Competência

À luz da crise institucional estabelecida entre o Governo Federal e os Governos Estaduais que estabeleceram restrição à locomoção em território nacional, ante os Artigos 22 e 23 da CF, quem teria competência para tais ações preventivo-repressivas?

De forma objetiva, a competência consiste na capacidade jurídica de agir, atribuída aos entes estatais federados – e por isso autônomos – pela Constituição Federal. Seja a capacidade primária legislativa, seja a capacidade executiva (administrativa).

Em meio a pandemia, presencia-se, conforme declarado na Portaria nº 188/20 do Ministério da Saúde, um momento de “emergência em saúde pública”. A portaria previu o caso de COVID-19 como de emergência em saúde pública de importância nacional, após a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado emergência em saúde pública de importância internacional, em janeiro de 2020. Dessa forma, necessário se faz a adoção de medidas urgentes de prevenção e controle de riscos à saúde Pública. 

Para dar andamento a essas ações o Congresso Nacional aprovou, em fevereiro, a Lei 13.979/2020 que traz medidas de enfrentamento à emergência e seus efeitos. Logo em seguida, em março, a Medida Provisória 926/2020 alterou alguns dispositivos da referida Lei, causando entrave entre as competências dos Governos Federal e Estadual. Vejamos:

  1. A MP 926/2020 deixa claro que somente o Governo Federal poderá autorizar que sejam

restringidos os transportes interestadual e intermunicipal. Ou seja, somente por ato do Executivo Federal será possível a restrição da locomoção interestadual e intermunicipal por rodovias, portos ou aeroportos. Veja:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:

a) entrada e saída do País; e

b) locomoção interestadual e intermunicipal

Acontece que alguns estados e municípios editaram, nos últimos dias, decretos restringindo a entrada e saída de pessoas nos seus territórios e, por isso, o Governo Federal deixou explícito na referida lei a competência para tomar determinadas medidas.

Isso porque, é de competência privativa da união legislar sobre trânsito e transporte, bem como sobre emigração e imigração (entrada e saída do país), segundo art. 22, CF. Podendo ser delegada aos entes federados, conforme parágrafo único do mesmo artigo. Ou seja, há um rol enumerativo de matérias sobre as quais somente normas federais poderão dispor. Vale dizer, Estados e Municípios não dispõem de competência para legislar sobre essas matérias; salvo em caso de delegação – por Lei Complementar.

Dessa forma, estabelecer parâmetros gerais de entrada e saída do território brasileiro, bem como de locomoção interestadual e intermunicipal estão dentro do âmbito de competência da União. 

O que pode gerar certa dúvida – e por isso, crise institucional entre os Governos Federal e Estaduais – por outro lado é o modelo de repartição de competências adotado pela Constituição Federal de 1988: norteado pelo Princípio da Repartição de Interesses. Logo, sendo matéria de interesse predominantemente geral, a competência é outorgada a União. 

Aos estados são reservadas as matérias de interesse predominantemente regional. Cabe aos municípios, por fim, as matérias de interesse predominantemente local. A prestação de transporte público, por exemplo, obedece a predominância de interesse do município (intermunicipal), do estado (interestadual) e da União (internacional). 

Soma-se a isso o artigo 23 da Constituição Federal, que enumera matérias integrantes da competência comum dos entes federados. Tal competência é administrativa, em que os entes podem atuar, de forma paralela, sobre as respectivas matérias e em condições de igualdade. São matérias, portanto, tipicamente de interesse difuso da coletividade, razão pela qual se justifica a atuação comum de todos os entes da federação. 

Vale ressaltar que a situação atual é de emergência de saúde pública de interesse e importância nacional, que, em sua competência (art. 21,XVI,CF), deve a União promover a defesa contra situação de calamidade pública.  

REFERÊNCIAS

 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm