linguagem) é representado pela linguagem, seu significa está ligado à sua descrição e a verdade está vinculada à realidade.
Assim, a linguagem científica é finalmente considerada como um sistema formal que visa estabelecer as condições necessárias e suficientes para a explicação dos fenômenos.
Por conseguinte, a forma mais genérica de definir esse tipo de concepção, é em termos, de um ideal de objetividade de representação da realidade, seja essa empírica, lógica ou psíquica.
Diferentemente, das ideias racionalistas e subjetivistas, para a visão objetivista ou representacional de linguagem, a realidade existe independentemente da consciência. E, segundo a filosofia analítica e o positivismo lógico, a ciência exige sempre uma validade universal e objetiva, vendo na lógica a forma de fundamentar as teorias, independentemente de atos mentais.
Outro encontro marcante foi a teoria da evolução e a seleção natural de Charles Darwin pois para ele, existia uma realidade em si, independentemente do sujeito e da linguagem e que se expressava perfeitamente na biologia.
De acordo com a tese de Darwin, os seres humanos evoluíram a partir de ancestral comum e, nossas características, tanto as físicas como as comportamentais eram transmitidas de geração para geração e, os mais bem adaptados ao meio ambiente, geravam mais descendentes.
Ele observou que todas as espécies sofriam variações por mutações e recombinações genéticas que eram mantidas ou descartadas pela seleção natural.
Quando fossem mantidas, por favorecerem a sobrevivência e a reprodução da espécie, estas mudanças eram transmitidas aos descendentes hereditariamente e, se tornavam mais comuns nas gerações posteriores. As transformações desfavoráveis e pouco adaptáveis, tornavam-se mais raras e podiam até mesmo desaparecer nas futuras gerações.
Segundo Darwin, a própria expressão das emoções humanas era fruto de um processo evolutivo que se consolida com o tempo. Assim tais emoções confirmariam a descendência do homem a partir de um ancestral comum.
Segundo a teoria da evolução, a etologia mostrou que o bipedismo foi resultado de mudanças genéticas que propiciam um modo de locomoção mais eficiente para a sobrevivência. E, a marcha bípede contou com as transformações significativas da anatomia, tal como a redução de pélvis e do tórax, para que esta forma de locomoção fosse possível e concreta.
Como resultado, o tempo de gestação das crias bípedes, tal como os seres humanos, fora reduzido pois com um tempo de gestação maior, o bebê não conseguiria passar pela bacia materna, resultando no óbito da mãe e do filho.
Assim, se o bebê fosse prematuro e ipso facto mais frágil, resultando na origem do apego nas relações parentais, assim como no desenvolvimento da instituição familiar. E, em razão de tal fragilidade, eram necessários maiores cuidados parentais para garantir a sobrevivência da criança.
O investimento parental se tornava fundamental para o sucesso da espécie. E, para assegurar a atração da mãe pelo filho e seu respectivo cuidado com a criança, os estudos etológicos apontam a presença de um neotenia, ou seja, os bebês apresentariam por maior tempo, as formas do início de seu desenvolvimento, ou seja, jovens e mais delicadas, que favoreciam os sentimentos maternais ternos e protetores.
Também o leite fraco da mãe exigiria um reforço da amamentação contínuo, e sua relação constante com o bebê, seria também responsável pela formação do vínculo afetivo.
Argumenta-se ainda outras teorias, como a da psicanálise, que discutem a origem do amor maternal esteja no vínculo afetivo entre a mãe e o bebê, instaurado pela satisfação da amamentação ou pelo alívio do desconforto, esta não coincide com a etologia. O apego se faz presente nesta relação independentemente de recompensas e a contínua interação entre o apego e o investimento parental que deu origem ao amor entre pais e filhos.
Para a visão objetivista de linguagem, o amor materno seria objeto natural, uma realidade em si, representada pela linguagem. E, advogam esta noção, como também as teorias inatistas que concebem o amor materno como instinto, de caráter universal, ou seja, estaria presente em todas as mulheres, e manifestar-se-ia, no momento em que estas se tornassem mães.
Por muito tempo, o amor materno fora concebido como instinto. A maternagem é uma característica universal feminina, fazendo-se parecer com sentimento inato que todas as mulheres vivenciariam, independentemente da cultura ou da condição socioeconômica.
Se considerássemos apenas os aspectos biológicos, o amor materno seria considerado mesmo como preconcebido, pré-formado, aguardando somente a ocasião para ser exercido.
Porém, são frequentes os casos de mães que maltratam seus filhos, os abandonam e, até mesmo os matam, fatos que parecem contestar as ideias objetivistas sobre o amor materno. Tendo um caráter natural e universal, a realidade é simplesmente representada pela linguagem, como explicar que este se manifeste apenas em algumas mulheres e, em outras não?
Dado interessante e facilmente observável é que nos casos onde ocorrem agressão e violência, maus-tratos e negligência por parte de mães tais atitudes são comumente justificadas pelo desequilíbrio mental, pobreza, desespera entre outros motivos.
A identificação da origem da insanidade mante-se na concepção objetivista de amor materno, porque, se o instinto materno se faz presente em toda mulher tanto quanto os requisitos como sentimentos e atitudes que a mulher aprende a partir da experiência de relacionamento.
Há quem afirme que as mães não amam seus filhos instintivamente e, nem mesmo possuem, um amor incondicional fundamentado apenas numa base biológica. A genética predispôs as mulheres para gerar filhos e destes cuidar e proteger, oferecendo, portanto, melhores condições para seu crescimento e a boa relação que pode se estabelecer entre mãe e filho é resultado de um investimento que visa, em verdade, à manutenção da espécie.
Para os defensores a existência da predisposição à maternidade, o vínculo afetivo entre mãe e filho se traduz por fundamental para garantir também o bom desenvolvimento da criança, mas não é responsável pela constituição e manutenção do amor materno.
Com base no estatuto da linguagem, existe outra linha de pensamento que investiga como seria a análise dos significados e, que parece indispensável para se pensar sobre o amor materno. Assim a crítica das ideias da filosofia moderna seguiu duas linhas de raciocínio, presentes na contemporaneidade.
A linha objetivista ou representacional, já apresentada, e a construtivista ou pragmática, representada pelas teorias como a filosofia de Heidegger, o estruturalismo e, a segunda fase do pensamento de Wittgenstein.
Segundo a Pragmática, o sentido da linguagem está relacionado a sua prática e, não propriamente com a sua descrição. Afinal, a linguagem é viva, dinâmica e, se define pela prática social humana.
As formulações da linguagem científica são encaradas como codificações ou sistematizações que devem ser justificadas e explicadas para seus respectivos propósitos, existe um número indeterminado de linguagem possíveis na interpretação de fenômenos a partir de diferentes pressupostos (lógicos, conceituais e, etc.) e de diferentes perspectivas de interesse.
A principal crítica de Wittgenstein à tradição moderna, estava relacionada à noção de linguagem como representação da realidade. E, segundo já foi visto, naquela visão, existe uma realidade em si que pode ser conhecida pela razão e, então descrita e comunicada ao meio pela linguagem.
Para Wittgenstein[1] o significado de uma palavra estava relacionado ao seu uso de linguagem. Neste sentido, na visão construtivista, é fundamental analisar o contexto para que então possamos apreender o significado de um determinado conceito.
O sentido da linguagem está relacionado à sua prática, e a estrutura lógica e precisa desta, até então defendida, deu lugar aos jogos de linguagem, em que a definição de um construto só pode ser dada a partir de seu contexto.
A noção de jogo de linguagem, o significado nada mais é do que estabelecido pela proposição, nem pelo sentido de seus componentes, nem por sua relação com os fatos, mas pelo uso que fazemos das expressões linguísticas nos diferentes contextos ou situações em que são empregados.
O significado da palavra só poderá ser dado, se houver conhecimento do contexto no qual está inserida, ou seja, seu significado é construído na relação com o meio e, não a partir da subjetividade do sujeito. Assim, o significado não é fixo e definido, sempre dependendo do uso que fazemos dele.
Ocorre a visão da indeterminação natural do sistema.
Dentro do discurso de Elisabeth Badinter em sua obra intitulada “Um amor conquistado: o mito do amor materno”, vai ao encontro do construtivismo na medida em que a autora considera que o vínculo afetivo estabelecido entre mãe e bebê não é natural, mas apenas construído.
E, ainda, adverte que o amor materno foi por tanto tempo considerado como instinto o que dificulta a sua compreensão, como não fazendo parte da natureza de toda e qualquer mulher.
Ao descartarmos o determinismo biológico do objetivismo, a noção de se considerar o amor materno inato e instintivo passou a ser alvo de crítica. E, baseada na relação entre mãe e filho e também nas transformações ocorridas a partir do século XVIII, a autoria demonstrou que determinado comportamento, atitudes e valores são resultados de demandas sociais e de conquistas culturais e históricas.
No início do século XX, Marcel Maus em seu artigo “L’expression obligatoire des sentiments” demonstrou, em contraste com Darwin, o quanto a expressão de sentimentos é resultado de fenômenos sociais. De acordo, com a tese construtivista da linguagem, pode-se entender que o amor materno é uma possível consequência da relação entre mãe e filho e, que a forma de amar pode ser variável.
De sorte que não é plausível predeterminar um sentido único e exato para significar a substância do amor materno e, da mesma forma, como é construído, também pode ser desconstruído.
Conforme a tese apresentada, seja objetivista ou construtivista, há diferentes maneiras de se entender o amor materno. E, resta saber, se o amor materno seria um mito ou uma verdade?
Como resultado de desejo da mulher, a presença do filho, em geral, gera sentimentos positivos e prazerosos que estarão presentes na relação da mãe com o filho. E, o modo pelo qual se estabelece essa relação, também será resultado do meio, ou seja, do contexto onde está inserida e que irá fundamentá-la. As representações do amor materno igualmente poderão varia radicalmente em suas concepções.
A relação maternal apresentou diversas formas diferentes em momentos diferentes. E, chama a atenção, como na sociedade contemporânea, se apoia em valores, como por exemplo, o amor incondicional da mãe que parecem indissociáveis deste papel.
Inicialmente a criança era vista como um estorvo, e seu nascimento um problema familiar, e a postura que a mulher assumira era de negligência em relação aos filhos. E, primeiramente, a autoria discorreu sobre a recusa materna em amamentar, daí se contratar as chamadas amas de leite.
O que era uma prática recorrente nas famílias aristocráticas, no século XVIII, e fez parte de todas as camadas da sociedade urbana
E, tal recusa tinha justificativa diversas, como não estragar o corpo, o desinteresse pela criança, e para não se perder tempo, para não diminuir o desejo do marido pela esposa, entre outras.
A taxa de mortalidade infantil era bem alta, principalmente entre os bebês aleitados por amas, e, a morte da criança não era razão para tanto sofrimento.
Aliás, alguns estudiosos afirmavam que a indiferença da mãe acerca do tratamento do filho seria espécie de defesa, já que a mortalidade era grande e o não envolvimento com a criança diminuiria a dor causada pela perda de um filho.
No mesmo período temporal, a distância entre a família e os filhos não se resumia ao tempo de amamentação. Ao voltar para casa, a criança por volta de quatro ou cinco anos de idade, as meninas eram entregues a uma governanta e os meninos eram cuidados por preceptores.
E, para Badinter o contato com os pais era insignificante e sem traços afetivos. E, a partir de sete ou oito anos de idade, os filhos eram entregues aos internatos e as filhas, em geral, aos conventos, onde recebiam educação.
Afinal, a maternidade não gozava de status especial, nem deveres ou pressupostos especiais. A mulher dava à luz e pronto. Em seguida, não se presumia que esta fosse amar o filho, a não ser que resolvesse amá-lo.
E, nem se esperava que fosse cuidar do bebê. Em casos de divórcios, na Inglaterra, França e América do Norte, em geral, era o pai que detinha a custódia dos filhos. Até porque as mulheres eram consideradas muito amorais, inferiores e fracas para assumirem tamanha responsabilidade.
A autora ainda apontou que o privilégio do filho homem, enquanto que as filhas só significavam um gasto para a família, seja pela necessidade de pagar dote, seja quando de seu casamento ou ainda pelo sustento daquelas que não se casavam, o primogênito herdava todos os bens da família, e os filhos mais novos teriam que trabalhar.
Além dos bens, o tratamento dispensado ao herdeiro era bem diferenciado, sendo comum que fosse amamentado pelas próprias mães.
Badinter nomeou três momentos cruciais de separação de mães e dos filhos como sendo os três atos de abandono e cogita sobre a ausência do amor materno. Tal discurso parece coerente, se comparado, à concepção de amor materno que temos hoje em dia, mas é possível, afirmar que não existia este tipo de amor antes do século XVIII?
A conduta daquelas mulheres que não ia contrária a da concepção sobre o tratamento de crianças para se formarem adultos bons e saudáveis?
O abandono materno não ocorria apenas em benefício da mulher, mas principalmente, em favor das próprias crianças. Afinal, as mulheres acreditavam que mandavam os seus filhos para longo para o próprio bem deles.
A é possível considerar que as mães seguiam a cultura daquela época e as normas impostas pela sociedade, o que, sem dúvida, tinha um propósito. A educação era voltada para a formação de bons adultos e não havia uma preocupação com o afeto.
Assim, seria delicado afirmar que o amor materno não existia antes do século XVIII, mas plausível concluir que sua representação seguia outros critérios
As mulheres eram incentivadas a evitar suas atitudes de ternura, visto que este sentimento poderia fazer com que os adolescentes tivessem vícios. Dessa forma, para garantir a formação de bons filhos, a mãe deveria incitá-los pelo temor, admoestações, castigos e prantos.
Desde antes de Cristo relatos já mostravam sua presença. A “Sentença de Salomão”, por exemplo, passagem bíblica que relata a renúncia de uma mãe em ficar com o filho com o objetivo de mantê-lo vivo, é prova da existência deste sentimento. Contudo, a cultura e as diferentes épocas são determinantes para modelar a relação de amor da mãe para com o filho.
No livro “A História Social da criança e da família” (1981) percebe-se que o sentimento de infância era inexistente. As crianças eram representadas como pequenos adultos, e assim também eram educadas; e da mesma forma como roupas, brincadeiras e conversas não eram diferenciadas daquelas dos adultos, os mimos maternos tampouco existiam na relação maternal.
Ariés Flandrin versa sobre a ausência do sentimento de infância argumentando que: “Na vida cotidiana, as crianças vivem com os adultos uma vida de adultos: mesmos jogos, até o século XVII pelo menos; mesma vida profissional, pois que de alto e baixo da escala social as crianças se formam por aprendizagem. A escola, aprendizagem para os clérigos, não distingue classe de idade: os escolares de dez anos são misturados aos adultos.
Para teóricos como Ariés, o conceito e o sentimento de infância surgem após uma importante mudança na atitude parental, sendo esta teoria embasada por fontes como a iconografia.
Para pesquisadores como Linda Pollock, o conceito de infância já existia antes da era pré-industrial. Para a autora, o material de análise – como a arte – usado por teóricos como Ariés camuflava a realidade. Por meio da análise de diários e autobiografias, Pollock não encontrou elementos que assegurassem a teoria do historiador.
Porém, mesmo considerando que o sentimento de infância sempre tenha existido, o que entendemos por amor materno nos dias de hoje em nada se assemelha ao conceito do século XVII.
A partir de 1760 a imagem da mãe e sua importância nos cuidados com os filhos passaram a ser valorizadas e o amor materno foi exaltado como um valor natural e social indispensável para a sociedade.
Badinter apresenta três discursos que justificam essa transformação. O primeiro deles é um discurso econômico no qual a criança passa a ter valor mercantil. No final do século XVIII acreditava-se numa diminuição demográfica que poderia ser problemática para os países.
A tomada de consciência da diminuição populacional redundaria numa diminuição de riquezas, visto que pouca mão de obra resultaria numa menor produção. .
Ao mesmo tempo, a taxa de mortalidade infantil era alta, principalmente pelo fato de os bebês serem entregues às amas de leite. Logo, era necessário reverter esse quadro.
Um segundo discurso difundiu ideias que, em maior ou menor escala, contribuíram para a propagação do amor. Era a filosofia da igualdade e da felicidade.
O primeiro era sedutor para as mulheres na medida em que lhes concedia valor, direitos e certa autonomia – a felicidade passava a ser defendida como condição essencial à vida. O conceito de igualdade exigiu um novo tratamento para as crianças, considerando suas necessidades; a felicidade deixava de ser individual e passava a ter um valor coletivo, sendo a família o âmbito perfeito para que ela se estabelecesse e propagasse.
Um terceiro discurso veio reverenciar, ou manipular, as mulheres no que tange à responsabilidade com relação à maternidade. De um lado, muitos eram os atrativos da maternidade. A mulher era venerada pela sua importância nos cuidados e educação da criança com o argumento, inclusive, de ser uma vontade da natureza.
Por outro lado, ameaças de ordem religiosa ou ordem médica – que decretavam os perigos do não aleitamento – eram feitas para que a mãe assumisse esse encargo. Embora seja possível citar diversas publicações a este respeito, uma delas foi crucial para essa transformação.
Já na segunda metade do século XVIII, Rousseau[2] escreveu o romance intitulado Emílio ou Da Educação. E, crente na bondade natural do homem e que a corrupção era fruto da sociedade. O pensador desenvolveu, em seu romance, um sistema educativo apresentando os meios para que os homens fossem bons, e pudesse conviver na sociedade corrupta e enfim, tornar-se um cidadão ideal.
Ao contrário da mentalidade dos séculos anteriores, Rousseau enxergava a criança com outros olhos: era boa, frágil e deveria ser preparada com cuidados essenciais para viver em sociedade. Porém, ressaltou que a educação de meninos e meninas deveria ser bem diferente. Enquanto que o menino deveria ser educado para os saberes científicos, a menina seria mesmo destinada ao casamento e vocacionada à maternidade.
E, conforme mostrou Forna, foi Rousseau quem estabeleceu a ligação da maternidade com a moralidade. E, defendia a criança e apresentava outra maneira de educa-la ao mesmo tempo que estabelecia um novo locus para a mulher.
Para Rousseau, a mulher era considerada fraca e passiva, deveria ser submissa ao homem e preparada para procriar e cuidar dos filhos.
Assim, a maternidade passou a ser vista como natural, incumbia a mulher da educação de seus filhos, que além de amamentá-los
e tratá-los com carinho e zelo. E, encarava de uma força da natureza, de sorte que a mulher deveria estar pronta para cumprir sua missão nobre, abrindo mão de tudo em prol de sacrificar-se pelos seus filhos.
Para o Rousseau o pleno devotamento materno garantisse a felicidade, depois de ser nomeada como aquela que melhor sabe cuidar dos filhos, a mulher conquista certo valor. E, esta prestigiosa posição é insubstituível, grande parte das mulheres, passou a viver a maternidade com orgulho e felicidade.
Ressalte-se que apesar das razões apontadas por Badinter serem bastante contundentes, não foram apenas esses argumentos que influenciaram a mudança da mentalidade feminina. O amor romântico, só teve início no século XVIII, e passou então interferir nas relações conjugais e, por conseguinte, também na maternidade.
Os laços matrimoniais deixaram ser fundamentados apenas em aspectos socioeconômicos e, passaram a ser investidos de amor e alicerçados na busca por uma pessoa especial.
A relação passou a se basear em afeto, sendo presumível que este passasse a permear não apenas a vida do casal, mas, principalmente da família.
Assim, nesse cenário, a maternidade já integrava a natureza da mulher, e, no final do século XVIII e início do século XIX, era possível notar a diferença no tratamento de mães e, em sua satisfação em cumprir suas tarefas.
O aleitamento, os cuidados com a higiene, a presença, a educação e o sacrifício fizeram da mãe negligente de Badinter um protótipo do que seria a chamada mãe perfeita e tida como ideal dos nossos tempos.
Podemos afirmar que o sentimento materno é real, porém fora moldado pelos princípios da época. Não há como apenas naturalizá-los, muito menos universalizá-lo. O amor materno, bem como outros comportamentos, é, provavelmente apenas o resultado do que fazemos com este.
A nova concepção de maternidade que surgira no século XVIII ganhou força e sedimentou-se nos séculos seguintes. Porém, somente a partir do século XX, outros discursos, como o da psicanálise e o das ciências, vieram a fortalecer os conceitos de devotamento e sacrifício atribuídos à mãe.
O amor materno do fim do século XVIII foi apoiando-se em determinados valores e virou finalmente obrigatoriedade. E, já não se podiam aceitar as mães que não desempenhasse sua missão conforme o que fora estabelecido, estas era as mães más, negligentes e egoístas…
Ademais, ainda que veladamente, a maternidade se transformou em mais um movimento opressor e gerador de culta. E, se nos séculos XVIII e XIX a tarefa do aleitamento, os cuidados, a educação, o devotamento e a felicidade dos filhos foram delegados às mães.
No século XX, tais mães foram nomeadas como responsáveis pelo bem-estar da criança e por seu desenvolvimento psíquico saudável. A maternidade passou a seguir um manual de instruções a respeito de como ser mãe, e ainda que fosse, pela maioria dos teóricos, defendida como dom natural, não eram mais as mães que possuíam o conhecimento de como tratar os filhos, mas sim, os especialistas.
E, seguir religiosamente tais regras e normas era o mesmo que expressar propriamente o amor pelos filhos.
Porém, logo no início do século XX, Freud lança uma teoria que ajudou a disseminar a noção de que nossos comportamentos resultam de experiências infantis.
E, assim, uma mãe que trata seu filho inadequadamente vai gerar filhos com problemas. Além disso, no caso de filhas, a questão é ainda maior e mais expressiva, já que esta, poderá reproduzir o mesmo comportamento insatisfatório com seus filhos.
No entanto, a postulação freudiana que mais contribuiu para fazer com que a mulher ocupasse o locus central na família, foi a descoberta por parte da menina, de sua castração.
Segundo Freud, todos nós passamos pelo famoso Complexo de Édipo, que é fenômeno a partir do qual, os sentimentos opostos tais como amor e ódio despertam na criança para que possamos dar sequência ao nosso desenvolvimento. Assim, quando a menina se dá conta de sua castração, ele percebe a superioridade do homem, enquanto que a menina se conscientiza de sua castração, e já percebe a superioridade dos homens e a consequente inferioridade em relação a eles.
Quando a menina revoltada com essa situação, ela tinha basicamente três caminhos, a saber: Inibir-se sexualmente, frustrada com seus clitóris; num segundo caminho, viver a fantasia de um dia possuir um pênis e, insistir em sua masculinidade, o que pode levar à homossexualidade; no entanto, apenas por uma terceira e derradeira via é que a menina vai desenvolver a feminilidade normal.
Assim, a menina toma o pai como importante objeto de amor, o que seria a forma feminina do Complexo de Édito. Existe ainda uma compensação, a renúncia do pênis é deslocada para o desejo de ser um bebê.
Segundo Zornig, a maternidade segundo a teoria freudiana é a via privilegiada do acesso da mulher ao feminino.
E, se o desejo pela maternidade era a forma de se galgar a feminilidade normal, a mulher acabou sendo encarcerada na função materna.
Existiram várias pressões sobre a maternidade e, mesmo nas primeiras décadas do século XX, o neozelandês Sir Frederic Truby King influenciou muitas gerações de mãe. Pois, após um cioso estudo no qual descobriu que o leite de vaca, em comparação ao humano, carecia de certas propriedades, e assim, defendeu a importância da amamentação no seio, inclusive para mitigar a mortalidade infantil.
Tais métodos disseminados pelo médico eram bem rígidos. E, os bebês deveriam ser amamentados a cada quatro horas e nunca em outro momento, mesmo quando apresentassem qualquer tipo de desconforto ou sofrimento.
Afora isso, o contato físico para demonstração de afeto deveria ser ortodoxalmente evitado a fim de impedir a transmissão de germes. King não acreditava no instinto maternal e achava que a mulher deveria ser preparada para ser mãe, que era julgada como sendo ignorante e sem disciplina.
Mesmo, com a morte de King, em 1938, a educação Truby King continuou a exercer grande influência, só declinado apenas na década de 1950.
Surgiram outros modelos bem diferentes do de King, e as décadas de 1940 e 50 contaram com mais dois expressivos pensadores: John Bowlby e Donald Winnicott[3] cujas teses foram fundamentais para modelar, o que nosso atual século seria cunhado como uma boa mãe.
No início dos anos quarenta, a crise que o mundo passava era severa e em muito modificou novamente a relação maternal. Com a Segunda Guerra Mundial, que se iniciou em 1939, os homens foram recrutados, enquanto que as mulheres passaram a trabalhar para afinal suprir as demandas de cada país, assim, como as necessidades domésticas.
Para tanto, o Estado se encarregou de promover a abertura de creches e escolas maternais a fim de que as mulheres pudessem sair de casa para trabalhar. E, foi diante desse contexto que Bowlby iniciou seus estudos sobre os laços afetivos entre mãe e filho e a vinculação do instinto.
A saúde mental da criança estava intimamente associada a uma relação afetuosa existente entre mãe e filho na qual ambos encontrassem satisfação e felicidade. E, para que essa relação fosse possível, saudável e satisfatória, a presença materna, em tempo integral era essencial.
A privação materna poderia gerar sérios distúrbios emocionais e psicológicos e o vínculo entre mãe e filho era resultante desta constante interação. Apesar de Bowlby acreditar que esse vínculo fosse um instinto, ainda defendia que a interação entre a mãe e o bebê seria favorecida neste processo.
Foi com base nas teorias de Bowlby que parte de creches e escolas infantis e maternais abertas durante a guerra foi fechada no início da década de 1950. Pois suas teorias capitalizaram muitos seguidores até mesmo nas últimas décadas do século XX.
À semelhança de John Bowlby, Winnicott defendia que a mãe deveria ficar com o bebê em tempo integral, principalmente em seus primeiros anos. E, qualquer comportamento diferente disso seria uma negligência e sendo acesso ao que exigia a natureza. Destaque-se que diferentemente de Truby King[4] os dois teóricos, tanto Bowlby como Winnicott valorizavam o afeto entre mãe e filho.
Foi Winnicott que criou o conceito de “mãe suficientemente boa”[5] e acreditava que a maternidade integrava a natureza e que a mulher estava apta para tal função. Mas, também defendida que, caso a mãe não fosse suficientemente boa, poderia causar na criança um bloqueio emocional e distúrbios psicológicos graves.
A base da interação positiva entre mãe e filho se baseia na identificação com o bebê e, desse modo, com a preocupação com suas necessidades. Assim, a mãe protege a cria e se devota a seus cuidados.
A verdade, conforme salientou Aminatta Forna, a maternidade se transformou um processo ortodoxo, impregnado de normas e governado por dogmas produzidos por supostos especialistas, cuja visão era sempre formulada em termos do que é melhor para o bebê, acrescentando muitas polêmicas.
É relevante supor que todas essas transformações sobre a maternidade e amor materno geraram consequências. Assim, muitas mulheres se orgulhavam da dedicação ao filho e pelo fato de desempenharem o papel de mãe ideal. E, também podiam se gabar de serem as únicas capazes e hábeis a assumir tal função. Porém, em outras mulheres foi criado um sentimento de culpa e de profundo mal-estar.
Aliás, o fracasso no exercício da maternidade era rigidamente punido pois não foram mães suficientemente boas e eram condenadas por incompetência. Algumas mães eram responsabilizadas pelas mortes trágicas de seu filho ou ainda pela carreira criminosa.
A falta de amor materno era considerada, portanto, um crime imperdoável que não pode ser remido por nenhuma virtude. A mãe que experimentasse tal sentimento era excluída da humanidade, pois perdeu sua especificidade feminina. Era definida como meio monstro e meio criminoso, tal mulher representava o que chamaram de “erro da natureza”.
Depois da Segunda Grande Guerra Mundial, quando o capitalismo já se firmara como regime da maioria dos países ocidentais. Particularmente no Brasil, a economia apresentou, desde do período colonial, as bases capitalistas, sendo tal poder consolidado a partir do desenvolvimento industrial (final do século XIX e início do século XX).
O regime capitalista se apoia em alguns princípios e concepções conservadoras quanto ao casamento e uma moral tradicional que esculpia uma família como alicerce para a manutenção e desenvolvimento humano.
O poder e prosperidade do país dependiam da população e de forças morais e a família é a geratriz de ambas. Assim, a família se firmou como a maior base da política demográfica e ao mesmo tempo também como fonte das mais elevadas inspirações de estímulos morais.
Assim, a família era relevante para o crescimento demográfico e também para o aumento de suas riquezas. Havia explícito incentivo ao casamento e à maternidade que era uma maneira de garantir o aumento da população. Portanto, as leis proibitivas do aborto e o fomento a que as mulheres não trabalhassem fora do lar, eram estímulos seguros para se galgar tais objetivos.
O amor materno é fruto de gradual construção e sofreu inúmeras variações, embora que as ideias objetivistas ainda façam parte do senso comum. De qualquer, forma, continuamos em busca da melhor definição do amor materno, e encará-lo como uma obrigatoriedade pode ser uma sincera ameaça.
Com a segunda metade do século XX, com as conquistas femininas foram essenciais para causar uma profunda mudança na relação maternidade e feminilidade.
Referências:
BADINTER, Elisabeth. Um Amor Conquistado – o Mito do Amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
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WINNICOTT, D. W. A Criança e seu Mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
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FORNA, Aminatta. Mãe de Todos os Mitos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
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DA SILVA, José Cândido. Filosofia da Linguagem: Wittgenstein e a figuração do mundo. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-da-linguage-3-wirrgenstein-e-a-figuracao-do-mundo.html
ALMEIDA, Caio Henrique. Resenha do Livro: Um Amor Conquistado: o Mito do Amor Materno por E. Badinter. Disponível em: https://www.academia.edu/5271443/Resenha_do_livro_-_o_mito_do_amor_materno Acesso 9.5.2018.
[1] Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (26 de Abril de 1889 — 29 de Abril de 1951) foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico. Foi um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da matemática e filosofia da mente.
Muitos o consideram o filósofo mais importante do século passado. Seu mais popular livro de filosofia publicado, o Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922, exerceu profunda influência no desenvolvimento do positivismo lógico. Mais tarde, as ideias por ele formuladas a partir de 1930 e difundidas em Cambridge e Oxford também impulsionaram um outro movimento filosófico – a chamada “filosofia da linguagem comum“.
[2] A publicação de Émile de Rossueau em 1762 é um marco no paradigma familiar do da segunda metade do século XVIII. Ela pode ser considerada como a primeira obra a exercer influência sobre o comportamento familiar moderno, atribuindo as instruções para que as mulheres pudessem aceitar o sacrifício de se tornarem boas mães em nome do dever e da felicidade.
Já na psicanalise de Freud e seus discípulos, como Helène Deutsch (1884 – 1982), além de defender a tese, que a mulher teria inveja do pênis, definiam a personalidade feminina a partir de três categorias que seriam a expressão da natureza feminina: a passividade, o masoquismo e o narcisismo.
Essas duas concepções (a filosófica e a cientifica) estavam em consonância como os valores dominantes da sociedade. Valores que serão questionados a partir da década de 1960 graças aos movimentos feministas, que lutaram pela igualdade, pelo fim dos privilégios dos homens em relação ao saber e o poder.
[3] Donald Woods Winnicott (1896-1971) foi pediatra e psicanalista inglês. Num artigo intitulado “A mãe dedicada comum”, escrito em 1966 e publicado numa coletânea de conferências e palestras radiofónicas, Winnicott descreveu um estado psicológico especial, um modo típico que acomete as mulheres gestantes no final da gestação e nas semanas que sucedem o parto. Nessa palestra, o autor nos conta como, em 1949, surgiu quase que por acaso a expressão “mãe dedicada comum”, que serviu para designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se naturalmente para as tarefas da maternidade, temporariamente alienada de outras funções, sociais e profissionais. Trata-se, pois, de uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumentada, que Winnicott chega a comparar a uma doença, uma dissociação, um estado esquizoide, que, no entanto, é considerado normal durante esse período. Observe-se também que não é raro um surto psicótico típico nesse período, o que se denomina psicose puerperal.
Winnicott afirma que, na base do complexo de sensações e sentimentos peculiares dessa fase, está um movimento regressivo da mãe na direção de suas próprias experiências enquanto bebê e das memórias acumuladas ao longo da vida, concernentes ao cuidado e proteção de crianças.
[4] Sir Frederic Truby King (1858 -1938) geralmente conhecido como Rei Truby, foi um reformador da saúda na Nova Zelândia e o diretor de Bem-Estar da Criança. É mais conhecido como o fundador da Sociedade Plunket. A referida sociedade foi fundada em 14 de maio de 1907 e fora criada para aplicar princípios científicos à nutrição de bebês e fortemente enraizada na eugenia e no patriotismo, em sua semana de salvação dos bebês de 1917, teve o slogan “A Raça avança sobre os pés das crianças”. Os métodos de King serviram para ensinar às mães detalhes sobre a higiene doméstica e cuidados infantis que foram fortemente promovidos através de sua primeira obra sobre os cuidados maternos, alimentação e cuidados com o bebê e através de uma rede de enfermeiros Karitane especialmente treinados. Seus métodos eram controversos. Em 1914, a médica Agnes Elizabeth Lloyd Bennett opôs publicamente sua posição de que o ensino superior para mulheres era prejudicial às suas funções maternas e, portanto, à raça humana.
[5] A teoria de Winnicott nos remete ao entendimento dos estágios mais primitivos do desenvolvimento emocional do ser humano. Em sua prática profissional como pediatra e psicanalista, constatou que boa parte dos problemas emocionais parece ter origem nas etapas mais precoces do desenvolvimento. Pode-se afirmar que o cerne de seus estudos, concentrou-se na relação mãe-bebê, pois para o pensador as bases da saúde mental de qualquer indivíduo são amoldadas na primeira infância pela mãe, através do meio ambiente fornecido por esta. O ambiente tem uma influência decisiva na determinação do psiquismo precoce. Há dois caminhos que foram focalizados e frequentemente se intercruzam. Um deles diz respeito ao amadurecimento emocional do bebê e, o outro, refere-se às qualidades da mãe, suas mudanças e cuidado materno que satisfaça as necessidades específicas do bebê.