Mensagens telefônicas
Em um flagrante não é incomum, principalmente no crime de tráfico de drogas, a apreensão do celular do autuado. Com essa apreensão objetiva-se o acesso as conversas de WhatsApp, ou mensagens telefônicas no geral, para serem utilizadas como provas da traficância. A questão que quero entrar em discussão aqui é a forma de acesso a essas mensagens.
Raramente um policial está sozinho em uma abordagem, é inclusive contra recomendação da instituição. Em contrapartida, não é raro o abordado ser um único indivíduo. E o que quero tratar com isso?
Bom, que o número de policiais é superior ao número de autuados em considerável parte dos casos mais comuns de tráfico de drogas, já nos traz a mente a fragilidade desse em relação àqueles, sem contar os instrumentos policiais (arma, algemas, cassetete, spray de pimenta, etc.) que acentuam a intimidação no momento da abordagem.
Essa forma de abordagem é capaz de reduzir a capacidade de resistência daquele que está sendo detido, seja pela própria intimidação natural do ato, ou, infelizmente em não raras vezes, essa incapacidade de resistência do detido, se dá pelo uso de violência ou grave ameaça por parte do agente policial
E é acerca dessas intimidações que surgem o ponto específico decisório acerca da legalidade ou não da apreensão do aparelho telefônico, bem como a utilização dessas mensagens.
O primeiro enfoque se dá no princípio da não autoincriminação, logo, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Se não sou obrigada a produzir provas contra a minha própria pessoa, é óbvio que qualquer tentativa de terceiro nesse sentido é uma violação legal penal, constitucional, e mais, uma violação principiológica. Ademais, o sigilo telefônico está estampado no art. 5º, XII da Constituição Federal.
Então, a partir do momento em que o policial se utiliza da intimidação para conseguir acesso ao telefone (com senha ou não) de qualquer detido, e aqui seja no crime de tráfico de drogas, ou em qualquer outro delito, ilegitima a prova.
Além da ilegitimidade da prova, esse ato pode e deve trazer consequências ao policial. Vejamos quais:
Nos termos da Lei 13.869/19 (lei de abuso de autoridade), notadamente em seu art. 13, III, diz que a autoridade que age constrangendo o detido ou o preso, seja com a redução da capacidade de resistência ou pelo uso de violência ou grave ameaça, a produzir provas contra si mesmo ou também contra terceiros, sofrerá uma pena de detenção de 1 a 4 anos, e multa, e ainda, sem prejuízo da pena referente a violência, caso essa tenha ocorrido.
Mas é só isso que pode acontecer ao policial? Não, se esse agente poderá ser afastado do cargo, se reincidente em crimes de abuso de autoridade, poderá perder esse cargo público, e ainda, é obrigado a reparar os danos causados, nessa situação, os danos serão especialmente a título de danos morais.
Que fique claro que não é absolutamente vedada a utilização de conversas telefônicas para fins de provas, havendo autorização espontânea do detido não há máculas, assim como, havendo autorização judicial é licita essa espécie de prova, mesmo sem espontaneidade do detido.
Para reforçar, nesse sentido de ilegitimidade da prova sem autorização, tem-se decisão do Ministro do STJ, Sebastião Reis Júnior, no HC nº 511.484 – RS (2019/0145252-0), que concedeu ordem para anular toda ação penal fundada em prova ilícita:
- Não tendo a autoridade policial permissão, do titular da linha telefônica ou mesmo da Justiça, para ler mensagens nem para atender ao telefone móvel da pessoa sob investigação e travar conversa por meio do aparelho com qualquer interlocutor que seja se passando por seu dono, a prova obtida dessa maneira arbitrária é ilícita. (…)
É importante se atentar aos meios de prova. Se não há comprovação da traficância, e por ventura, há tão somente a apreensão de drogas, a defesa será mais robusta no sentido de desclassificar o delito.
Uma pena do crime de tráfico, que poderia chegar a 15 anos de reclusão em sua modalidade simples, poderá ser desclassificada para consumo de drogas, muito menos danoso. Para algumas correntes doutrinárias, o uso de drogas estampado no art. 28 da Lei 11.343/06, não é ao menos considerado crime. Além disso, a pena do art. 28 não gera a perda da liberdade, uma vez que se resumirá em advertência sobre o uso de drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programas educativos, podendo serem elas cumulativas ou isoladas.